Aprendizado

Pandemia traz lições sobre as mudanças climáticas no planeta

No Brasil, temperatura média na região Centro-Oeste cresceu 1,53°C, enquanto no Sul o valor oscilou 0,98°C; desde 1991, Belo Horizonte não tem mínima inferior a 8°C ao longo do ano

Por Marcelo da Fonseca
Publicado em 18 de maio de 2020 | 03:00
 
 
CoronaVirus Foto: João Godinho

Semanas seguidas de paralisações em praticamente todo o planeta, com a redução na atividade industrial e na circulação de carros pelas ruas, geraram impactos visíveis no horizonte das grandes cidades pelo mundo. Pesquisadores já confirmaram melhora na qualidade do ar, com a redução da emissão de gás carbônico e outros tipos de poluentes. Agora, analisam qual efeito esse novo cenário produzirá no clima global e se as lições sobre o grande impacto da atividade humana nas mudanças de temperatura ficarão como legado após a pandemia do coronavírus.

O aumento médio de 2°C nos termômetros do mundo entre 1961 e 2018, registrado por órgãos especializados da Organização das Nações Unidas (ONU), vem sendo apontado como grave risco para o planeta, e, diante de crises globais como a deste ano, o tema volta a ganhar força entre os governantes que defendem maior rigidez nas regras ambientais.  

A influência da atividade humana no aumento da temperatura registrado em todo o mundo nos últimos 60 anos ainda é motivo de crítica por parte de alguns pesquisadores. Apesar de ser considerada pela maioria dos especialistas, ainda existem questionamentos sobre qual é o papel do ser humano nas mudanças climáticas. Dados colhidos ao longo da paralisação imposta pela pandemia poderão ajudar a iluminar esse debate científico nos próximos anos.

“Diante dessa pandemia, principalmente com a diminuição dos gases emitidos pelas indústrias, teremos uma atmosfera mais limpa, com menos material particulado no ar. Com certeza, registraremos temperaturas médias mais baixas do que em anos anteriores no planeta, em comparação com o que estamos vendo nos últimos dez anos, em que quase sempre temos recordes de temperatura máxima”, avalia Ruibran dos Reis, especialista do Climatempo.

Segundo ele, os registros colhidos nas últimas décadas em Minas Gerais indicam um aumento constante da temperatura não apenas nas maiores cidades do Estado, mas também no interior. “As pessoas mais velhas percebem que não está fazendo frio como antigamente. Temos dados de várias cidades que comprovam essa percepção. E não é um efeito apenas da urbanização, pois não ocorre somente nas grandes cidades. É um efeito do aquecimento global. A partir da década de 80, essa alta na temperatura acelerou”, afirma Ruibran dos Reis. Ele, no entanto, ressalta que o aumento médio não evita picos em algumas estações: “Em um ano podemos ter extremos de calor ou de frio causados por outras variabilidades, mas a tendência média é um aumento gradativo e constante”.

Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que as mudanças climáticas são alterações de longo prazo, mas que os efeitos das paralisações por meses em 2020 podem gerar percepções novas sobre o ambiente para milhões de pessoas.  

Estudo elaborado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), com dados colhidos entre 1961 e 2018, mostra que houve diferentes alterações de temperatura nas regiões do Brasil. Enquanto no Centro-Oeste e no Norte foram registrados os maiores aumentos, de 1,53°C e 1,41°C, respectivamente, nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste as elevações foram menores. No Sudeste, a região mais populosa do país, a temperatura aumentou 1,15°C nas últimas seis décadas; no Nordeste, o aumento foi de 1,16°C, e no Sul, onde houve a menor variação, o aumento foi de 0,98°C na temperatura média. Os dados do Inmet mostram que desde 1991 não se observam temperaturas mínimas em Belo Horizonte abaixo de 8°C ao longo do ano.  

Para o coordenador do 5° Distrito de Meteorologia do Inmet, Lizandro Gemiacki, tudo indica a existência direta da influência das ações do homem sobre as mudanças climáticas, mas a dimensão dessa influência não é uma certeza entre os pesquisadores. Ele avalia que não se pode fazer uma perspectiva de como será o inverno deste ano, mas que as chuvas registradas em maio, no outono, são incomuns para o período. “Podemos ter ondas de frio menores ou que se alonguem entre junho e julho. Normalmente neste mês de maio temos muito pouca chuva, mas já tivemos registros e temos chances de novas chuvas no final de semana”, analisa.  

Sobre os impactos das paralisações globais no clima, ele afirma que as variações térmicas dependem de fatores mais amplos, mas que mudanças em características atmosféricas locais já são constatadas. “A temperatura é influenciada por sistemas meteorológicos maiores, como, por exemplo, tivemos nas primeiras semanas do mês o avanço da massa de ar polar, o que derrubou as temperaturas em Minas. Temos alterações quanto à qualidade do ar e à poluição, com menos poluentes suspensos por causa do fluxo menor de carros e menor atividade industrial. Nesta época do ano, na região metropolitana, estaríamos vendo uma camada de poluição que ainda não se formou neste ano”, diz Gemiacki.  

“Aprendizado essencial dessa crise”
Em debate, no mês passado, promovido pela iniciativa Pacto Global, da ONU, o presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, o climatologista Carlos Nobre, alertou para a importância de que os países tirem aprendizados da pandemia do coronavírus em busca de ações de sustentabilidade. Ele considera que a redução de poluentes na atmosfera é um efeito momentâneo do isolamento e das paralisações nos transportes e indústrias poluentes pelo mundo. No entanto, o momento pode levar a reflexões sobre que tipo de ar as pessoas querem ter em suas cidades pós-pandemia.

“Será muito importante observarmos a qualidade do ar das grandes cidades para desenhar trajetórias em busca da redução da emissão de gases poluentes dos transportes. Temos que investir nesses estudos para mostrar qual é o tipo de ar que queremos para nossa cidade. Nós temos que aproveitar a saída da crise pandêmica para colocar o Brasil cada vez mais em trajetórias de sustentabilidade”, avalia Nobre.