“Está na hora de pensar em mim”, desabafou Babi Cruz, mulher do sambista Arlindo Cruz, em uma entrevista à jornalista de celebridades Fábia Oliveira, na qual assumiu, pela primeira vez, o namoro com o empresário André Caetano. Na sequência, inteirou que cantor e compositor – debilitado desde 2017, quando sobreviveu, mas com sequelas, a um acidente vascular cerebral (AVC) – segue sendo a prioridade da vida dela. “E, se eu vier a me relacionar com alguém, quem quer que seja, vai ter que ter o Arlindo como prioridade”, concluiu. Imediatamente e ao longo dos dias que sucederam à revelação, Babi foi alvo de uma enxurrada de críticas, sendo acusada de expor e, no limite, de trair o marido. 

Levou um tempo para que ela voltasse a falar do assunto. Quando o fez, se defendeu em um longo texto publicado em suas redes sociais. Nele, fez questão de frisar que não admite ser tratada como vilã, pois nunca desrespeitou ou constrangeu a imagem do marido, filhos, netos, amigos e fãs. Babi garantiu que há cinco anos tem se dedicado a cuidar da saúde de Arlindo, assim como sempre fez, e que, a partir do momento em que ficou claro que nunca mais teriam uma relação entre homem e mulher, já que a condição de Arlindo – que hoje apenas consegue esboçar reações – é irreversível, a possibilidade de ter outro relacionamento amoroso passou a ser cogitada. Ela ainda ressaltou que a demora em se pronunciar após toda a repercussão da história se deu pela saúde mental abalada após receber comentários que classificou como infames e odiosos, mas garantiu que segue firme cuidando do marido e, simultaneamente, adaptando o amor que sente por ele para que permaneçam juntos até o fim de suas vidas.

A história, para além de suas particularidades e de especulações sobre a vida íntima das pessoas envolvidas, suscita reflexões mais amplas, por exemplo, sobre como o adoecimento de uma das partes pode afetar aquela relação. Afinal, se problemas conjugais acontecem quando tudo parece em perfeitas condições de pressão e temperatura, estando o casal em estabilidade física e emocional, quando algo sai desse aparente controle, o relacionamento pode se estremecer. E, em muitos casos, ao contrário da postura de Babi, que segue tendo como prioridade o cuidar de Arlindo Cruz, o abandono pode se fazer uma realidade. Foi o que mostrou uma pesquisa feita pela CBN em 2019, indicando que mais de 70% das mulheres com câncer de mama afirmam ter sido deixadas por seus parceiros após a descoberta da doença.

Repercussões de ordem prática e emocional

Na avaliação da psicóloga Graziela Alves, as repercussões que a enfermidade de uma das partes produz nas dinâmicas conjugais e familiares são abrangentes. “Além de questões práticas, mexendo com as rotinas, com os papéis que cada um desempenha e gerando impactos financeiros, há também questões mais emocionais, porque a relação também é sobre as expectativas que nutrimos”, comenta. “Veja, quando a gente diz ‘sim’ para alguém, estamos dizendo ‘sim’ em um contexto, a partir do retrato que temos daquele momento. Naturalmente, mudanças vão acontecer, o tempo vai passar, nós vamos envelhecer… Tudo isso pode estar mais ou menos calculado, mas podem ocorrer também eventualidades outras que vão nos surpreender, que parecem estar fora do curso. Como a descoberta de uma doença, que pode trazer impactos, surpresa, frustração”, assinala.

Graziela acredita existir uma romantização cultural dos vínculos e papéis, fenômeno que ajuda a entender a razão de Babi e pessoas que passaram por situações como a vivida por ela serem sumaria e impiedosamente julgadas. “Também é flagrante nessa história uma certa inabilidade do exercício da empatia”, acrescenta, reconhecendo que a linha entre o ato de olhar para si, que é benéfico, e um gesto de egoísmo, que é maléfico, é tênue, o que contribui para uma atitude legítima ser interpretada como covarde. “Na verdade, a gente não é educado e estimulado tanto para desenvolver o autoconhecimento e autorresponsabilidade, entendendo que toda decisão vai trazer prós e contras. Por isso, normalmente, tendemos a agir em correspondência com as expectativas que as pessoas a nossa volta depositam em nós. Então, acredito que, para tomar uma decisão tão impopular, essa mulher ter vivido uma profunda jornada de autoconhecimento”, defende.

Questão de gênero

A psicóloga Graziela Alves ainda lembra que todo esse julgamento tem evidente recorte de gênero. “Há ainda, no século 21, uma lógica que impõem às mulheres o papel de servidão. Elas são educadas a se portarem como cuidadoras, como se esse papel fosse biologicamente próprio do gênero, o que não encontra respaldo nos fatos. Onde, na atualidade, está determinado que algo é próprio do homem ou da mulher nos afazeres domésticos e no cuidado com o outro?”, questiona. Para ela, o fato de mais de 70% das mulheres com neoplasia relatarem terem sido abandonadas por seus parceiros é sintomático dessa lógica patriarcal. “Com a parceira enferma, desaba, para esse homem, a ideia de que ele está para ser servido, uma vez que é ele quem passa a ter que servir e cuidar. Então, se quem estava para servir não está mais disponível, ele vai buscar em outra pessoa o cumprimento dessa demanda”, avalia.

Entendimento semelhante tem o psicólogo e sexólogo Rodrigo Torres. Também lembrando que o adoecimento, não só físico, tem potencial para gerar impactos diversos na vida de um casal, ele pondera que alguns diagnósticos estão cercados de estigmas, caso do câncer de mama. “Muitos homens interpretam essa doença como sinônimo de perda da sexualidade, o que não é verdade. Além disso, há o fato de esses homens terem educados para ter uma mulher em casa que vai servi-lo, que vai cuidar dele. Ele não está preparado para ser o agente de cuidado. Então, diante desse tipo de adversidade, é mais fácil para a ala masculina da sociedade optar pelo término e, no limite, pelo abandono. Para a ala feminina, por outro lado, essa decisão é mais difícil, sendo cercada de culpa e de julgamentos”, analisa.

Na opinião do psicólogo, a repercussão da decisão de Babi Cruz de começar um namoro, sem abdicar de cuidar do seu marido, seria menor e menos agressiva caso não se tratasse de uma mulher. “Se fosse um homem, creio a atitude seria mais naturalizada. Muitas pessoas iriam pensar: ‘É claro, a mulher não transa mais com ele’. Não tenho dúvida de que há uma questão de gênero em toda essa polêmica”, sustenta.