O comediante e empresário Abdiás Melo fez viagens para a França e a Alemanha, onde cumpriu compromissos profissionais. Quando tentava retornar ao Brasil, em um voo de Lisboa para Recife, contudo, ele viu suas passagens serem canceladas sucessivas vezes em razão de greves em aeroportos e da falta de pessoal em companhias aéreas – problema que afeta toda a Europa. Preso na capital portuguesa, o pernambucano foi entrevistado pela emissora RTP. Sem papas na língua, ele fez uma descrição um tanto plástica da própria situação. “Meu anjo, eu estou com a mesma cueca faz seis dias. Eu não tomei banho, tô fedendo um absurdo”, reclamou, inteirando que enfrentava um problema adicional: “Eu só consigo fazer cocô em casa. Eu tô preso, sem fazer cocô”. O relato, de tão cru, repercutiu nas redes sociais, rendendo memes, risadas e identificação. 

Se em um primeiro momento a história soa insólita, parecendo retirada de um quadro de humor, na realidade, o caso pode ser mais comum do que se imagina. É bastante provável que muitas outras pessoas que estivessem passando por aquela mesma situação também enfrentassem dificuldade para evacuar. Um problema que tem nome: estamos falando da “parcopresis”, ou síndrome do intestino tímido, caracterizada pela dificuldade do indivíduo de usar o banheiro, seja para urinar ou para defecar, em um lugar ou em um contexto em que não se sinta seguro. Embora não existam estudos amplos sobre o caso, algumas pesquisas indicam que o fenômeno é bastante comum, afetando entre 15% e 25% da população. 

Na capital mineira, bastou uma breve ronda para encontrar relatos semelhantes. “Dependendo do banheiro, a gente nem entra. Não dá, não. Realmente, são impróprios para o uso do ser humano”, admitiu o vigilante Edson Fraga, 60, dizendo que, nessas situações, prefere se segurar. A estudante de psicologia Maria Beatriz, 24, sofre do mesmo mal. “Tenho dificuldade de fazer minhas necessidades fora de casa. Principalmente banheiro público, porque é muito sujo. Eu já fico pensando nas possíveis doenças que eu possa adquirir. Até em banheiro de ônibus e avião é impossível para mim, até pelo fato de estar em movimento”, comenta, revelando que desenvolveu uma estratégia para lidar com a questão: “Antes de sair de casa, eu já marco a hora certinha, contada, para ir ao banheiro de novo só quando voltar”. Para quem não passa por isso, a situação chega a ser incompreensível. “Eu não tenho esse tipo de dificuldade. Simplesmente, quando dá a vontade, eu faço. Acho estranho quem não consegue, como a minha mãe, por exemplo, que, às vezes, tem que voltar para casa correndo para conseguir fazer”, diz o analista de sistemas André Augusto, 27. 

O médico Matheus Meyer, coloproctologista na Santa Casa da Misericórdia de Belo Horizonte (Santa Casa BH), explica que a questão não chega a configurar uma patologia mecânica. “Não existe, necessariamente, uma doença orgânica no intestino para isso ocorrer. Portanto, este é um problema psicossocial, sendo mais comum em pacientes mais ansiosos”, descreve. 

Além do receio do uso de sanitários sujos, como ilustram os relatos ouvidos pela reportagem, outros diversos fatores podem desencadear a parcopresis. Por exemplo, a pessoa pode se sentir constrangida, temendo ser motivo de chacota por causa do odor exalado pelas fezes ou pelo som das flatulências e, por isso, pode preferir não fazer cocô fora de casa ou mesmo quando está recebendo visitas. Algumas vezes, mesmo que tente, ela não consegue evacuar por estar tensa, de forma que não consegue alcançar um nível de relaxamento necessário para a liberação dos dejetos. 

“Especialmente em viagens, queixas relacionadas ao intestino tímido são muito comuns, porque uma série de elementos tende a contribuir para a ocorrência da síndrome”, destaca Meyer. “Nessas ocasiões, as pessoas costumam mudar a própria dieta alimentar, além de lidar com uma mudança em relação aos horários em que come. Tudo isso acaba piorando a situação”, expõe. O médico cita o relato de Abdiás Melo para descrever como o contexto pode piorar tudo. “Ele estava em um aeroporto, certamente comendo alimentos processados, que tendem a ser constipantes. E estava sob uma situação de estresse, ansioso para voltar para casa. Além disso, teria que usar uma cabine em um aeroporto, o que pode aumentar a sensação de constrangimento. Tudo isso, obviamente, vai deixar o quadro piorado”, informa. 

Origem 

“A síndrome pode ter origem ainda na infância, no caso de pais que ensinam seus filhos que o ato de evacuar é feio, sujo e errado. Esse tipo de formação pode provocar uma crença que vai afetar a pessoa na fase adulta”, aponta Matheus Meyer. Outras frases que tendem a contribuir para a questão são manifestações dos genitores ou de outros adultos sobre a resistência deles próprios de usar o banheiro fora de casa. “Caso daquelas conversas, que as crianças presenciam, em que as pessoas de referência falam que só vão usar o sanitário delas porque, hipoteticamente, os outros estarão sujos e são nojentos”, pontua. 

O coloproctologista alerta que a prática pode trazer diversos prejuízos. “Para começar, a pessoa vai sentir o desconforto abdominal. Além disso, precisamos lembrar que o intestino grosso tem função de retirar água das fezes. Então, se vai segurando, esses excrementos vão ficando mais duros, ressecados, o que pode desencadear outros problemas, como a fissura anal e a hemorroida”, diz, situando que, nesses casos, além da questão psicossocial, passa-se a ter que tratar também um distúrbio mecânico. 

Solução 

“Do ponto de vista de tratamento, inicialmente, o mais importante é explicar ao paciente que a evacuação é um processo fisiológico, normal e natural e que, portanto, não há motivo de vergonha. Mas, às vezes, apenas conversar sobre o assunto não resolve”, admite Matheus Meyer. “Então, além dessa abordagem, podemos dar algumas dicas, informando sobre a existência de neutralizantes de odores, por exemplo, que são portáteis e vão reduzir as chances de a pessoa ser exposta a um suposto constrangimento”, cita.  

“Também são válidas as recomendações de regularizar os horários dessa função fisiológica – apesar de o mais importante ser respeitar o reflexo do próprio intestino, ou seja, deu vontade, vá. Ter uma dieta balanceada, incluindo alimentos ricos em fibras, e se hidratar adequadamente também é fortemente indicado”, pontua, lembrando, ainda, que a prática de atividades físicas ajuda a regular o funcionamento do órgão. 

“No caso de o problema ser apenas a síndrome do intestino tímido, de origem psicossocial, não há indicação de uso de medicamentos. Isso porque essas pessoas têm vontade de ir ao banheiro, mas acabam não indo por outros motivos. Dessa forma, os laxantes vão só piorar tudo, pois o paciente terá uma forte vontade de evacuar, mas continuará lutando contra isso”, explica. Meyer pondera que a medicação só será necessária no caso de, além da parcopresis, o sujeito sofrer com algum tipo de constipação.