A valorização do cabelo está emaranhada na história. Na Bíblia, a força de Sansão para defender o povo de Israel estava no cabelo. Na mitologia egípcia, as madeixas da deusa Ísis tinham o poder de devolver a vida e ressuscitaram o deus Osíris. Na cultura pop, o penteado longo dos quatro Beatles se tornou tão icônico que só o contorno dele basta para reconhecê-los. Muito além de um símbolo, o cabelo também é objeto de autoestima, e a calvície se tornou um fantasma para os homens. Agora, sem pudores para mudar o que incomoda, eles formam um mercado crescente para tratamentos ou paliativos contra a careca, e empresas lucram alto com esse nicho em Belo Horizonte.

Hoje, tratar ou disfarçar a calvície não depende somente de implantes de milhares de reais — embora eles ainda sejam uma opção, cada vez mais tecnológica e, em alguns casos, mais cara. De olho no nicho do cuidado masculino, o empreendedor Eduardo Oliveira, dono do estúdio Super Barba, dedica-se, há quatro anos, às próteses capilares na capital mineira. Feitas de fios de cabelo humano, elas não cobrem a cabeça inteira, como as perucas, mas somente as áreas onde a calvície atacou. O resultado, quando tudo dá certo, convence até os mais incrédulos de que o cabelo é natural.

“Antes, eu trabalhava com cabelo feminino, mas quis ir para o masculino. Comecei a revender próteses capilares no Mercado Livre e vi que BH ainda não tinha ninguém especializado, então vi a oportunidade no mercado. Meus clientes são pessoas que fizeram vários tratamentos e nada deu resultado. Uma parte pequena também quer fazer implante, mas acha caro, não tem dinheiro, e quer testar a prótese”, descreve o especialista. A instalação, incluindo a prótese, custa, em média, R$ 1.500.

Lado a lado com outros cinco profissionais, ele costuma receber cinco clientes por dia. O processo de instalação da prótese dura cerca de duas horas e envolve várias etapas. Primeiro, o cliente é avaliado e escolhe a prótese que mais se aproxima do que deseja; depois, a área que será coberta é totalmente raspada e recebe uma limpeza; a prótese é fixada com fita cirúrgica e pronto, é só cortar e pentear para fazer os ajustes finais. O cliente pode fazer tudo com ela na cabeça, segundo Eduardo, desde entrar na piscina a usar capacete de motociclista, e deve retirá-la a cada duas semanas para fazer a higienização da cabeça em casa ou no salão.

O empresário Frederico Martins, 29, começou a perceber a perda de cabelo durante a pandemia de Covid-19. Depois de descobrir que outro amigo empreendedor estava utilizando uma prótese, não hesitou em procurar o serviço. “No mundo masculino hétero, eu sofri preconceito, o pessoal me zoou, fez o famoso bullying [por utilizar prótese]. Mas eu não liguei. Na verdade, eu impulsionei outras pessoas a colocarem prótese. Puxei o bonde”, conta.

Antes do procedimento, o topo de sua cabeça estava praticamente “pelado”, mas ganhou um topete cheio com o acessório. “Eu sempre tive cabelo e gostei de cuidar dele desde novinho. Fiquei bem calvo na pandemia, mas dois anos em casa usando boné. Quando resolvi sair, me incomodou”. Confira a transformação de Frederico: 

Técnica de médico mineiro permite transplantar cabelo sem raspar a cabeça

As próteses capilares duram de seis a 12 meses, em geral, de acordo com o proprietário do Super Barba. Quem deseja uma solução mais permanente para a calvície precisa despender mais dinheiro. A média de preços no Brasil de um transplante capilar, de acordo com o diretor da Associação Brasileira de Cirurgia da Restauração Capilar (ABCRC), Alan Wells, varia entre R$ 30 mil e R$ 50 mil. “O mercado está em crescimento. O público é muito variado. É normal o homem a partir de 25 anos que tem calvície querer operar. É claro que existem pessoas que ficam muito bem sem cabelo, mas quem o perdeu e ficou triste com isso não tem mais receio de procurar o transplante hoje em dia”, detalha.

Para tornar o processo mais discreto, o cirurgião mineiro Marcelo Pitchon desenvolveu uma técnica nos anos 2000 que permite implantar sem raspar a cabeça. Batizada de Preview Long Hair, ela utiliza fios mais longos e o paciente sai do procedimento — que dura, em média, de quatro a seis horas — com a cabeça coberta. “No mercado, encontra-se cirurgia de R$ 8.000, mas esse não é o meu público”, pontua o médico.

Algumas doenças de pele que causam inflamação impedem ou dificultam realizar o implante. Mas, em geral, de acordo com o especialista, hoje ele é utilizado desde jovens adultos até idosos. “Tem uma geração mais antiga que já ficou calva e que só agora tomou conhecimento da possibilidade de reverter a severidade de uma calvície muito intensa. As pessoas se olham no espelho e por 30 anos se acostumam a ter uma imagem com cabelo, então a calvície muda muito a autoimagem. Ela olha para o espelho e não se enxerga como ela própria”, conclui.

Tônico desenvolvido na UFMG chega às farmácias após investimento de R$ 5 milhões

Tratamentos medicamentosos contra a calvície são mais uma alternativa. Com um século de fundação, o laboratório Osório de Moraes, sediado em Contagem, na Grande BH, investiu R$ 5 milhões no desenvolvimento do Endcalve, tônico que, de acordo com os desenvolvedores, impede a queda capilar e aumenta o volume dos fios. Ele foi pesquisado durante duas décadas e descoberto por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O Endcalve chegou às farmácias em abril deste ano e tem uma tiragem prevista de 60 mil frascos por mês. “O preço sugerido para as farmácias é R$ 143. O produto não é simples, a matéria-prima é importada e precisa de cuidados”, sublinha um dos sócios do laboratório, Antônio Carlos Vargas.

Na prateleira de farmácias e em barbearias, quem deseja engrossar os fios encontra canetas e cremes de minoxidil. A medicação surgiu nos anos 70 para tratar a pressão arterial, mas percebeu-se que ela também era capaz de adensar os fios. Hoje, é utilizada de forma off label — isto é, além do uso original — tanto em aplicação direta no couro cabeludo quanto na forma de comprimidos. Para o uso oral, é necessário ter receita médica.

Outro comprimido receitado por alguns dermatologistas é a finasterida. A substância reduz a ação de um hormônio associado à testosterona que agrava a calvície masculina. Por agir sobre os hormônios, uma fração pequena dos pacientes podem sentir redução da libido.

Por que a calvície afeta tanto a autoestima dos homens?

Todas as fontes consultadas pela reportagem, especialistas em diferentes tratamentos contra a calvície, concordam que recuperar o cabelo é questão de autoestima. Mas por que perdê-lo afeta tanto os homens?

O psicólogo João Gabriel Grabe lembra que a calvície sempre existiu, mas ganhou um novo peso em uma época de tanta exposição da imagem quanto a atual. “Podemos pensar o quão pouco a calvície era vista ou percebida, com uso de perucas, chapéus, bonés etc. Com o crescente uso da nossa imagem, principalmente pelas redes sociais, esse olhar masculino sobre o cabelo se intensifica, afetando principalmente a autoestima e a percepção sobre si em relação aos padrões de beleza e às comparações com o outro. Quando pensamos na masculinidade tóxica, o bullying (que também acontece entre os homens adultos) e as zoações afetam negativamente a autoestima do homem, podendo causar estresse psicológico, que consequentemente afetará o corpo com ansiedade, depressão etc.”, avalia.

Por outro lado, tratar a calvície e aparecer repentinamente com cabelo pode ser um tabu. “O tabu sobre as próteses está sendo quebrado não só por mim, mas por outros profissionais que vêm divulgando seu trabalho nas redes sociais. Hoje em dia, o público masculino registra o procedimento e sente orgulho de estar se cuidando”, pondera o fundador do Super Barba, Eduardo Oliveira. No Instagram do estúdio, dezenas de homens exibem o “antes e depois” de instalarem a prótese capilar.

O psicólogo João Gabriel Grabe destaca que mudar o que incomoda na aparência pode ser benéfico, contudo é necessário ter consciência do que motiva essa mudança. “Mudar o que nos incomoda é um processo importante. Fazer isso apenas para o outro pode trazer uma falsa sensação de bem-estar social, porém trazer uma angústia ou desconforto em relação a ser você mesmo, por não escolher aquilo que de fato se quer por medo de desagradar o outro”, finaliza.