Dia dos pais

Não basta ser pai. Tem de participar (muito mais)

O novo movimento de parentalidade — que inclui pais mais participativos na rotina dos filhos — já começou. Mas ainda há um caminho longo pela frente; para especialistas a paternidade ativa é o antídoto contra o patriarcado

Por Da Redação
Publicado em 07 de agosto de 2020 | 03:00
 
 
De acordo com especialistas, apesar do cenário perturbador da pandemia, essa tem sido uma grande oportunidade para refletir sobre o papel dos pais na atualidade Foto: Pixabay / Arquivo

Pai não ajuda, participa. Em um mundo ideal, a frase nem seria tema de reportagem. A realidade, porém, ainda é outra. Se por um lado aproximadamente 80% dos homens serão pais biológicos em algum momento da vida, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), por outro, a porcentagem dos que vão assumir uma paternidade ativa é pequena na maioria dos lares. 

Para se ter uma ideia de algum dos percalços, dados do Conselho Nacional de Justiça com base no último Censo Escolar mostram que há 5,5 milhões de crianças matriculadas no sistema educacional brasileiro, público ou privado, sem o nome do pai na certidão de nascimento. Além delas, outras milhares receberam o nome, mas não o afeto e a atenção dos genitores. No mês em que celebramos o dia deles, a boa notícia é que a nova parentalidade, em que os pais fazem a sua parte, já começou e a quarentena tem sido a oportunidade para muitos revisitarem os valores da paternidade

Estar em casa, trabalhar e cuidar dos filhos, administrar a carreira, as crianças e os afazeres domésticos: o estresse diário, de manhã até a noite, muitas vezes conhecido somente pelas mães, está sendo descoberto e vivenciado pela primeira vez por muitos pais nesta pandemia. De acordo com especialistas, apesar do cenário perturbador, essa tem sido uma grande oportunidade para refletir sobre o papel dos pais na atualidade.

"Existe um movimento de ajuste cultural por parte de quem é pai, que é consequência de uma discussão sobre igualdade de gênero - no contexto em que a mulher cada vez mais conquista espaços de trabalho e de poder e, logo, abre-se a necessidade de que o homem passe a se encarregar mais das questões relacionadas à família e ao lar, devido a toda essa sobrecarga que a mulher tem por acumular todas essas funções e responsabilidades”, afirma o psicólogo colombiano, responsável pelo projeto "Paternidade Sem Frescura" e membro do coletivo Balaio de Pais, Leonardo Piamonte. 

“Estamos falando de um pai que decide se envolver mais, participar mais, se angustiar mais com as coisas do dia a dia, com as coisas da realidade da infância e também do lar. É algo que muda o foco, fazendo que estes pais deixem de se ocupar apenas dos grandes projetos da vida de um ser humano, e passem a se preocupar também com pequenas coisas, como marcar médico, ou verificar se a unha da criança está cumprida, se ela tem meias limpas ou se precisa de suporte emocional", explica Piamonte. Em entrevista ao jornal O TEMPO, ele falou mais sobre o assunto.

Longo caminho

O Brasil caminha na direção de ter uma paternidade mais ativa em seus lares, mas lentamente. Atualmente, mais de 20 projetos de lei tramitam na Câmara com o objetivo de aumentar a licença paternidade. A Constituição federal garante só cinco dias de licença aos pais, que podem ser prolongados por mais duas semanas caso o empregador seja cadastrado no programa Empresa Cidadã. 

Mas embora a relação de homens e mulheres com o mercado de trabalho continue significativamente desigual, segundo os dados do estudo do Centro de Pesquisas Sociológicas, as novas gerações expressam nas diferentes pesquisas de opinião atitudes claras em favor da igualdade dentro da família. Em média, 79% dos entrevistados com idades entre 25 e 34 anos acreditam que a família ideal é aquela “em que os dois parceiros têm um emprego remunerado com dedicação semelhante e ambos dividem as tarefas domésticas e o cuidado dos filhos e filhas”. 

"Especificamente em um país cujo Carnaval dura mais que a licença-paternidade, estamos muito longe ainda de alcançar qualquer tipo de mudança significativa. O movimento que engaja essas discussões é, sem dúvida, o feminismo, fundamentalmente a busca por igualdade de gênero, por equidade, por equilíbrio. Mas observo que esta é uma iniciativa mais de pessoas do que de instituições. Infelizmente, ainda são poucas, por exemplo, as empresas que se empenham em incentivar o exercício da paternidade, enquanto são muitas as que punem pais que saem mais cedo para, por exemplo, acompanhar visita médica de filhos", avalia o psicólogo Leonardo Piamonte. 

Minientrevista

Leonardo Piamonte

Psicólogo e responsável pelo projeto "Paternidade Sem Frescura" e membro do coletivo "Balaio de Pais"

Do que exatamente fala o movimento que está em curso e que propõe, de certa forma, uma revisão da paternidade? A gente atrelou, durante milênios, a ideia do pai ao que a gente esperava do homem - que deve se portar como um líder, que não falha, que sempre tem uma solução, que mostra habilidade, capacidade, resiliência e força. A paternidade do imaginário coletivo é essa que protege muito, que provê, oferecendo sustento financeiro, que é responsável pela justiça no lar, fazendo às vezes de juiz e de polícia e impondo limite através do exercício da autoridade. Noto que muitos homens sentem que, se engajando um pouco mais ou se preocupando com pequenas coisas, iriam perder essa capacidade de estabelecer limites.

Acredita que uma paternidade ativa, mais afeita aos cuidados, pode ser um instrumento para a construção de uma sociedade mais justa e com menos desigualdades em relação a gênero?  Acredito que este é o grande caminho, e não somente na questão do envolvimento do pai nos cuidados dos filhos e do lar, o que vai impactar a desigualdade de gênero. Acho que uma sociedade mais justa se compõe com famílias mais democráticas e equilibradas. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que ainda falta um incentivo público, que essa discussão não chega ainda nos governos, que falta agenda pública neste sentido. É complicado colocar a agenda de uma sociedade mais justa na mão de famílias. Falta um pouco de liderança política nesta questão.

Aliás, quais outros debates a discussão sobre a paternidade traz em seu bojo? A paternidade traz uma discussão sobre lugar de poder. Pouquíssimos homens se questionam sobre como vão mudar o trabalho deles depois dos filhos, que tipo de ajustes vão ter que fazer depois dos filhos. O sonho é chegar um dia em que não falemos nem de paternidade e nem de maternidade, mas de parentalidade. As coisas que uma criança precisa seriam feitas por qualquer um.