Políticas Públicas

Como organizações da sociedade civil têm trabalhado nos bastidores do turismo

Associações como APPA - Arte e Cultura que completa 30 anos neste sábado (4), Instituto Periférico e Instituto Lumiar são algumas instituições que desenvolvem parceria com o poder público

Sáb, 04/02/23 - 10h52

Quando abre seus portões à visitação pública, o Palácio da Liberdade, hoje principal cartão-postal do Circuito Liberdade, mobiliza uma equipe de colaboradores para planejar, organizar e mediar — e até criar atividades culturais extras — o passeio. Dessa equipe multidisciplinar depende ainda a experiência, positiva ou negativa, que o visitante terá no equipamento. Espera-se, é claro, que seja, no mínimo, enriquecedora, agradável e proveitosa.

O Palácio da Liberdade está sob gestão da APPA — Arte e Cultura e tem programa regular e atividades extras

Quando participa de um evento maior e mais complexo, como a Virada Cultural, uma jornada de 24 horas ininterruptas de programação cultural que aconteceu em agosto no ano passado na capital mineira, essa mesma pessoa não tem ideia do número de profissionais por trás da programação e logística. Como público, o participante só espera se divertir, contar com infraestrutura, segurança e boas atrações para reverberar sua experiência.

Poucos desconfiam que por trás disso tudo estão parcerias sociais público-privadas. Elas ganharam nova dimensão a partir de 31 de julho de 2014, com a promulgação da Lei nº 13.019, ou  Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que permitiu ao Terceiro Setor (Organização da Sociedade Civil/OS/OSC e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público/Oscip) gerir serviços não-exclusivos do Estado, como educação, saúde, cultura, turismo etc.

30 anos de atuação

Ao lado da regulação das OS e Oscip que já existia, a nova lei estabelecia um regime jurídico no plano federal e estadual para essas parcerias, criando inclusive procedimentos de seleção para as escolhas das entidades. No caso da APPA — Arte e Cultura, que comemora neste sábado (4) 30 anos de atividade no setor cultural, qualificada como organização Social, sua atuação é no âmbito da cultura e patrimônio, áreas em que comprovadamente tem qualificação.

Hoje, a APPA atua como co-gestora e desenvolve a programação da Fazenda Boa Esperança, em Belo Vale, em parceria com o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG), e dos Palácios da Liberdade e das Artes, em parceria com a Fundação Clóvis Salgado.  "É um trabalho de bastidores de grande importância a manutenção das atividades desses equipamentos, no atendimento ao público, na construção de cidadania e na amplificação de valores como humanismo, pertencimento e civismo", enfatiza Xavier Vieira, presidente da APPA.

Para se entender a magnitude dessa atuação, só no ano passado a entidade organizou mais de 3.600 entregas, uma média de dez por dia, no Palácio das Artes. "Também captamos R$ 24 milhões de reais em recursos, 38% acima da meta, que era de R$ 18 milhões", destaca Xavier. Tudo é envolto de contratos rígidos com entregas, metas e auditorias trimestrais realizadas por parceiros públicos e organizações externas independentes, com monitoramento constante de um setor de compliance. O contrato, informa o executivo, não envolve pagamento de funcionários públicos, estrutura física e a definição de curadoria e da política cultural, que seguem como atribuições do parceiro público.

Xavier Vieira entende que só foi possível consolidar a APPA em um novo patamar a partir da lei de 2014, que abriu um novo leque para as organizações sociais sem fins lucrativos, e também, no âmbito do Estado de Minas Gerais, a partir de 2018, com a inclusão dos normativos que regulam a operação das organizações sociais. "O poder público dá uma chancela — os títulos de OSCIP e OS — para que essas organizações possam estabelecer alguma colaboração com a administração pública", explica Florivaldo Dutra de Araújo, professor de direito administrativo do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da UFMG.

Gestão de patrimônio

Essa parceria pode representar inclusive economia de recursos, já que não há obrigatoriedade da verba originar apenas do poder público, há possibilidade de captação direta com a iniciativa privada. É o que fez hoje a APPA com sua parceria mais ousada: a restauração e requalificação da Fortaleza de São José de Macapá, projeto em parceria com o governo do Amapá, com boa parte dos recursos, cerca de R$ 32 milhões, captados junto ao BNDES. A Fortaleza de São José é candidata a Patrimônio da Humanidade pela Unesco e terá enorme importância na qualificação do trade turístico do Estado e da região norte do país.

A Fortaleza de São José de Macapá, candidata a Patrimônio da Humanidade pela Unesco, será toda restaurada e requalificada

A APPA ainda realiza ações de programação, restauro, educação patrimonial junto ao Centro de Memória da AngloGold Ashanti, que funciona da Casa dos Ingleses, em Nova Lima. O espaço foi todo requalificado, com conteúdos modernos que proporcionam uma experiência imersiva e educativa ao visitante. Em 2023, a organização realizará também o restauro do aqueduto Bicame, principal símbolo da cidade de Nova Lima, com investimento da empresa.

Será também de responsabilidade da APPA desenvolver o trabalho de recuperação do prédio verde da Praça da Liberdade, onde está a sede do Iepha-MG, para a instalação da Pinacoteca Cemig Minas Gerais, e do Centro do Patrimônio Cultural Cemig, lançado em junho do ano passado pelo governo do Estado. Neste mês, a entidade iniciará a preparação para as obras de requalificação de dois andares da edificação, na fase inicial do projeto.

Hoje, o trabalho das OS estão solidificados em quatro pilares — idoneidade, publicidade, transparência e agilidade. "A gestão é muito transparente. Apenas no contrato com o Palácio das Artes, são quatro auditorias por ano", informa Xavier. O contrato ainda estabelece metas trimestrais, entre elas temporadas de óperas, concertos da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, festivais de cinema, cursos de formação artística,  espetáculos da Cia. de Dança, tudo com execução partilhada, planejamento e definição de recursos.

Virada com turistas

Outra OSC, o Instituto Periférico, é responsável pela Virada Cultural. No chamamento público, as OSCs apresentam propostas à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), constando projeção orçamentária, eixos de trabalho e estrutura do evento, com premissas e metas. A PBH então escolhe a melhor proposta como em uma licitação simples. Ao escolher o Periférico, ela participa do planejamento e deixa a cargo da OSC toda a estrutura operacional administrativa e financeira, como serviços de curadoria da programação e negociação com artistas.

Virada Cultural de BH

"É como se fosse uma realização a quatro mãos", pontua Gabriela Santoro, diretora do Instituto Periférico. A última Virada Cultural, por exemplo, envolveu cerca de 2.000 artistas e mais de 2.000 colaboradores diretos e indiretos, gerando ainda emprego e renda. Foram, segundo Gabriela, mais de 130 atrações contratadas e editais com parceiros nacionais e internacionais. "A verba também não é só da PBH, mas de outros parceiros privados". enfatiza.

No caso do Instituto Periférico, a atuação está voltada ao empreendedorismo social criativo nas áreas de cultura, educação e tecnologia. Entre outras parcerias recentes da OSC estão a criação do Museu da Cozinha Mineira, lançado no ano passado em Santa Luzia, em parceria com o governo de Minas, e a abertura do Centro da Memória do Trabalhador e da Indústria de Contagem. "O leque de atividades é muito diverso por meio do MROSC", salienta Gabriela. Especificamente no turismo, há interlocução com a gastronomia e festivais.

80 Anos do Conjunto da Pampulha

Foi também um chamamento público da Fundação Municipal de Cultura (FMC) que selecionou o Instituto Lumiar para gestão de três equipamentos culturais na Pampulha, o Museu de Arte, o Museu Casa Kubitschek e a Casa do Baile — Centro de Referência de Arquitetura, Urbanismo e Design. Ao propor o projeto Museus Pampulha, a OSC não apenas faz a gestão e programação dos museus, mas terá outra missão importante pela frente.

Casa do Baile, um dos equipamentos culturais do Complexo Moderno da Pampulha, terá programação de 80 anos

A Lumiar ficará ainda responsável pelas atividades de 80 anos do Conjunto Moderno da Pampulha. Em 16 de maio de 1943, com a presença do então presidente Getúlio Vargas e do prefeito Juscelino Kubitschek, foi inaugurada uma das mais importantes obras do modernismo brasileiro. Para as comemorações, entre maio e junho deste ano, estão previstas exposições na Casa do Baile e um seminário que discutirá a relevância da Pampulha para a cidade.

Para Richard Santana, coordenador do projeto, o ponto fundamental do MROSC é permitir que a sociedade civil participe ativamente da gestão do orçamento público para realizar atividades para a própria cidade. "É a modernização da gestão pública, a horizontalidade das decisões. Tudo é discutido e decidido por uma comissão formada por quatro representantes da FMC e quatro da OSC: promoção, participantes, orçamento e programação", explica.

Outra vantagem da parceria público-privada, segundo ele, é a flexibilização do orçamento. Para o projeto Museus Pampulha. Foram disponibilizados cerca de R$ 1,4 milhão, mas nada impede que, no decorrer do processo, sejam alocados novos recursos por parte da FMC e propostas novas ações. Além disso, o Instituto Lumiar, a exemplo da APPA Arte e Cultura e do Instituto Periférico, pode captar patrocínios por meio das leis de incentivo estadual e federal.

De acordo com o volume de recursos e complexidade envolvida, o MROSC pode ser extremamente rígido, obrigando o cumprimento de etapas e prestação de contas. "Apresentamos relatórios mensalmente e somos fiscalizados tanto a execução quanto os gastos", salienta Santana, que também já utilizou da nova lei na realização do último Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ 2022). "Além de ser uma grande geradora de empregos, todas as atividades do projeto são gratuitas para a população", destacou.

Duelo no Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), evento que mobiliza muitos participantes e colaboradores

Sucesso comprovado

Do ponto de vista da gestão pública, a parceria é exaltada pela secretária Municipal de Cultura, Eliane Parreiras. Por sinal, a prefeitura tem trabalhado no âmbito do MROSC em projetos continuados, como o citado Museus Pampulha e Territórios Criativos, e também em festivais de grande porte, como FIQ, Festival de Arte Negra (FAN), Festival Internacional de Teatro, Palco e Rua (FIT), Virada Cultural e Circuito Municipal de Cultura.

São nas áreas de cultura e turismo, considera Eliane, que a parceria público-privada demonstra mais poder de realização. "Se por um lado, essas organizações sociais trazem uma contribuição da sociedade civil para o desenvolvimento de políticas públicas, por outro têm uma capacidade de gestão interessante, complementar à do poder público, principalmente em termos de competências, novas tecnologias e produção", ressalta.

Quem também comprova o sucesso das parcerias é a Fundação Dom Cabral, através de seu Programa de Gestão para Organizações Sociais (Pilaris). Só ano passado, a entidade capacitou 101 organizações sociais, impactando 1.200 pessoas em todo o país. “Nós acreditamos que as ações sociais têm amplo potencial para acelerar o desenvolvimento da sociedade brasileira e por isso priorizamos projetos que gerem impacto em nossos três segmentos de atuação”, afirma Ana Carolina Almeida, coordenadora da área social da instituição.

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