A masculinidade é, conforme definição do dicionário, um substantivo que se refere a “qualidade de masculino ou másculo”. Embora o significado possa parecer simples de ser compreendido, muito daquilo acreditamos estar relacionado a esse conceito parte de uma construção social, que é composta por uma série de regras e comportamentos ditos masculinos. “Desde pequenos, os homens são ensinados a não demonstrar seus sentimentos, engolindo o choro, a tristeza, a angústia, a culpa, o medo e, também, sendo forçados a expor a raiva, a agressividade como uma forma de poder e dominância em relação ao outro”, observa o psicólogo clínico João Gabriel Grabe. 

Embora os ensinamentos sejam comuns – e perpetuados em frases como “homem não chora”, “isso não é coisa de homem” e “aja como um homem” –, muitos deles têm sido revistos e discutidos. Não por acaso, expressões como “masculinidade tóxica” acabam ganhando destaque e sendo usadas para definir o quão prejudicial certas construções sociais podem ser. 

Um desses prejuízos está relacionado à própria expectativa de vida de pessoas do gênero masculino. Segundo um estudo desenvolvido pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), publicado no final de 2019, os homens vivem 5,8 anos a menos que as mulheres nas Américas. A diminuição da longevidade está intimamente ligada aos comportamentos que estão associados às expectativas sociais do gênero masculino.

O estudo também destaca que um em cada cinco homens morre antes dos 50 anos, e muitas das causas de morte nas Américas, incluindo doenças cardíacas, violência e acidentes de trânsito, estão, conforme a organização, diretamente relacionadas a comportamentos machistas construídos e reforçados socialmente.

Os impactos do que é denominado como “masculinidade tóxica”, porém, não se restringem à saúde física. No Brasil, a taxa de suicídio entre os homens é quase quatro vezes maior que entre as mulheres, segundo dados do Ministério da Saúde. Entre eles, de cada 100 mil habitantes, 9,9 morrem dessa forma. Entre as mulheres, são 2,6 casos por 100 mil. Os dados são referentes ao ano de 2019 e integram o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil 2021-2030.

Segundo o psicólogo João Gabriel Grabe, a própria pressão para que os homens demonstrem a masculinidade – principalmente sendo fortes, imbatíveis, corajosos e frios – acaba gerando uma infinidade de consequências em relação ao próprio comportamento deles. “Isso acontece principalmente quando pensamos nas demonstrações e compreensões afetivas e dos sentimentos, tanto nas relações sociais quanto para o próprio indivíduo”, pontua.

A reprodução dos comportamentos impostos e ditos “masculinos” também tem impactos significativos ao longo da vida. “Os efeitos dessas atitudes vão aparecendo de diferentes formas e podem estar presentes em determinadas patologias, como na depressão, na ansiedade, na disfunção erétil, no isolamento social – ocasionado por conflitos nas relações amorosas ou de amizades”, explica o psicólogo.  

A mudança é possível 

Embora o cenário deixe evidente como a masculinidade tóxica ainda causa impactos profundos na sociedade, a mudança pode ser alcançada. É isso o que sublinha João Gabriel Grabe. “Por vivermos em um contexto muito machista, muitos comportamentos ainda são reforçados, mas é, sim, possível desaprender muitos desses conceitos que já não fazem tanto sentido para nós”, pontua ele, exemplificando, por exemplo, questões simples como a divisão das tarefas domésticas – que se tornam ainda mais importantes com o crescimento das mulheres no mercado de trabalho. 

João Gabriel aponta que algumas transformações já começaram a acontecer. “Hoje existem grupos de homens que se reúnem para discutir sobre os próprios comportamentos e com o desejo de mudar, mas ainda é necessário um longo caminho e uma longa reflexão. A masculinidade tóxica afeta toda uma rede de relações, não só amorosas, mas de amizades e profissionais também, por geralmente não aceitar nada que fuja do controle daquilo ou daquele que é ‘másculo’”, pontua. Ainda temos um longo caminho para desconstruir toda a lógica do machismo estrutural, mas temos dado passos importantes em relação a isso, seja em grupos, reflexões, leituras e nos processos terapêuticos”, conclui.