Para muita gente, o mês de dezembro, por reunir diversas festividades e tradicionais encontros de fim do ano, costuma ser comparado a uma grande sexta-feira. E, neste 2022, o fato da Copa do Mundo do Catar ser realizada justamente nesse período – em que não são poucos os convites para eventos, muitos dos quais regados a álcool – potencializou ainda mais esse implícito convite à bebedeira. Nesse contexto, é provável que a temida ressaca surja como uma das consequências mais óbvias e imediatas de tanto excesso.
Esse conjunto de sintomas físicos e mentais associados ao consumo de bebidas alcoólicas – normalmente em grandes quantidades, apesar de que, em pessoas mais sensíveis, pequenas doses de álcool já podem provocar mal-estar – é bem conhecido da maioria dos bebedores. Estamos falando, por exemplo, de dores de cabeça, náuseas, sensibilidade à luz, boca seca, tontura, vômito, cansaço, tremores, falta de apetite, sudorese, sonolência, ansiedade, irritabilidade e humor deprimido. Curiosamente, para algumas pessoas, apesar de todo desconforto físico e mental, a ressaca pode vir acompanhada de um surpreendente aumento do apetite sexual.
É o que acontece com o pedreiro Valdir Rodrigues, 60. “O corpo está destruído, mas a vontade aparece. E aparece rápido”, conta, assegurando que, nesses momentos, sente o desejo por sexo potencializado.
O fenômeno não é incomum. Basta buscar nas redes sociais e fóruns online pela combinação de termos “ressaca” e “tesão” para encontrar outros vários relatos de pessoas que também percebem um aumento do desejo sexual em um momento em que, teoricamente, gostariam apenas de repousar a fim de deixar o mal-estar passar. Algumas, aliás, chegam a reclamar desse insólito “blend”.
Evidentemente, não são todos os bebedores a conviver com esse tipo de, digamos, efeito adverso. O vendedor Carlo Alves, 30, por exemplo, prefere apenas descansar no dia seguinte à bebedeira. “E, de preferência, com o baldinho do lado para despejar tudo aquilo que consumimos na noite anterior”, relata, admitindo que, a depender da companhia, pode até fazer um esforço para despertar em si algum desejo sexual. A diarista Thaís Raquel, 32, joga no mesmo time. “Sem dúvida, o desejo vai ser maior quando a pessoa está em sã consciência e se sentindo bem fisicamente. Agora, se a pessoa já está naquele período pós-bebedeira, acho que já é um período para ela descansar, não dá para extravasar nessa fase”, opina.
E, de fato, durante a ressaca, a redução do apetite sexual é mais provável que o seu aumento. “Boa parte das pessoas nessa condição não vai nem pensar em transar, pois os sintomas físicos intensos fazem desaparecer esse tipo de desejo, de forma que o sujeito não vai ter nem energia, nem atenção, nem disposição para buscar por sexo”, estabelece o médico psiquiatra Bruno Brandão. “Mas, por outro lado, há também pessoas que relatam que, mesmo abatidos por uma crise pós-bebedeira, se sentem mais impelidas para o sexo. A gente não tem muitas pesquisas nesse sentido, mas podemos inferir algumas hipóteses”, indica o estudioso.
Compensação
Bruno Brandão lembra que o álcool ativa circuitos neuronais que estão associados ao prazer, que chamamos de “sistema de recompensa cerebral”. “Na ressaca, a pessoa começa a ter uma queda dessa atividade cerebral, o que pode gerar um desconforto, então o organismo, intuitivamente, busca por alternativas que também possam ativar o sistema de recompensas na tentativa de compensar essa perda de atividade. E o sexo pode ser uma das apostas do organismo para tal”, explica.
Avaliação semelhante fez a neurologista Nicole Prause, especializada em comportamento sexual humano e vício, em entrevista para a revista “Vice”. “Quando você está excitado, isso ativa muitos dos caminhos neurais de recompensa ativados por álcool e outras drogas. Não pensamos nisso, em si, como um vício, mas há o mesmo caminho neural de recompensa ativado quando você cheira cocaína ou come um pedaço de bolo por prazer. É uma recompensa que ativa a mesma área. Talvez o sexo seja uma tentativa de suavizar essa perda do efeito do álcool e das drogas. Seja em termos de humor e emoção ou em termos de uma atividade recompensadora”, sinaliza.
Vale lembrar que, de acordo com pesquisadores da Alcohol Hangover Research Group (AHRG), a ressaca surge exatamente quando a concentração de álcool no sangue se aproxima de zero, o que acontece, geralmente, entre seis e oito horas após a bebedeira.
Autorregulação
Outra tese para explicar o comportamento é citada por Bruno Brandão. Ele lembra que, na ressaca, costumamos ter alterações psicológicas, como o rebaixamento do humor, que vai deixar a pessoa triste, às vezes carente, emocionalmente vulnerável e ansiosa. “Nesse contexto, pode haver uma tentativa inconsciente de se usar o sexo para regular essas emoções. Ou seja, há uma tentativa de reparação, por meio do prazer sexual, de experiências desagradáveis como humor deprimido, ansiedade, insegurança, sentimento de vazio e tristeza”, pontua.
Nicole Prause concorda. “Todo mundo tem estratégias para manter suas emoções – suas ansiedades – sob controle. Pode ser sair para correr, ir ao cinema ou fazer jardinagem. Qualquer coisa. Muita gente acha que é errado fazer isso com sexo; que ver o sexo desse jeito é mal ajustado. Isso é loucura. Todo o objetivo do sexo – presumindo que você não está abordando isso do ângulo da procriação – é te fazer se sentir bem. Então é razoável que, se você está sofrendo de humor baixo como resultado de uma grande bebedeira na noite passada, você vai querer fazer algo para aliviar isso”, explica a neurologista na publicação “Why Do You Get Horny When You’re Hungover?”.
Como a ressaca age no corpo
Um artigo publicado pelo portal do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) detalha como o álcool age no organismo levando à ressaca. A causa dos sintomas desse fenômeno fisiológico, segundo o texto, é atribuída ao acetaldeído, principal produto da metabolização do álcool. “Como resultado, podem ocorrer diversas reações no corpo que vão compor o que se entende como ressaca”, tais como:
- A perda de líquido causada pela desidratação leva à perda de eletrólitos, provocando sede, sensação de boca seca e dores musculares;
- O álcool leva a um aumento da produção de suco gástrico, causando irritação gastrintestinal, dor abdominal, náusea e vômitos;
- Hipoglicemia induzida pelo álcool pode afetar o funcionamento cerebral, levando ao cansaço e mudanças de humor observados na ressaca;
- A ação do álcool no organismo provoca ainda alterações no padrão e na qualidade do sono, levando à fadiga e alterações no ritmo circadiano.
O Cisa também detalhou as principais consequências da ressaca. De acordo com a publicação, as memórias de curto e longo prazo, a velocidade psicomotora e a atenção sustentada ficam prejudicadas. Entre os sintomas mais debilitantes aparecem a fadiga, a sonolência, a dor de cabeça e os problemas de concentração. Indicam gravidade maior a náusea e as dores de cabeça.
Em curto prazo, os maiores prejuízos são os acidentes de trânsito e a baixa produtividade no ambiente de trabalho e de estudos. Em longo prazo pode haver alterações neurológicas, quando o consumo etílico ocorre na adolescência, e maiores chances de transtornos por uso de álcool.