Tecnologia

Adolescentes trocam a vida pelo smartphone

Geração ‘iGen’ está à beira de uma crise de saúde mental por causa do uso desenfreado do telefone celular

Dom, 03/09/17 - 03h00
Conflito. Melissa diz que chegou a se sentir culpada de cobrar limite da filha Beatriz com o celular, pois chega em casa e ainda trabalha online | Foto: ARQUIVO PESSOAL

O primeiro smartphone foi criado há mais de 20 anos, e, desde então, está cada vez mais presente na vida das pessoas. Porém, o uso em excesso desse aparelho tem se transformado em um problema de saúde física e mental, especialmente para os adolescentes.

Na semana passada, uma pesquisa da professora de psicologia Jean Twenge, da Universidade Estadual de San Diego, nos Estados Unidos, ganhou destaque em alguns meios de comunicação. Autora de mais de 140 publicações científicas e livros, nos últimos 25 anos ela estudou as diferenças entre gerações e, por volta de 2012, começou a reparar mudanças abruptas no comportamento e no estado emocional dos jovens.

Sua investigação mostrou que os “iGens” – como a autora vem chamando os nascidos entre 1995 e 2012 – possuem comportamentos completamente diferentes dos que os das gerações anteriores. O prognóstico revela toda uma geração que não sai com os amigos, não tem pressa para começar a dirigir, dorme menos, namora menos e faz menos sexo. Juntas, essas características descritas por Jean contribuem para que o telefone celular se torne um potencial catalisador dos casos de depressão e suicídio.

De acordo com o levantamento, os adolescentes que passam três horas por dia ou mais em dispositivos eletrônicos são 35% mais propensos a se suicidarem.

“Psicologicamente, são jovens mais vulneráveis do que os millenials (geração nascida entre o começo dos anos 1980 e o final dos anos 1990). Não é exagero descrever os iGens como estando no limite da pior crise de saúde mental em décadas, um processo de deterioração que remete ao smartphone”, escreveu Jean Twenge no trabalho.

Impactos. Outro reflexo da “smartphonemania” ocorre no sono dos jovens. Muitos deles, agarrados à telinha, agora dormem menos de sete horas por noite, sendo que os médicos recomendam nove horas de sono, pelo menos.

A educadora Melissa Machado, 42, reconhece que já teve dificuldade em monitorar a filha Beatriz,12, que acabou extrapolando a hora de dormir. “Já aconteceu de eu não verificar se ela estava conectada e, depois, ver que ela tinha ficado até meia-noite. Agora estou recolhendo o telefone”, diz.

Com tantos impactos, essa, que é a primeira geração a passar a adolescência inteira na era do smartphone, está lotando os consultórios médicos. A psicóloga clínica Débora Galvani diz que 80% das queixas recebidas atualmente têm alguma relação com uso dos smartphones. “Estou precisando fazer intervenções nas famílias para diminuir o tempo de uso dos aparelhos e estabelecer uma rotina de sono. Os próprios pais muitas vezes deixam os filhos mais soltos porque eles também estão viciados”, observa.

Melissa mesmo diz que já se culpou por isso. “Eu trabalho muito com a internet. Às vezes fico me sentindo mal porque, além de trabalhar fora, quando chego em casa eu ainda vou postar no meu blog (www.historiasdemaeeprofessora.com). Então, como vou cobrar dela esse controle se estou com telefone tempo todo”, questiona.

De acordo com a psicóloga, os problemas de comportamento costumam vir acompanhados de sintomas como cansaço, mau-humor, irritabilidade e desmotivação. “Quando vou fazer a anamnese, percebo que eles ficam muitas horas expostos a esse tipo de tecnologia”, diz. 

 

O que eles pensam

Um “iGen” se diferencia de gerações anteriores não só pela relação quase ‘umbilical’ com a tecnologia.

Eles se socializam de maneiras completamente novas, rejeitam os tabus sociais sagrados e querem coisas diferentes de suas vidas e carreiras. Eles estão obcecados com a segurança, concentrados na tolerância e não têm paciência para a desigualdade. 

 

Vício em ‘tecnologia vazia’ cria dificuldades no mundo concreto

O adolescente brasileiro é um dos mais conectados do mundo e passa mais tempo na internet do que a média global. Um estudo da empresa de pesquisa Amdocs, feito com adolescentes com idades entre 15 e 18 anos, mostrou que 68% deles se sentem ansiosos e solitários quando estão sem internet. Mais do que os 65% que se sentem assim quando estão longe da família.

O número de jovens deprimidos que aparecem nos consultórios atualmente é muito maior do que antes, segundo a especialista em psicopedagogia e neuroaprendizagem e membro da diretoria executiva da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) Irene Maluf.

De acordo com a pesquisa da professora de psicologia Jean Twence, da Universidade Estadual de San Diego, as garotas têm um maior número de sintomas de depressão do que os rapazes.

Já Irene Maluf compara a “tecnologia vazia” ao que os nutricionistas chamam de “calorias vazias”, e que nesse caso são alimentos que não fornecem nenhum nutriente. “Não é que os jovens estejam na internet aprendendo coisas ou criando coisas, mas estão apenas na internet para, muito estranhamente, estarem juntos de pessoas que às vezes moram do lado, em frente ou até na própria casa”, afirma.

Segundo Jean Twenge, os iGens possuem uma conta no Instagram antes de começar o ensino médio e não se lembram de um tempo antes da internet. Entre as redes sociais, o Instagram é apontado como uma das piores por causa das comparações, diz Irente Maluf. “É uma vida paralela que se cria, sendo que a vida real nunca chega aos pés. O jovem pensa que nunca vai ter aquele corpo, rosto...

Aquilo tudo é um flash, um momento, e a vida real é um filme com altos e baixos. E é essa insatisfação que provoca a depressão. Os adultos sabem lidar com isso, mas as crianças não têm maturidade. Cria-se uma dependência do mundo virtual em detrimento do concreto, da vida real. Com isso, tira-se deles a motivação. Sem isso, aparece a dificuldade de aprender, de mudar a realidade, que se torna cada vez mais chata, sem atrativos”, diz.

A pesquisa americana reconhece que “restringir a tecnologia pode ser uma demanda pouco realista para se impor a uma geração de crianças tão acostumada a ser conectada em todos os momentos”.

Ela dá a seguinte sugestão: “Se você quer dar algum conselho para um adolescente, é bom ser direto: deixe o smartphone de lado, desligue o laptop e faça alguma coisa que não envolva uma tela”.

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