Entrevista

‘A felicidade não apenas pode como deve ser aprendida', diz Luiz Gaziri

Luiz Gaziri é consultor e autor de 'Escolhas Felizes', livro baseado em comprovações científicas

Seg, 08/04/19 - 03h00
“Os seres humanos têm uma tendência em se comparar com outros” | Foto: arquivo pessoal

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Consultor e autor do livro “Escolhas Felizes”, com lançamento previsto para este ano Professor na FAE Business School e na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)

Pensando no valor que carrega a concepção da felicidade, o autor, consultor e professor na FAE Business School e na PUC-PR investiu em uma matéria 100% baseada em comprovações científicas para um curso de pós-graduação: a ciência da felicidade.

A professora de psicologia da Universidade da Califórnia Sonja Lyubomirsky descobriu que as circunstâncias da vida exercem um impacto de 10% na felicidade, que outros 50% estão relacionados com a genética e que 40% se relacionam com atividades intencionais. Geralmente, como as pessoas agem no seu dia a dia?

A maioria das pessoas aposta todas as suas fichas nas circunstâncias da vida, aquelas que aumentam, no máximo, 10% de sua felicidade. Muitas pessoas acreditam que serão felizes somente quando acumularem uma quantidade enorme de dinheiro, quando ganharem salários maiores, quando dirigirem o carro da moda, quando tiverem o último modelo de iPhone, quando mudarem de bairro, emprego, cidade ou país. Mas o que os cientistas descobriram é que nós nos acostumamos facilmente com as circunstâncias da nossa vida.

Explique melhor.

Quando ganhamos mais dinheiro ou adquirimos qualquer bem material, por exemplo, nossa felicidade tem um aumento, mas logo nos acostumamos com aquele dinheiro ou bem material e, assim, nossa felicidade volta ao nível “normal”. Essa facilidade que o ser humano tem em se acostumar com as circunstâncias é conhecida como “adaptação hedônica”. O problema na vida das pessoas começa quando elas passam a valorizar excessivamente o dinheiro e os bens materiais, pois acreditam que são os únicos tipos de sucesso que existem.

Quais são os riscos?

Quando isso acontece, as pessoas passam a se adaptar cada vez mais rápido ao dinheiro e aos bens, entrando num ciclo chamado de “esteira hedônica”. Isso faz com que as pessoas se tornem eternas insatisfeitas, pois, independentemente do nível de riqueza e de suas posses, elas se acostumam e sempre querem mais. Esse mecanismo é similar ao mecanismo que vicia as pessoas em drogas e álcool, algo extremamente perigoso. Uma pesquisa dos cientistas Mike Norton e Grant Donnelly, de Harvard, analisou o nível de felicidade de 4.000 milionários e descobriu que apenas 13% deles são plenamente satisfeitos com suas vidas. Já os renomados cientistas Tim Kasser e Richard Ryan descobriram que as pessoas materialistas são as que mais sofrem de depressão e ansiedade e vivem uma vida guiada por aquilo que os outros esperam delas. Os seres humanos têm uma tendência em se comparar com os outros para entender o quão bem de vida estão, mas o problema é que nós sempre nos comparamos com quem tem mais do que a gente. Isto é o que faz até mesmo os milionários acreditarem que não são ricos o suficiente. Suas circunstâncias podem mudar, mas a sua felicidade continuará parada no mesmo lugar.

A felicidade pode ser aprendida?

Não só pode, mas deve. Durante as pesquisas que fiz para o meu novo livro, “Escolhas Felizes”, eu descobri que as pessoas têm uma tendência em tomar decisões contrárias à sua felicidade, apesar de a felicidade ser o objetivo principal. Na disciplina que elaborei para a FAE Business School, eu ensino quais são os fatores que verdadeiramente aumentam a nossa felicidade, para que eles parem de procurar nos lugares errados. Quando as pessoas deixam que novelas, filmes, coaches ou gurus os ensinem o que é felicidade, elas geralmente entram numa grande cilada. Precisamos cada vez mais da ciência, em qualquer área de nossas vidas, para tomarmos decisões mais acertadas e conquistarmos maior bem-estar.

Para algumas pessoas, o dinheiro sempre esteve associado à felicidade, principalmente diante de uma situação econômica difícil. Comente.

Não é porque mais dinheiro não compra mais felicidade que ele não é importante. Os cientistas ganhadores do Prêmio Nobel Daniel Kahneman e Angus Deaton, entre outros, descobriram que a felicidade só é possível se as pessoas tiverem suas condições básicas de abrigo, alimentação e vestuário atendidas. O que acontece no Brasil é que muitas pessoas, por terem perdido seus empregos, não têm mais essas necessidades atendidas ou as têm em risco. Isso é altamente prejudicial para a sociedade, já que a falta de dinheiro é a principal causa dos divórcios, pode arruinar os relacionamentos de amizade e familiares (relacionamentos são o principal previsor de felicidade), além de que o estresse relacionado à falta de dinheiro pode causar doença cardíaca, AVC, câncer, diabetes e outros males. Agora, o que os cientistas comprovaram é que, uma vez que nossas necessidades básicas estão atendidas, mais dinheiro não compra mais felicidade.

Precisamos de reconhecimento para sermos felizes?

Sim, mas não como as pessoas acreditam. Muitos estudos científicos comprovam que o verdadeiro poder do reconhecimento na nossa felicidade e motivação acontece quando somos nós que reconhecemos os outros. Quando fazemos de tudo para sermos reconhecidos pelos outros, nós colocamos a nossa felicidade no controle de outras pessoas, o que é altamente prejudicial. E muitas pessoas, hoje em dia, fazem qualquer coisa para conquistar reconhecimento externo (cirurgias plásticas, carros importados, roupas, bolsas e sapatos de grifes, além da ostentação nas redes sociais). O cientista Martin Seligman (Universidade da Pensilvânia) descobriu que uma das atividades que aumentam a nossa felicidade de forma extremamente significativa é prestar a nossa gratidão pessoalmente para alguém que nos ajudou durante a vida. Ser grato é uma forma de reconhecimento. Porém, para usarmos o reconhecimento de uma forma ainda mais poderosa, devemos ajudar aos outros, já que as pessoas precisam ser ajudadas para posteriormente terem a quem agradecer. Os cientistas Adam Grant da Wharton School e Francesca Gino de Harvard descobriram que ajudar aos outros gera mais felicidade e motivação do que ser ajudado.

É preciso repensar o nosso modo de nos imaginarmos satisfeitos?

Sem dúvidas. Muitas pessoas têm vidas espetaculares, pois não estão devendo para ninguém, ganham salários decentes, têm casa, roupas, comida, carro e entretenimento. Mesmo assim, muitas delas têm vergonha dessa vida, pois acreditam na mensagem que grande parte da mídia e da sociedade prega de que o único tipo de sucesso é o financeiro – e vivem constantemente infelizes. Temos que nos livrar desse modelo. A ciência comprova que podemos ter vidas de plena felicidade com dinheiro suficiente. Não existe vergonha em ter uma vida simples e honesta. A felicidade não está nas coisas que conseguimos contar facilmente, como dinheiro e bens, mas na qualidade dos relacionamentos, na quantidade de ajuda que prestamos aos outros e na quantidade de dinheiro que doamos para a caridade.

O que significa “felicidade”?

É a alegria que sentimos antes, durante e/ou depois de praticarmos certas atividades. Muitas das atividades que geram grande felicidade não parecem ser prazerosas no momento em que as praticamos, como, por exemplo, doar dinheiro para a caridade, mas elas capitalizam na nossa felicidade de longo prazo (chamada de “felicidade eudaimônica”). Dinheiro e bens materiais aumentam nossa felicidade de curto prazo (felicidade hedônica), mas essa não se sustenta por muito tempo.

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