Assistir ao “Big Brother Brasil”, da TV Globo, é um convite para saborear com os olhos uma salada de frutas arquitetônica e paisagística — além, obviamente, de acompanhar de perto a vida dos confinados. Para cada canto em que se põe o olhar, há uma variedade sem-fim de cores vibrantes e texturas contrastantes.

Na edição de 2024, valorizou-se uma decoração medieval e de contos de fadas, com excesso de objetos decorativos que vão desde um relógio descompassado até gnomos e fadas, dispostos em um cenário que mistura fantasia e realidade. A cereja do bolo é a passagem para o quarto do líder, feita de portas tortas e linhas geométricas assimétricas. Dentro da acomodação, ainda há revestimento nas paredes e no chão em preto e branco feito para provocar ilusão de ótica. “A decoração do quarto do líder me deu labirintite”, brincou uma internauta no X, antigo Twitter.

Se para quem acompanha de longe, a decoração do BBB pode ativar diferentes estímulos, para quem a vivencia 24 horas por dia, ela pode ser sentida de maneira ainda mais contundente. “Nada é por acaso na decoração do BBB 24”, adianta a designer de interiores e de produto da bossaCASAnova, Polyana Cartolando Chaim.

“A maneira como as cores estão dispostas influenciam e provocam sensações referentes à percepção de cada indivíduo em relação a cada ambiente”, analisa a profissional.

De fato, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem de O TEMPO, cada pedacinho da casa é pensado para influenciar no jogo dos confinados. Há uma intenção clara por trás do excesso de cores e de elementos, da falta de privacidade e até do estímulo à bagunça, uma vez que o tamanho das cômodas é desproporcional em relação à quantidade de roupas levadas pelos confinados. “O BBB é um jogo psicológico, e a estratégia de eliminação é o desequilíbrio; tudo é pensado para isso”, pondera o arquiteto Hugo Sasdelli, diretor do escritório que leva o mesmo nome.

Na visão dele, a estrutura arquitetônica da mansão foi criada para que os participantes não reconheçam nela o “senso de percepção comum de uma casa.” “Banheiro, sala, cozinha e quartos transportam para um universo lúdico, que, em poucos dias, podem trazer algum tipo de estresse. Nem mesmo o jardim possui nenhum elemento natural, é tudo cenográfico e artificial, e nada conecta com mundo de fora. Os ambientes não são criados apenas para serem interessantes para as filmagens: ali claramente existe um grande trabalho de uma arquitetura de interiores sensorial. Tudo tem um porquê, e tudo vai despertar diferentes sensações, inclusive de mal-estar”, analisa Sasdelli.

A falta de harmonia entre os ambientes também é feita propositadamente, na avaliação do arquiteto. Há dois quartos com decoração de floresta encantada, um com tons de verde e outro, rosa; a cozinha do grupo VIP tem elementos modernos, enquanto a Xepa possui uma pegada rústica, meio medieval. Já o ambiente externo é carregado de papéis de parede coloridos e lúdicos, que beiram o infantil. “Os quartos têm excessos, enquanto a sala de estar tem menos estímulos, pois ali é onde os participantes têm que se concentrar para votos e conversar com o Tadeu, é um ambiente de decisões importantes. Já a Xepa traz uma decoração rústica com elementos que despertam sentimentos de simplicidade e é o contraponto com os elementos mais modernos da cozinha Vip. Isso com certeza para despertar frustração, privação e assim rivalidades e vontade de competir”, aponta o especialista.

Ambiente pode potencializar transtornos psicológicos

Professora do mestrado profissional e da graduação em psicologia na Univali, a psicóloga Roberta Borghetti Alves indica que o confinamento por si só pode provocar mal-estar nos participantes. “Os estudos mostram que, a partir do 10º dia de confinamento, pode aumentar a ansiedade, a inquietação e o estresse para pessoas que estejam mais vulneráveis a ter um esgotamento mental”, discorre. Somado a isso, os aspectos ambientais, como decoração e arquitetura, aumentam essa sensação.

“Pensando nisso, as cores mais vívidas acabam contribuindo para uma diversidade de elementos que aumentam os estímulos. De fato, a decoração do BBB é planejada justamente para aumentar a vulnerabilidade emocional dos participantes, porque assim eles acabam agindo de forma impulsiva, e isso gera mais audiência”, afirma.

Além disso, na avaliação dela, os ambientes são planejados de modo que haja redução da qualidade do sono e da alimentação, como a dos participantes que são obrigados a ficar na Xepa. “Esses fatores potencializam a vulnerabilidade emocional. Não podemos dizer que somente a variável ambiental é responsável por causar um transtorno mental, mas ela contribuiu para um sofrimento psicológico, por mais que não seja a única causa”, considera. 

Psicóloga junguiana, Jaqueline Luzia Nunes Gomes concorda com a colega. “A saúde mental fica completamente comprometida com a exposição recorrente aos estímulos de estresse, pois a mente não tem tempo hábil e espaço físico apropriado para facilitar a reestruturação. Quando a desordem individual se conecta com a desordem externa do cenário, a mente entra em sofrimento”, defende. “Uma das sensações mais complexas que um indivíduo experimenta ao longo da vida são a impotência e o desamparo. Na casa do BBB, com todas os estímulos que o próprio jogo convoca, a sensação de risco e alerta tendem a operar frequentemente, fazendo um complemento intencional de pouco acolhimento. Portanto, ao longo da exposição, sintomas da vulnerabilidade humana ficam mais aparentes, tais como medo, ansiedade, raiva, e sensação de solidão”, reflete a psicóloga. 

Alívio arquitetônico 

Pelo menos em comparação com a edição anterior, a psicóloga Roberta Borghetti enxerga um avanço em relação ao paisagismo, mesmo que seja artificial. “Se compararmos a edição do BBB 23 com a atual, foi acrescentado elementos verdes, ligados à natureza e ao arborismo, que contribuem para redução do estresse e a sensação de bem-estar”, reflete a profissional. 

Por outro lado, em relação à arquitetura, Hugo não enxerga na casa estilo que sirva de inspiração para quem assiste ao programa. “É como viver dentro de uma decoração de festa, de um parque temático ou de um desenho animado”, examina. Mas tem um objeto que chama a atenção do arquiteto. Trata-se da luminária Zette’z 5, do designer alemão Ingo Maurer. Localizada no centro da sala, a peça, de R$ 16.280, é feita com 80 folhas de papel japonês impressas e em branco. “É uma peça belíssima e importante para o mundo do design”, justifica.