Neurocirurgião

Desequilíbrio na dopamina explica tanto sofrimento com a dependência emocional

É uma espécie de compulsão afetiva que pode ocorrer em qualquer tipo de relacionamento

Dom, 27/05/18 - 03h00

Uma crise de dependência emocional consiste em um processo complexo – no sentido neural e químico – no cérebro do indivíduo, afirma o neurocirurgião Bernardo de Mônaco, médico assistente da Divisão de Neurocirurgia Funcional do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Mônaco aponta os motivos. “Estão envolvidos diversos circuitos cerebrais interligados e mediados por alguns neurotransmissores, principalmente a dopamina”, afirma ele. 

O médico explica que, durante um episódio de dependência emocional, acontece um desequilíbrio na produção do neurotransmissor dopamina (ligada à sensação de prazer), que influencia diretamente o funcionamento do chamado “circuito de recompensa”. “Esse circuito, também chamado de mesocorticolímbico, é formado por um pequeno grupo de regiões cerebrais nas quais são produzidos os maiores níveis de dopamina. No desequilíbrio, ele recebe estímulos em excesso, seja por uma ideia ou uma emoção”, afirma.

Por isso, diz Mônaco, acontece a associação de atividades relacionadas com a própria sobrevivência a situações prazerosas, de uma forma adaptativa, bem como por meio de estímulos prejudiciais. “Essa instabilidade faz com que o gatilho ligado à compulsão provoque uma demanda alta de atividade no núcleo accumbens (chamado de “centro do prazer”). Nesse mesmo processo, a amígdala cerebral – que é responsável pela resposta emocional aos eventos e pela modulação da resposta cerebral a um evento que gera satisfação – também é atingida”, esclarece. 
O neurocirurgião prossegue. “A amígdala se comunica então com o hipocampo, situado na região do córtex pré-frontal e responsável pelo controle e planejamento das ações do cérebro. Essa comunicação atinge a regulagem da atividade emocional e cognitiva por meio do córtex órbitofrontal, que controla os impulsos e tomadas de decisão”, diz. 

O resultado, segundo o médico, é que o desequilíbrio neural acaba sendo algo crônico, já que, cada vez mais, o estímulo emocional precisa ser maior para gerar o mesmo grau de recompensa.

Recurso. Quanto aos tratamentos para esses casos, além da terapia tradicional e do uso de medicamentos, Mônaco pontua que o avanço da medicina vai oferecer mais recursos em breve. “Existem neurocirurgias com estimulação cerebral profunda, ao se implantar eletrodos no cérebro, para oferecer impulsos saudáveis nas áreas afetadas pela dependência emocional”, finaliza. 

Minientrevista

Frederico Ragi
Psicólogo

Por que relações dependentes são tão prejudiciais?

As relações que geram dependência emocional acabam tornando as pessoas infelizes. A pessoa dependente quer sempre mais, não está satisfeita e vive com ansiedade constante gerada pelo medo da perda. A outra parte pode se sentir cada vez mais sobrecarregada, incapaz de desenvolver seu potencial, presa em uma situação que não oferece nada também. 

Existem pessoas que estão mais sujeitas a desenvolverem uma dependência emocional?

Sim. Mesmo que qualquer um de nós possa passar por essa situação, existem aquelas que são mais vulneráveis. Geralmente são pessoas que experimentaram alguma situação traumática na infância ou adolescência, como a falta de diálogo, a falta de acolhimento de pais, isolamentos sociais ou que tiveram suas necessidades negadas, por exemplo.

O senhor disse que a compulsão afetiva pode ter origem nos primeiros anos de vida. Qual a influência da família nesse ponto?

Na dependência emocional familiar, os pais podem ter uma autoestima deficitária e querer reconstruí-la projetando isso nos filhos, e aí perdem a individualidade. Podem mudar o comportamento, simplesmente para suprir as necessidades do filho, exaltando-o, colocando-o como protagonista. O oposto também vale quando pais e mães apresentam um convívio deficitário. 

Quais são os outros tipos de dependência?

6>Podemos destacar dois: amor e amizade. No campo amoroso, um homem ou uma mulher se anulam no relacionamento, perdendo a voz ativa e até mudando de preferências por conta do outro. Na amizade, podem ser pessoas que tenham necessidade de elogios, agrados e exclusividade a ponto de não conseguirem se relacionar com outras se não tiverem isso.

Como reverter essa situação?

Reconhecer que temos a dependência emocional por alguém é um passo importante para a cura, começando com ajuda profissional. Felizmente, se percebermos isso antes, podemos alterar e canalizar essa energia de maneira positiva, em direção a emoções maduras que permitam que as pessoas cresçam e se complementem.

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