“Se a pessoa vem com muita conversa, se explicando demais, fico mais desconfiado do que convencido, porque, quando as justificativas são muitas, é sinal de que estão tentando nos enrolar”, sustenta o massoterapeuta Alan Júnior, 29, que resume um sentimento mais ou menos universal: o da desconfiança em razão do excesso de subterfúgios diante de algo que julgamos inconveniente, como dizer um “não”, faltar a um evento ou se atrasar. Foi o que a reportagem percebeu ao circular pelas ruas de Belo Horizonte inquirindo pessoas se elas ficavam mais convencidas ou mais desconfiadas quando ouviam do outro muitas justificativas. A auxiliar de serviços gerais Laine Gabriela, 34, junta-se a esse coro. “Acho que uma explicação objetiva resolve. Mas, se o sujeito fica dando muitas voltas, é porque está mentindo ou não tem tanta certeza do que está falando”, crava.
Na contramão, só o vendedor Diego Lemos, 32, fez um contraponto mais condescendente em relação ao exagero na hora de se explicar. “Depois de tudo que passamos, com as pessoas separadas por causa da pandemia, eu penso que essa atitude, se houver coerência no que se está dizendo, pode ser só um pretexto para uma boa conversa. Talvez seja esta a forma da pessoa para se socializar e expor o que se pensa”, contemporiza. Mas até ele pondera que, se as explicações forem muitas e até mirabolantes e o outro não estiver disposto a ouvir, essa postura torna-se suspeita e inconveniente.
Essa atitude de desconfiança, manifestada em maior ou menor grau por todos os entrevistados, não surpreende a psicóloga clínica Tatiana Freitas Wandekoken. Ela lembra que estamos sujeitos a análises do outro constantemente e, também por essa razão, somos levados a nos justificar, tentando fundamentar o que falamos, de forma a comprovar o que está sendo dito ao outro. Contudo, quando em excesso, essa atitude pode gerar mais dúvida do que convencimento, mesmo que não haja qualquer intenção de mentir.
A avaliação similar é feita pelo também psicólogo Matheus Alves. Para ele, quanto mais tentamos polir aquela situação, buscando uma infinidade de razões para sair de uma saia justa, mais fica parecendo, aos olhos dos outros, que estamos tentando esconder algo. “Isso acontece porque, instintivamente, conseguimos perceber o excesso de tensão, o que vai despertar nossa desconfiança”, expõe. O terapeuta clínico acredita que, por isso, é mais efetivo assumir as consequências de nossas decisões e, se for preciso, se desculpar francamente que tentar camuflar possíveis falhas ou se isentar dos efeitos de nossas próprias resoluções.
Os dois especialistas ainda ponderam que tanta desconfiança, por vezes, é sem razão. Há pessoas que, por uma característica particular, têm o hábito de se justificar muito, sem ter a intenção de ludibriar ninguém.
Origem do comportamento
Tatiana Freitas lembra que diversos “porquês” podem estar por trás desse comportamento, seja ele recorrente ou não. É o caso dos pensamentos automáticos distorcidos. A pessoa pode, por exemplo, pensar que, se ela disser ‘não’, o outro vai ficar com raiva e vai rejeitá-la. “Crenças distorcidas também podem ocorrer, como imaginar que sempre precisamos atender às demandas conferidas a nós”, analisa. Ela ainda cita que sentimentos como o medo de desaprovação e a insegurança podem ser reforçados por ambientes ou relações que naturalizam ou até exigem justificativas constantes, como um local de trabalho com cobranças excessivas ou um relacionamento amoroso no qual a parceria exige reiteradas explicações como prova de inocência.
Além dos fatores ambientais, Matheus Alves sinaliza que aspectos biológicos e evolutivos ajudam a entender a razão para tanta argumentação, mesmo diante de situações simples e até para pessoas com quem não temos relação de proximidade. Segundo ele, isso acontece quando o ser humano, que é um ser social e carrega em si o medo de ser rejeitado pelo outro, se vê diante de um paradoxo: por um lado, ele pode não querer ou não ter disponibilidade para ir a um evento social ou para prestar um favor; por outro, sente-se pressionado por saber do valor daquele convite ou pedido. Diante desse embaraço, a melhor saída, supostamente, seria ter uma boa justificativa para não ter que sofrer as supostas consequências do que é interpretado como uma falta que estamos cometendo.
“E há também o aspecto cultural”, lembra o psicólogo, citando que muitas pesquisas relacionam o recurso de desculpas, subterfúgios e até mentiras para evitar um imaginado mal-estar social a uma característica de determinados povos. “Pessoas que vivem em países da América Latina, por exemplo, parecem mais propensas a esse expediente em relação aos de outros países, como Estados Unidos e Inglaterra, onde esse hábito não é tão difundido”, pontua.
Sinal de alerta
Matheus Alves acredita que esse comportamento pode gerar problemas. “É importante entender se esse tipo de atitude está causando algum tipo de transtorno para o indivídio, se está atrapalhando, por exemplo, a sua sociabilização”, comenta. “Também podemos observar se os feedbacks recebidos estão gerando a fragilização daquela pessoa, fazendo que ela recorra ao hábito para se blindar”, explica.
No mesmo sentido, Tatiana observa que tudo em excesso deve ser observado com cautela. “Existem situações cotidianas nas quais precisamos, de fato, nos justificar. Entretanto, vale a reflexão do como, quando e por quê”, diz. Ela propõe algumas questões que podemos fazer para nós mesmos: Como eu me justifico e quais sentimentos emergem nessas situações? Quando e com que frequência, intensidade e em quais situações eu me justifico? E por que eu faço isso? O que se passa pela minha cabeça nesses momentos e o que eu espero disso?
“Caso, ao responder essas perguntas, você perceba que a intensidade desse comportamento é desproporcional às situações e de maneira generalizada, ou seja, em qualquer relação, situação e, frequentemente, no nosso próprio diálogo interno (se justificar para si mesmo), percebendo também os prejuízos desse comportamento na sua vida, é necessário investigar, cuidadosamente, os seus porquês e, finalmente, obter uma melhora no seu estado afetivo. Se existe sofrimento, é necessário cuidado”, aconselha.
Infância. “Embora a explicação sobre qualquer comportamento que tenhamos seja subjetiva e, portanto, exija uma investigação cuidadosa e pessoal, nosso modo de ser no mundo – isto é, nosso modo de pensar, sentir e se comportar – é elaborado na nossa infância e é enrijecido ao longo da vida adulta. Isso não quer dizer que somos determinados pela nossa infância, mas que nesse período construímos impressões e percepções importantes sobre nós mesmos e o mundo. Por isso a investigação precisa ser subjetiva a fim de compreender as raízes desse comportamento e o que o reforça nos dias atuais”, sinaliza Tatiana Freitas.