Reação

Fechamento do BDMG Cultural revolta setor da cultura, que marca protesto

Instituição é vista como estratégica e fundamental para a cultura mineira, sendo responsável por diversos editais e programas culturais no Estado

Por Alex Bessas
Publicado em 24 de abril de 2024 | 17:01
 
 
Fachada da Galeria de Arte BDMG Cultural Foto: Reprodução/Flickr BDMG Cultural | Élcio Paraíso/Bendita

Criado há 35 anos para fomentar, registrar e divulgar os processos culturais em Minas Gerais, o BDMG Cultural irá encerrar suas atividades, conforme informações de bastidores. A decisão do conselho do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) de fechar a entidade foi recebida com indignação por agentes culturais, pela classe artística e por funcionários e servidores da instituição. Em comum, todos dizem ter recebido a notícia com surpresa e se queixam da opacidade das informações.

Contra a medida, um protesto foi marcado para às 18h desta quinta-feira (25), em frente à Galeria de Arte BDMG Cultural, quando o espaço previa a abertura da mostra “Todas as coisas são infinitas coisas”, do artista visual Iago Marques.

Segundo uma nota não oficial divulgada à imprensa, o presidente da Fundação de Artes de Ouro Preto (FAOP), Jefferson da Fonseca Coutinho, será nomeado como novo presidente do BDMG Cultural. “Ele foi escolhido a partir de uma definição do Conselho de Administração do BDMG que entendeu que o instituto tem funções que competem com as executadas pela Secretaria de Estado de Cultura (Secult) e, portanto, escolheu ampliar o suporte do Banco à cultura no Estado por meio da FAOP. Na avaliação do Conselho de Administração do BDMG, o apoio cultural do banco terá um potencial de impacto na sociedade maior se estiver articulado com outras ações culturais desenvolvidas e acompanhadas pela Secult, do que atuando de forma difusa”, lê-se no documento.

“O clima, agora, é de uma decepção enorme. Esta é mais uma atitude contra a cultura do governo Zema. Mas a reação virá”, aponta o produtor cultural Pedro Alexandrino Martins, lembrando que, recentemente, a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais quase se viu desapropriada de sua própria sede, a Sala Minas Gerais, que seria entregue ao Serviço Social da Indústria (Sesi), braço social da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), por meio de um acordo firmado com a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), proprietária do espaço. Após grande comoção, contudo, a Fiemg anunciou, no dia 18 deste mês, ter desistido do acordo.

Martins conta que soube da notícia do encerramento das atividades do BDMG Cultural na manhã desta quarta-feira (24), por meio de conversas com pessoas do meio artístico, que integram dos fóruns de cultura. “É uma informação que nos pegou de surpresa. Nos parece que a votação (do conselho do BDMG pelo encerramento do braço cultural da entidade) aconteceu ontem (terça-feira, dia 23)”, expõe ele, que é enfático: “O BDMG Cultural é um dos maiores instrumentos de investimento em cultura do Estado de Minas Gerais. Diversos músicos e artistas visuais já passaram pelos programas e editais da instituição”.

O produtor cultural compara a atuação da entidade à de times de base no futebol. “Estamos falando de ações que contemplavam não apenas artistas de renome, mas também aqueles que estão no início de suas trajetórias artísticas, algo fundamental para o fomento da cultura mineira”, assinala. “Tudo, é bom lembrar, foi construído com muita luta e muita participação popular em outras gestões. A gente não entende o que está acontecendo. O sentimento é de indignação”, frisa, indagando o porquê de encerrar atividades que, ao longo do tempo, diz, se provaram bem-sucedidas.

‘Falta transparência’

“No mínimo, é preciso abrir algum diálogo, alguma transparência, porque até agora não fomos informados de nada. Não sabemos nem se os editais e programas anunciados neste ano serão cumpridos”, critica Pedro Alexandrino Martins. A falta de informações oficiais é alvo de reclamações de funcionários e servidores do BDMG Cultural. Em conversa com a reportagem, eles confirmam terem sido surpreendidos com a informação do encerramento das atividades do órgão, sem ter mais notícias sobre possíveis desdobramentos.

Um comunicado interno, obtido por O TEMPO, indica que o BDMG vai iniciar uma “transição para promover a dissolução do Instituto Cultural Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais - BDMG Cultural”.

Em reação ao anúncio do encerramento das atividades da entidade, Martins conta que a classe artística tem se organizado. “Estamos preparando um vídeo com contribuição de trabalhadores da cultura de diferentes áreas em defesa de uma reversão dessa decisão, tomada na calada da noite. Vamos criar um movimento nesse sentido”, frisa, indicando que um protesto em frente à Galeria de Arte BDMG Cultura, que integra o Circuito Liberdade, foi marcado para às 18h desta quinta.

“Ainda temos poucas informações para saber se podemos adotar alguma medida judicial, mas este é também um caminho que não descartamos”, explica. “A cultura mineira vem sofrendo sucessivos ataques. A sensação, hoje, é que precisamos lutar pela sobrevivência do incentivo cultural e fomento diante de uma série de iniciativas de desmonte do setor”, diz Martins.

“A atual gestão da Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais (Secult) é uma tragédia”, resume, citando críticas à condução da pasta em relação à Lei Paulo Gustavo (LPG) que ecoam apontamentos de membros da subcomissão do audiovisual da LPG, que, em janeiro, publicaram uma carta aberta endereçada à pasta, apontando diversos problemas na gestão da política de fomento. “Os problemas e erros na divulgação dos resultados preliminares são o cume do processo, por si só, problemático da gestão da LPG em Minas Gerais”, indicam os signatários do documento, avaliando que gestão estadual, sob a liderança de Leônidas Oliveira, secretário de Estado da Cultura e Turismo de Minas Gerais, foi falha em muitos aspectos, sendo “burocrática e excludente”, “executada com prazos irrazoáveis” e “sem cronograma de trabalho divulgado previamente”.

Incerteza 

Vale lembrar que, no dia 7 deste mês, foram encerradas as inscrições para dois editais de música instrumental, o 23º Prêmio BDMG Instrumental e o Prêmio Marco Antônio Araújo. O primeiro, lançado em 2001, visa valorizar a produção musical mineira, já tendo reconhecido mais de 100 artistas, voltado para compositores, arranjadores e instrumentistas do Estado. Já o último, criado em homenagem ao músico mineiro Marco Antônio Araújo (1949-1986), reconhece trabalhos de música instrumental lançados no ano anterior. 

Já no dia 14 deste mês, foram encerradas as inscrições no Prêmio Flávio Henrique, voltado para álbuns autorais de canção brasileira, que passava a incluir categorias para compositor e intérprete. Criada em 2018, a premiação era apresentada pelo BDMG como uma homenagem ao artista mineiro Flávio Henrique (1968-2018), “no intuito de preservar a sua inquietação artística e a sua dedicação à música”. 

Além disso, está programada, para às 19h desta quinta-feira (25), a abertura da exposição “Todas as coisas são infinitas coisas”, do artista visual Iago Marques, que marcaria a inauguração do Ciclo de Mostras 2024 na Galeria de Arte BDMG Cultural, que integra o Circuito Liberdade. A previsão é que mais três ocupações artísticas ocupassem o espaço ao longo do ano.

Sem que esclarecimentos tivessem sido feitos, a classe artística temia que os compromissos do BDMG Cultural com os artistas que se inscreveram nos três editais não fossem cumpridos. Também havia o temor se a programação será mantida e se a própria Galeria de Arte continuaria aberta, mesmo que sob a gestão de outra entidade.

Outro lado

A reportagem de O TEMPO solicitou posicionamentos da Secult, do BDMG Cultural e da FAOP sobre o tema. Entre outros tópicos, as entidades foram questionadas se a Galeria de Arte BDMG Cultural será fechada ou se seguirá aberta, mesmo que sob a batuta de outra entidade, se os editais e programas previstos para este ano serão realizados e se eles terão continuidade para além deste período.

Em resposta, o presidente da Fundação de Artes de Ouro Preto (Faop), Jefferson da Fonseca Coutinho, que deve ser empossado presidente da instituição neste momento de transição, garantiu que ações e programas antes encabeçados pelo BDMG Cultural serão continuados.

“Nós estamos chegando agora e, neste primeiro momento, vamos nos debruçar sobre todas as ações e programas, compreendendo-os melhor e trabalhando por sua continuidade”, argumenta Jefferson da Fonseca Coutinho. “O que nos faz aceitar com essa serenidade esse desafio é a garantia, por parte do Conselho do BDMG, da continuidade das ações e projetos. Portanto, a Secult recebe essa missão, de fato, com a compreensão que tem o dever de garantir a manutenção de todas as ações e programas antes encabeçados pelo BDMG Cultural”, sustenta Fonseca.