As unhas excessivamente curtas de Gabriela Santana, de 13 anos, denunciam como crises de ansiedade se tornaram mais frequentes neste ano. “Eu roía muito as unhas no começo da quarentena. Achava que não conseguiria me concentrar nas aulas virtuais e realizar as tarefas”, fala sobre a suspensão das aulas presenciais em função da pandemia da Covid-19. “Eu sinto que este ano foi muito estranho. As coisas mudaram de uma hora para outra. A gente precisou se acostumar sem instrução. Foi um desafio até aqui”, pontua a estudante do sétimo ano do ensino fundamental, que, fazendo um balanço do atual período letivo, avalia ter conseguido cumprir seus objetivos de aprendizado, apesar dos pesares. De todas as dificuldades, a maior, sem dúvida, está associada à distância de colegas, presenças frequentes em sua vida e com quem, agora, só interage virtualmente. “Às vezes, me sinto triste de não poder encontrar essas pessoas. Dá vontade de chorar, sabe? É uma coisa meio, não sei, angustiante…”, lamenta.
As emoções relatadas por Gabriela são compartilhadas pela maioria dos jovens estudantes brasileiros, como atestam pesquisas que investigaram, ao longo deste ano, o estado de humor dessa fatia da população no contexto pandêmico. Caso do levantamento “Educação Não Presencial na Perspectiva dos Estudantes e Suas Famílias”, do instituto Datafolha, em parceria com a Fundação Lemann, o Itaú Social e a Imaginable Futures, que, em julho, observou que 51% das pessoas em idade escolar estavam desmotivadas e 74% se sentiam tristes, ansiosas ou irritadas.
Chegando agora ao fim do ano, quando somos convidados a fazer um tradicional balanço produtivo do ciclo que se encerra, uma sensação de frustração pode se acentuar, alerta a pesquisadora e psicóloga Renata Borja, atenta ao fato de que o rendimento escolar de boa parte das pessoas provavelmente foi impactado pela imposição dessas novas dinâmicas de ensino. “A chamada ‘síndrome de final de ano’ – quando fazemos uma avaliação daquilo que passou e acabamos nos sentindo mal por não ter cumprido metas – já era frequente, mas pode ser ainda mais disseminada em um ano tão atípico”, sinaliza.
Corrobora sua análise a psicóloga e psicopedagoga Roneida Gontijo Couto. “No início, era tudo muito novo, e pensávamos que (a pandemia) duraria pouco tempo. Mas não foi isso que aconteceu. Então, esses alunos tiveram que se adaptar a uma nova realidade muito rapidamente e precisaram se afastar do ambiente social que eles vivenciavam antes. É um fator que tem grande peso, pois pertencer a um grupo é importante para a formação dos adolescentes e jovens”, alerta. “E tem a questão das aulas remotas, em que a maioria não consegue manter a concentração adequada”, acrescenta. A estudante Gabriela concorda que distrações se tornaram mais generalizadas longe da sala de aula. “Tem o espelho no meu quarto, tem a janela para a varanda… É complicado manter o foco”, diz.
Transtornos. “E se é difícil que se concentrem por muito tempo em aulas online, há uma queda do comprometimento com o estudo, o que acarreta a sensação de fracasso e de incompetência”, examina a psicopedagoga, sublinhando que esse conjunto de acontecimentos vai se refletir em baixa autoestima, aumento dos níveis de ansiedade e de tristeza, condições que podem levar a quadros de adoecimento. Não por acaso, “tivemos um crescimento assustador do número de diagnósticos de depressão entre adolescentes. Além disso, tem sido grande o volume de atendimentos relacionados à síndrome do pânico, transtornos de ansiedade e até fobia social”, detalha Roneida.
Juventude em crise. A tendência de uma escalada do número de diagnósticos de transtornos mentais em jovens e adolescentes é anterior à pandemia, mas pode ser acentuada por ela. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de adolescentes sofrendo com esse mal subiu 59% entre 2007 e 2017. As estimativas mais recentes indicam que cerca de 13% dos norte-americanos de 12 a 17 anos sofreram com quadros depressivos no período de um ano, conforme dados da Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde, de 2017, analisados pelo think tank norte-americana Pew Research Center. No Brasil, embora não existam pesquisas específicas sobre o tema, um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), divulgado em 2019, fornece indícios do tamanho do problema: entre 2006 e 2015, o índice de suicídio teve aumento acumulado de 24%.
Acolhimento familiar e um olhar para o aprendizado são essenciais
Em qualquer tempo, e especialmente agora, o apoio familiar é primordial para que os jovens encarem os desafios intrínsecos a essa fase da vida de forma saudável, adverte a psicopedagoga Roneida Gontijo. “Ter escuta em casa e se sentir integrado – e não julgado – é crucial para o desenvolvimento dessas pessoas”, garante. “Isso é algo que sempre buscamos trabalhar ao atender jovens. Acontece que, neste ano, algumas famílias passaram a conviver mais, algo que não aconteceu espontaneamente ou de forma planejada. Ao contrário. Foi algo repentino, muitas vezes forçado. E isso reverberou em conflitos. O desafio, hoje, é reaprender a conviver”, acrescenta a profissional.
Em relação ao conturbado e, muitas vezes, frustrante período letivo, Roneida sugere que os estudantes busquem valorizar pequenos projetos que tenham causado bem para a própria vida e, ao mesmo tempo, evitem comparar seus rendimentos escolares ao de colegas ou ao que eles próprios haviam projetado para si. “A primeira atitude que julgo importante é que a pessoa aceite a situação real, o que não significa cruzar os braços e se recolher em lamento. Ao contrário, devemos olhar para o que podemos fazer dentro das possibilidades. Podemos verificar aquilo que deixamos a desejar e entender o que podemos fazer, se isso estiver ao nosso alcance, para contornar essas dificuldades”, sugere.
Já a psicóloga Renata Borja acredita que, em vez de pensar em termos de resultados, os estudantes podem pensar em função do aprendizado. “Podemos pensar que mesmo aquilo que não foi algo que julgamos positivo pode ter trazido algum ensinamento – e isso também deve ser contabilizado”, sugere, acrescentando ser importante elaborar o que deu certo e o que deu errado, replicando ações que funcionaram em 2021. São essas pequenas conquistas que a estudante Gabriela Santana celebra. “Surgiram muitos mecanismos para manter contato com as pessoas e, de uns tempos para cá, com a flexibilização, pude receber algumas visitas e visitar algumas pessoas. Isso já dá um alívio”, diz ela, que considera estar encerrando bem o sétimo ano do ensino fundamental.
Renata põe em relevo a importância de se aprender a acolher todos os sentimentos, mesmo aqueles entendidos como negativos. “A ansiedade, por exemplo, pode nos ajudar a sermos produtivos se modulada da maneira correta”, afiança.
Preparando-se para o futuro
A psicopedagoga Roneide Gontijo lembra um método prático para se organizar para um ano em que as dinâmicas estudantis ainda são uma incógnita: “Fazer um planner ajuda muito. Assim podemos separar o tempo das aulas, do estudo, do descanso e da atividade física e de lazer. Esse planejamento ajuda a ter tempo para suas responsabilidades, descanso e também para atividades prazerosas”. Ela adverte que é importante ter consciência de que nem sempre será possível cumprir esse itinerário, o que não deve ser encarado como uma derrota, mas como algo natural.
“Construir uma rotina ajuda a organizar o tempo, as tarefas e a automatizar um hábito positivo. Isso contribui para manter o foco no que realmente é importante, estimula hábitos saudáveis e diminui a ansiedade”, acrescenta a psicóloga Renata Borja. Ela também defende uma reformulação das metas para o próximo ano: “Ainda é incerto como 2021 será. Então, recomendo que os estudantes tracem objetivos criando estratégias para diferentes cenários – por exemplo, se a pandemia perdurar por mais tempo –, tendo expectativas realistas. Assim, se houver qualquer interferência externa, a pessoa conseguirá reformular suas expectativas, rever seu planejamento e mudar de rota. Costumo dizer que é fundamental ser um otimista realista baseado nas estratégias e possibilidades individuais”.
Além disso, é fundamental lembrar que o período letivo não se encerra agora. Na rede estadual, as aulas se estendem até o final de janeiro e, na rede municipal de Belo Horizonte, até o fim de fevereiro.
De qualquer maneira, em termos de expectativa, a estudante Gabriela Santana acredita que as dificuldades serão menores em 2021, ainda que as aulas continuem a ser realizadas apenas remotamente. “Acredito que teremos um planejamento mais adequado e mais suporte. Acho que quando se começa do zero é mais fácil lidar com a novidade do que quando se muda no meio do percurso”, diz.
Secretaria municipal de educação se preocupa com possível aumento da evasão escolar
Em relação ao atual e próximo período letivo, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), por meio de nota, explica que “o ensino será híbrido e cada grupo de alunos terá mais ou menos tempo presencial ou mais ou menos acesso digital conforme suas possibilidades sócio educacionais. O esforço é, portanto, no sentido de avaliações muito criteriosas e metodologias quase individuais para que os alunos estejam até 2022 totalmente em dia com os conteúdos 2020/2021”.
O texto confirma que “a evasão escolar é sim uma das preocupações do pós pandemia, e os alunos da Rede Municipal estão tendo uma boa resposta ao planejamento das atividades escolares, os estudantes recebem material pedagógico para estudar em casa e essa ação tem ajudado a estreitar a relação e não deixar romper os vínculos escolares”.
Em 2018, dos 201 mil estudantes na rede municipal de educação de Belo Horizonte, foram registradas 135 evasões nos anos iniciais (0,067%) e 581 nos anos finais (0,29%). Em 2019, dos 202.268 estudantes, foram registradas 128 evasões nos anos iniciais (0,063%) e 584 nos anos finais (0,28%).
A PBH informou ainda que, por meio da Secretaria Municipal de Educação (Smed), “estabeleceu, durante a pandemia, o Regime Especial de Atividades Escolares destinadas ao cumprimento do Calendário Escolar de 2020 para estudantes que vão concluir o ensino fundamental”.
A pasta detalha que, além das turmas do 9º ano, o regime especial também se aplica aos concluintes de Educação de Jovens e Adultos - EJA, e aos estudantes matriculados em turmas de 5º e 6º anos. “As atividades escolares são asseguradas aos estudantes por meios físicos impressos ou por meios eletrônicos, conforme as necessidades e possibilidades específicas, considerando os dados do Mapa Socioeducativo, elaborado para avaliar as formas mais eficazes de comunicação com os estudantes e suas famílias”, explica a pasta, detalhando que a partir deste Mapa, “a Direção e Coordenação Pedagógica de cada escola, junto com a equipe de professores, definem quais estudantes recebem atividades impressas, respeitados os devidos protocolos sanitários, e quais podem receber as atividades por meios eletrônicos, mediante registro de pactuação prévia com os pais ou responsáveis”.
“As atividades realizadas por estes estudantes deverão compor o Portfólio Escolar Anual para fins de validação dos atos escolares e de certificação de conclusão do ano escolar ou do ensino fundamental. Todas as atividades estão sendo pensadas para manter o vínculo com a vida escolar ativo, sem causar ainda mais estresse desnecessário às famílias e às próprias crianças”, completa o comunicado.