Duas mulheres seguram juntas as alças de uma cadeirinha de bebê que carrega uma criança em um trajeto que passa pela Praça Sete, no centro de Belo Horizonte, quando são questionadas pela reportagem de O TEMPO sobre o significado do termo sororidade. Embora uma delas não saiba o que o conceito significa, ela tem ali, naquela atitude da amiga, um exemplo prático do que a palavra expressa: empatia, solidariedade e união entre as mulheres. E não é só naquele contexto que o conceito se concretiza.
Segundo a psicóloga Nubiele Cristina, 30, que acompanha Núbia Santana, 32, a ajuda entre as duas faz parte da rotina delas. “A gente é assim o tempo todo uma com a outra, a gente se cuida muito”, conta.
Em uma definição do termo, disponível no site da Academia Brasileira de Letras, a sororidade incorpora também outras questões que vão além do sentimento. Conforme o documento, o conceito também indica a conduta que se baseia na ideia de sororidade. O significado ainda incorpora a oposição a todas as formas de exclusão, opressão e violência contra as mulheres.
Dados históricos apontam que a escritora e líder feminista Kate Millet foi a responsável por propor o uso acadêmico do termo, na década de 1970. A proposta da estadunidense veio com o objetivo de construir uma ideia de união social entre mulheres, independentemente das diferenças de classe, religião ou grupos étnicos.
Parte do Ninfeias - Núcleo de Investigação Ferminista da UFOP, a artista, professora e mestra em Artes, Danielle dos Anjos explica que o conceito surge, nesta época, como uma versão feminina da palavra fraternidade, mas com diferenças importantes em sua definição e aplicação. “A irmandade traz uma ideia de congregação, enquanto a sororidade traz esse sentido de empatia, respeito, confiança, solidariedade e acolhimento entre mulheres que não necessariamente se conhecem”, afirma.
Ela acrescenta ainda que o conceito prega o oposto da noção de rivalidade feminina, ainda tão disseminada na sociedade patriarcal em que vivemos, e que diz respeito a essa ideia de que as mulheres precisam competir entre si o tempo todo, principalmente pela atenção de um homem.
Há ainda um outro conceito valioso: o de dororidade. “Eu, particularmente, enquanto mulher preta, prefiro esse conceito, que diz sobre a cumplicidade entre mulheres negras, pois existem situações que só nós vivenciamos. Nossas experiências e nossas dores nos aproximam de modo que o entendimento das discriminações raciais e sexistas, e das violências que elas nos causam, nos levam ao mesmo ponto, nos colocam na mesma luta”, pontua.
Conceitos ainda são pouco conhecidos
Embora a sororidade tenha entrado no vocabulário de muita gente nos últimos anos - para se ter uma ideia, em 2020, após a palavra ter sido citada por Manu Gavassi no "BBB 20", as pesquisas sobre o conceito subiram 250% no Google - há ainda quem não tenha se familiarizado com a palavra ou, ainda, quem nunca tenha ouvido falar dela. Esse, inclusive, foi o cenário encontrado pela reportagem de O TEMPO durante um bate-papo com pessoas que transitavam na última sexta-feira (1º) pela Praça Sete. Entre as sete pessoas entrevistadas no local, apenas uma delas, uma mulher, sabia ao que o termo se referia. Nenhum dos três homens conhecia a palavra.
Mesmo que não seja necessário o conhecimento sobre sororidade para que ela seja praticada, conhecer o conceito, assim como conhecer a definição de dororidade, contribui para uma compreensão mais ampla diante das formas de agir e pensar e no enfrentamento aos inúmeros desafios impostos às mulheres. “A importância desses termos está na capacidade de nos mostrar que seremos mais fortes juntas, de mostrar a necessidade de acolhimento e das redes de apoio de mulheres. E também de evidenciar que não precisamos ser rivais”, ressalta Danielle dos Anjos. “Juntas vamos mais longe e só assim vamos alcançar direitos pelos quais ainda precisamos lutar diariamente”, completa.
Como praticar a sororidade e a dororidade no cotidiano
Segundo a artista, a sororidade se alinha a questões como a escuta, o acolhimento, o não julgamento e a não tentativa de impor realidades específicas a outras mulheres. “É sobre união, sobre estar disposta a ajudar quando a outra precisar”, afirma. Além disso, outras atitudes como participar de grupos de mulheres, prestar atenção sobre o que estamos fazendo no dia a dia, observando se essas coisas vão contra a empatia pregada pela sororidade, também são válidas. “Às vezes tem uma mulher ao seu lado precisando de um ombro amigo, um abraço e na nossa mania de julgar nem percebemos”, diz.
Já para a prática da dororidade, Danielle orienta que as mulheres negras se reúnam nas casas, espaços de trabalho e irmandades religiosas para compartilhar vivências e criar laços de afetividade. “A organização de mulheres negras em luta para questionar e combater as discriminações sexistas, independemente de que grupo venham (pretos e brancos), sempre foi e ainda é fundamental para o enfrentamento das opressões e injustiças”, afirma. “As transformações sociais mais pungentes surgem da nossa união e posicionamento, em ações de caráter estético, ético e político. Não podemos perder isso”, finaliza.