'deserto alimentar'

Entre ‘desertos’ e ‘pântanos’, a obesidade ganha peso

‘Ecossistemas alimentares’ marcados pela escassez de lojas de comida saudável ou com abundância de produtos industrializados são nova causa dessa epidemia

Por Da Redação
Publicado em 14 de janeiro de 2018 | 03:00
 
 
Pântano. Na estação Central de Belo Horizonte, o casal Thiago Lopes, 28, e Adriana Pereira, 34, saboreia pastéis de queijo e refrigerante como almoço do dia, por falta de opção Foto: Mariela Guimarães

No “deserto alimentar”, a areia dá lugar ao asfalto, e a escassez é não de água, mas de comida saudável. Já a grande oferta de alimentos que contaminam o organismo é comparada à água suja e lamacenta de um pântano.

Próximo à estação Central, no centro de Belo Horizonte, o casal Adriana Pereira, 34, e Thiago Lopes, 28, almoça pastéis de queijo e bebe refrigerante. Ali, num raio de 200 m, 14 estabelecimentos vendem comida industrializada e de baixo valor nutricional. “É assim quase todo dia: salgado frito, refrigerante, biscoito. Sei que não é saudável. Na verdade, eu queria comer melhor, mas não tenho dinheiro para isso, e os lugares aqui perto não vendem nada natural”, diz Adriana, inserida em uma região classificada como “pântano alimentar”.

A nordeste dali, no bairro Lajedo, periferia da capital mineira, está a dona de casa Elisária Graça, 56, acompanhada das sobrinhas Marina e Letícia, ambas de 11 anos. O local está na categoria de um “deserto alimentar” por não oferecer opção de comida saudável. “Moro aqui há 25 anos e, se quero comprar uma maçã, banana, batata ou cenoura, preciso descer a ladeira (mais de 1 quilômetro), porque aqui não tem. Só dá uma vez por semana. O jeito é comprar arroz, feijão, carne”, afirma.

Uma realidade oposta aos dois cenários pode ser encontrada no bairro Vila da Serra, em Nova Lima, na região metropolitana. Em apenas uma avenida, três estabelecimentos comercializam alimentos in natura. Num deles, frutas, verduras e legumes orgânicos estão expostos no balcão, enquanto o diretor de indústria José Henrique Mundim, 31, escolhe o que vai levar. “Como alimentos in natura todos os dias. Gosto de ir ao mercado e ao hortifrúti duas ou mais vezes por semana, por causa da variedade de opções”, afirma.

Definição. Para ser considerado um deserto, é necessário que determinado local agrupe 500 pessoas que precisem se deslocar mais de 1,5 quilômetro para ter acesso a estabelecimentos de comida saudável e nutritiva, como hortifrútis e supermercados. Já o pântano refere-se a uma área de 4 quilômetros quadrados, onde 90% dos comércios oferecem comida barata e calórica, como redes de fast-food, lojas de conveniência e pequenos mercados conhecidos por vender produtos de menor qualidade. Essas características foram definidas pelo Ministério de Agricultura dos Estados Unidos.

Reflexos. Além da questão gastronômica, esses “ecossistemas urbanos” são reflexos da saúde pública e da desigualdade social. Áreas mais pobres e mais ricas têm acessos diferentes a alimentos in natura ou minimamente processados, o que impacta diretamente a qualidade do que se come.

De acordo com a nutricionista Larissa Loure, professora da UFMG, é preciso analisar a logística de distribuição alimentar para esses lugares. “Zonas mais carentes têm uma realidade de deserto: pouca opção de comércio de comida nutritiva. Áreas mais centrais tendem a ser pântanos porque concentram estabelecimentos com alta oferta de alimentos calóricos e industrializado. Já os bairros de classe média-alta possuem comércios que consideramos ideais, com a oferta de alimentos mais naturais”, explica.

Quais são os impactos provocados na saúde? Segundo Larissa, uma prevalência de sobrepeso e obesidade da população que habita desertos e pântanos alimentares. Durante o doutorado, ela entrevistou 3.404 moradores desses locais e identificou uma prevalência de excesso de peso em 44% dos participantes. “O público era composto por 50,1% de homens e 49,9% de mulheres, sendo que 31,6% delas apresentavam sobrepeso e 12,4% eram obesas”, pontua.

 

Critérios da OMS apontam as medidas consideradas como excesso de peso 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) determina que pessoas com peso saudável têm um Índice de Massa Corporal (IMC), que mede a relação entre peso e altura) entre 18,5 kg/mn² a e 25 kg/m². Para que alguém seja classificado com sobrepeso, é necessário possuir o IMC acima de 25 kg/m². Já para o quadro de obesidade, o indivíduo deve apresentar um índice acima de 30 kg/m².

Com base nisso, a nutricionista Mariana Rocha, do Hospital Vera Cruz, em Belo Horizonte, esclarece quais são os efeitos de uma má alimentação. “Seja pelo consumo excessivo de produtos industrializados ou pela falta de alimentos naturais, as pessoas podem desenvolver um quadro de falta de micronutrientes, como vitaminas e minerais que são fundamentais para o bom funcionamento do organismo”, afirma.

Além disso, a nutricionista alerta que, ao longo do tempo, esses hábitos alimentares podem provocar o surgimento de doenças graves como hipertensão, diabetes e problemas no coração. “Se uma situação dessas acontece, encontramos uma dificuldade maior de reverter o quadro”, diz.