O isolamento social, o futuro incerto e o medo de contaminação podem ser, para algumas pessoas, o estopim para desencadear uma crise de ansiedade. Esses elementos contribuem para o adoecimento psíquico e preocupam especialistas da área de saúde mental. É o que aponta uma pesquisa realizada pelo professor Alberto Filgueiras, do Instituto de Psicologia da Universidade do Rio de Janeiro. De acordo com o estudo, que entrevistou 1.460 pessoas em 23 Estados do Brasil em março e abril, as ocorrências de ansiedade e estresse aumentaram 80% entre os entrevistados nesse período.
 
“A primeira coisa que a gente percebe nitidamente nos dados que coletamos foi que, de um modo geral, houve uma piora na saúde mental das pessoas. Existem certos elementos que estão apontando para um possível adoecimento diante da situação de pandemia”, explica o psicólogo. A pesquisa foi feita em parceria com o Dr. Matthew Stults-Kolehmainen, do Yale New Haven Hospital, nos Estados Unidos. Os dados foram coletados de 20 a 25 de março e de 15 a 20 de abril. Outra série de entrevistas foi feita para verificar o impacto das medidas restritivas no aspecto psicológico das pessoas em maio e junho.
 
Os pesquisadores detectaram que, da primeira para a segunda semana de entrevistas, o número de voluntários que apresentaram ansiedade aguda subiu de 8,7% para 14,9%. E, no caso de sintomas relacionados à depressão, o crescimento foi de 4,2% para 8%.
 
Cuidados necessários
Manter a saúde mental em equilíbrio é um desafio em meio às medidas restritivas impostas para a contenção da pandemia. Pensando nisso, o estudo também buscou levantar atitudes que podem ser adotadas para reduzir os impactos psicológicos do atual período de crise.
 
O acompanhamento psicoterapêutico, a alimentação saudável e a prática de exercícios físicos formam a tríade capaz de dar esse bem-estar à mente, segundo a pesquisa. “O mais importante talvez seja a consulta a psicólogos por via virtual. Esse atendimento é preventivo, e a gente tem evidências sólidas nesse sentido. Várias associações estão fazendo esse trabalho voluntário, gratuitamente, e é importante procurar esse tipo de acompanhamento. O segundo aspecto é a prática regular de exercícios, entre três e cinco dias da semana, de intensidade leve a moderada. A alimentação saudável baseada em fibras e proteínas também é bastante significativa, pelo que a gente encontrou”, relata Alberto.
 
Entre o alerta e o excesso
Para preservar a saúde mental, muitos tentam se blindar do noticiário relacionado à pandemia, mas esse privilégio não faz parte da vida da radialista alagoana Maria Vitória Cavalcante, 45. A ansiedade que a acompanhava desde antes da pandemia se agravou no período de isolamento social, e a locutora foi diagnosticada com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). “Sempre fui uma pessoa muito ansiosa, não sei se por causa do meu signo ou da minha personalidade. Até então, não tomava medicamento. Mas confesso que, após a pandemia, desenvolvi TAG. Passei a ter crises que me levaram ao hospital com o coração acelerado. Acordava no meio da madrugada”, lamenta.
 
A ansiedade é o ponto de encontro entre a vida pessoal e profissional da psicóloga Nathássia Almeida, 23, de Belo Horizonte. “Mudança de rotina, diminuição de momentos de lazer, convivência integral e por vezes conflitiva com familiares, exposição e ausência de controle em situações de risco à saúde e à vida, instabilidade financeira e/ou profissional, entre outros aspectos têm sido exemplos frequentes na clínica”, relata. Mas o assunto não fica restrito ao seu local de trabalho, e a própria Nathássia sente os efeitos da pandemia em sua saúde mental. “Eu não abro mão do meu processo pessoal, pois os ganhos são reais e visíveis. Percebo que há um desconhecimento e ao mesmo tempo curiosidade sobre o que é ou o que se faz na psicoterapia. Em linhas gerais, o processo visa abrir caminhos, desde a busca de alternativas para resolução de conflitos, autoconhecimento e descobertas”, explica.
 
O caso de Maria e Nathássia pode ser considerado um exemplo de excesso de ansiedade. Esse sentimento, muitas vezes visto como vilão, é natural, desde que esteja presente dentro de certo limite. “Ansiedade é um mecanismo do nosso cérebro que serve para nos alertar em situações adversas, desconhecidas e inesperadas. A ansiedade pode ser normal e é considerada uma doença somente quando os sentimentos se tornam excessivos, obsessivos e interferirem na vida cotidiana”, explica a psiquiatra Jaqueline Bifano. 
 
A especialista ressalta ainda que o isolamento social durante a pandemia traz elementos que podem desencadear patologias relacionadas à ansiedade. “A pandemia pode agravar esse transtorno devido às preocupações que surgem com o amanhã (escola, emprego, relacionamentos etc.) e as consequências. Não sabemos quando vai acabar e não temos o controle da situação”, analisa.
 
Além de manter hábitos de vida saudáveis e reservar um tempo para o lazer, a psiquiatra aponta outras formas de controlar a saúde mental. “Evitar fazer compras desnecessárias e dívidas. E preencher o dia de atividades para não deixar que os pensamentos negativos se instalem e ruminem a ponto de atrapalhar o cotidiano”, recomenda.