O sorriso que Sara Essaradi, 10 anos, exibe ao lado é mais do que justificado: há sete meses, ela se submeteu a um transplante de medula óssea para colocar um ponto final na luta contra a leucemia. Quem, de alguma forma, já se enfronhou no universo que envolve um procedimento dessa magnitude sabe: é, de fato, de uma vitória a ser celebrada. Neste 2019, aliás, comemoram-se os 40 anos do primeiro transplante de medula no país, feito no Hospital de Clínicas do Paraná. Desde então, os números são ascendentes – ano passado, foram mais de 2.600 pessoas, segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos.
 
No caso de Sara, os festejos já contaram até com a participação de Anitta – a cantora visitou a garota em setembro do ano passado, em São Paulo, onde o transplante foi feito. De volta a Belo Horizonte, a garotinha ainda precisa seguir uma série de orientações bem específicas: quando sai às ruas, por exemplo, tem que usar máscara e luvas. O álcool em gel também sempre está em sua bolsa. Os cuidados são necessários em função de as células da nova medula de Sara – que vieram de sua mãe, Cristiane Cássia Silva – ainda estarem num estágio de adaptação ao novo organismo; portanto, seus mecanismos de defesa ainda estão se fortalecendo para, daqui a algum tempo, estarem aptos a enfrentar a miríade de micro-organismos com a qual convivemos diariamente. O momento mais importante, porém, já aconteceu: a “pega”.
 
E é justamente esse processo de nome instigante um dos focos do livro “Esquadrão dos Anjos” (Páginas Editora), que será lançado hoje, a partir das 11h30, na capital mineira – mais precisamente, no CCBB-BH, na praça da Liberdade, 450. Escrito a quatro mãos pela jornalista Nalu Saad e pelo médico, pesquisador e professor Vanderson Rocha, com ilustrações de Iara Rachid, “Esquadrão dos Anjos” foi inicialmente lançado em São Paulo, em evento que contou com a presença de Reynaldo Gianecchini, autor do prefácio. O ator, vale lembrar, foi submetido a um transplante de medula em janeiro de 2012, o que o curou de um linfoma não Hodgkin. Em BH, o evento contará com a presença dos Doutores Palhaços de Belo Horizonte, que levam alegria e bom humor às crianças que estão em processo de cura de doenças como a leucemia ou o linfoma. 
 
Aliás, Sara foi uma das crianças que inspiraram o livro. Ela e sua mãe descobriram a leucemia (do tipo mieloide aguda tipo 2) em 2016. Embora, como sempre ocorre nesses casos, a criança já seja imediatamente inscrita no Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea, o Rereme, o primeiro tratamento empreendido é o de praxe, com quimioterapia e internações (programadas ou por conta de intercorrências). Sara concluiu o tratamento e passou o ano seguinte bem, mas, em abril de 2018, teve uma recidiva, o que, no caso dela, motivou o transplante, realizado no dia 3 de agosto.
 
Um novo alento
 
Anúncio. No último dia 5, médicos da Universidade de Cambridge anunciaram que um paciente com linfoma de Hodgkin em estágio avançado que se submeteu a um transplante de medula também viu diminuir sua carga de vírus HIV-1 – e, portanto, é provável que tenha sido curado da Aids.
 
Mutação. O feito ocorre dez anos após um alemão ter sido considerado curado da Aids também após um transplante medular. Mas vale frisar que as células-tronco vieram de doadores com uma mutação genética incomum, que impede a expressão de um receptor do HIV, o CCR5. Mesmo assim, abre-se uma janela para a cura da Aids.
 
Livro pretende levar alento também a pais e familiares
 
Um momento difícil? Sim. Mas não impossível de ser transposto. Não por outro motivo, o médico Vanderson Rocha afirma ser esse o objetivo do livro que, além do público infantil, visa ser útil a pais e familiares de pacientes. “Ele vem para frisar o procedimento em si, os riscos, como o de infecções, os cuidados, como o do catéter...”, enumera.
 
Fato, o tema ainda gera muita dúvida. “Muitos pensam que o transplante de medula é uma cirurgia, e, na verdade, é uma infusão de células”, lembra. Antes de tudo, a antiga medula é completamente destruída, por meio da quimioterapia. Vanderson lembra que o momento mais crítico ocorre em função da aplasia decorrente desse matar a medula doente, que deixa de produzir as células de defesa – daí a importância do isolamento do paciente, para evitar contato com micro-organismos. Há, ainda, o temor da doença do enxerto contra o hospedeiro, que é uma doença imunológica das células do doador que podem atacar o paciente.
 
A inscrição no Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea, o Rereme, é cruzada com a do Registro Nacional de Doadores, o Redome, de modo a detectar a compatibilidade almejada. Foi assim que a menina Maria Júlia Rabelo, de Várzea da Palma, que sofre de epidermólise bolhosa distrófica recessiva, encontrou um doador compatível. Segundo a mãe, Júnia Cristina Fernandes, o processo ainda está em fase de entrevistas com a pessoa que se inscreveu no cadastro.
 
Mas e quando o doador ideal não aparece? Bem, o livro “Esquadrão dos Anjos” mostra um caso assim por meio de Pedro Jardim, que divide o protagonismo com Maria Flor. Em certo ponto, ele se ressente de a amiga ter achado o doador compatível, e ele, não. Mas, atualmente, existem outras vias, como o transplante haploidêntico, do qual o personagem se beneficia: aqui, o doador é o pai, a mãe ou um irmão, e a compatibilidade é de 50%. “E temos conseguido resultados muito parecidos com os de transplantes completamente compatíveis, isso tem aumentado muito o número de transplantes. O Pedro, pois, está numa fase nova (da medicina)”.
 
A coragem que vem de dentro
 
Recentemente, a jornalista Nalu Saad se viu desafiada a achar palavras para conversar com o filho de um amigo, que, aos 6 anos, iria enfrentar pela segunda vez o tratamento contra uma leucemia. Ao consultar informalmente o médico Vanderson Rocha, fonte de uma matéria que estava produzindo para a empresa na qual atua, ouviu dele a expressão que ficou ecoando em sua cabeça: se tratava de uma “batalha de anjos”.
 
Ainda no trajeto para o serviço, uma história lhe veio à mente. Mas, antes de enviar ao citado amiguinho, achou por bem mostrá-la ao médico. “Trinta minutos depois, ele me respondeu: ‘Eita, é pra chorar, é’?”.
 
Foi a semente para “Esquadrão dos Anjos”, que, antes de entrar na gráfica, passou por diversas etapas, incluindo discussões no WhatsApp com profissionais do Hospital Sírio-Libanês, como nutricionistas e oncopediatras. “Desde sempre não era para ser história realista, mas, tratando-se de um processo pelo qual a criança vai mesmo ter que passar, não podia ser delirante. Se você conta uma mentira, ela não vai acreditar no resto”. Foi, pois, uma fase de faz e refaz. “Não teria a arrogância de dizer que o livro se propõe a ser um remédio, mas o objetivo é alimentar a coragem, que, como mostram várias pesquisas, têm uma papel importante no tratamento”. 
 
Passo a passo para tentar ajudar quem precisa
Fonte: Ministério da Saúde
 
Para ser um doador. Pessoas entre 18 e 55 anos, em bom estado de saúde, sem doenças infecciosas ou incapacitantes, podem fazer parte do Redome.

Ficha. De posse de um documento com foto, o doador deve ir a um hemocentro, preencher uma ficha e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. 
 
Exame. Daí é retirada uma amostra de sangue para o exame de histocompatibilidade (HLA), que identificará a característica genética do doador, que recebe uma carteirinha. 
 
Importante. O doador só é acionado quando aparecer um paciente com a medula compatível. Por isso, mudanças de telefone e endereço devem ser informadas ao Redome. 
 
Coleta. Certificada a compatibilidade, o doador passa por uma consulta para verificação se de fato quer fazer a doação, que é feita em procedimento ambulatorial, por meio da chamada “coleta por aférese”. Neste caso, o doador usa uma medicação para aumentar as células-tronco no sangue. Após o período, ocorre a coleta do sangue e a separação das células-tronco.