A cena é comum em filmes norte-americanos: enquanto caminha pela cidade, o personagem bebe de uma garrafa oculta em um saco de papel. É que, nos Estados Unidos, muitas cidades proíbem que se beba nas ruas. Um cenário parecido pode se estabelecer no Brasil: no início deste mês, o deputado federal Roberto Alves de Lucena (Podemos-SP) apresentou um projeto de lei para proibir o consumo de álcool em espaços públicos – a regra só não seria aplicada a eventos públicos previamente autorizados. A justificativa cita associação da bebida a doenças e à violência. O deputado disse acreditar que a lei possa surtir efeitos positivos sobre a criminalidade. Ele é abstêmio e pastor evangélico, mas diz que isso não interfere na proposta.

É um ponto em comum com projetos similares em municípios brasileiros, especialmente no Paraná, onde grandes cidades, como Londrina, adotam medidas do tipo – a capital Curitiba discute restrições. Diadema, na Grande São Paulo, é um caso emblemático: em 2002, proibiu o funcionamento de bares após as 23h e restringiu a venda de bebidas alcoólicas em postos e outros estabelecimentos. Segundo o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas de Álcool e outras Drogas, feito após dois anos de vigência da lei, a cidade teve redução média de 11 homicídios por mês. Nos últimos anos, porém, os assassinatos voltaram a crescer no município.

Ainda que não exista consenso sobre a efetividade de medidas como essa na redução da criminalidade, estudos mostram uma relação entre álcool e violência urbana. Relatório do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) de 2019 indica que 18% das agressões interpessoais no Brasil são causadas pelo consumo de álcool – quase uma em cada cinco brigas é motivada pela bebida. Em 2017, foram mais de 12 mil internações devido a agressões decorrentes de abuso de álcool no Brasil.

Estudo do pesquisador da Unifesp Ronaldo Laranjeira, da Unifesp aponta que pessoas com transtorno de abuso de álcool têm chance quase duas vezes maior de sofrer violência urbana no Brasil: enquanto 9,3% da população em geral sofreu agressões, 18,1% das pessoas alcoolizadas passaram pela situação.

O ferroviário aposentado Moreira (nome fictício), 65, não bebe há 19 anos, mas relembra episódios de violência na rua nos tempos em que abusava da bebida. Ele conta que saía do bairro Horto, na região Leste da cidade, e ia até o centro quando os bares locais fechavam tarde da noite. “Já me chutaram, deram golpe de gravata para assaltar. E, por várias vezes, estava esperando ônibus para voltar para casa e fui assaltado”.

“Sabemos o que funciona para reduzir a violência relacionada ao álcool”, diz Katherine Karriker-Jaffe, pesquisadora do Grupo de Estudos do Álcool, nos EUA. Ela lembra que a Organização Mundial da Saúde (OMS) defende aumentar os impostos sobre os produtos, diminuir a concentração de bares e regular a publicidade sobre bebidas.

Não há consenso sobre restrições

“Alcoolizada, a pessoa se expõe a toda sorte de conflitos”, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad). Ele é a favor de mais leis para coibir o uso de bebidas alcoólicas, especialmente municipais.

Aloísio Andrade, psiquiatra e presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas de Minas Gerais (Conead), órgão vinculado ao governo do Estado, concorda: “Não é caretice ou postura de direita inibir essa coisa de sentar no passeio bebendo, por exemplo”.

Para Rodrigo Kanayama, professor de direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no entanto, não é tão simples assim. Ele acredita que ações do tipo ferem a individualidade do cidadão.

“O Estado pode dizer que faz mal para a saúde, proibir direção alcoolizada e venda para menores. Mas proibir consumo na rua me parece um argumento de cunho moral”, diz.

Prevenção

A psicóloga Luciane Raupp, presidente da Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas, também acredita que proibir não é a solução para reduzir os danos do álcool.

“O melhor caminho é a prevenção e, sobretudo, a educação sobre o uso, seja de álcool ou de outras substâncias. O mais interessante seria haver um debate em sociedade e escolas com programa de promoção da saúde”, sugere.

Em Minas Gerais, projeto visa proibir festas open bar

Em Minas Gerais, não existe proposta de coibir o consumo de álcool nas vias públicas, segundo a Câmara Municipal de Belo Horizonte e a Assembleia Legislativa do Estado (ALMG). Pelo menos dois projetos para normatizar a venda e o uso de álcool tramitam, no entanto na ALMG.

Um projeto de 2015 do deputado Roberto Andrade (PTN) sugere a proibição das festas open bar. Ele está em consulta no site da Assembleia e, até o fechamento desta edição, contava com 13 votos a favor e 239 contra.

Outro projeto, este do deputado Carlos Pimenta (PDT), propõe anexar avisos sobre os usos nocivos do álcool nos estabelecimentos de venda.