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Neurotecnologia ‘lê’ a mente e conecta cérebro

Equipamentos e softwares se fundem à máquina humana, criando sistemas que vão além dos benefícios na medicina

Por Da Redação
Publicado em 12 de fevereiro de 2017 | 03:00
 
 
Evolução tecnológica. Neurocientista David Putrino testa o dispositivo Brainwriter, que permite a qualquer pessoa com algum tipo de síndrome neuromuscular escrever e desenhar em um computador, utilizando rastreamento ocular e leitura de ondas cerebrais Foto: Not Impossible / Divulgação

Os cientistas já sabem que o cérebro é a máquina mais poderosa de que se tem conhecimento, por ser ele que comanda todo o corpo. Por isso, tantos esforços são aplicados para desvendar os mecanismos de atuação da mente humana. Mas uma das mais promissoras e futurísticas linhas de pesquisa vai além. Especula-se que estamos próximos de uma revolução em que a atividade cerebral irá fundir-se aos computadores e dominar também os aparelhos.

Nesse futuro – não tão distante – controlado pela mente, a neurotecnologia usa os sinais cerebrais para comandar próteses e cadeiras de rodas, fazer ligações e pilotar helicópteros e drones, entre outras atividades. O Brainwriter, criado pela startup norte-americana Not Impossible, por exemplo, permite a qualquer pessoa com algum tipo de síndrome neuromuscular escrever e desenhar em um computador, utilizando rastreamento ocular e leitura de ondas cerebrais. A empresa estima que o produto custaria US$ 400 (R$ 1.250) e pretende deixar o passo a passo de desenvolvimento do projeto com o código aberto – ou seja, livre para ser acessado e modificado.

Já em outra pesquisa, cientistas suíços desenvolveram uma interface não invasiva capaz de “ler” o pensamento de pessoas com paralisia, tornando a comunicação possível novamente. A técnica utiliza sensores elétricos colocados na superfície do couro cabeludo. Esses dispositivos leem os sinais do cérebro e os enviam para computadores que processam os códigos e realizam tarefas, como responder perguntas.

Nessa linha de “leitores da mente”, outro exemplo de iniciativas bem-sucedidas de interface cérebro-computador – do inglês Brain Computer Interface (BCI), que estabelece a comunicação por impulsos elétricos entre o cérebro e as máquinas eletrônicas – é o uso de implantes neurais e softwares sofisticados, o que levou pesquisadores a criarem, por exemplo, o implante coclear, um minúsculo dispositivo eletrônico inserido entre o ouvido e o cérebro, para recuperar a audição.

Já o professor de neurologia da Escola de Medicina da Universidade de Washington, Eric Leuthardt também vem pesquisando um implante neural colocado no córtex motor que faz o cérebro “falar” por meio do computador. O grupo de estudo já mostrou que é possível mexer o cursor da máquina quando a pessoa fala ou pensa em um som.

Promissor. Essas são apenas algumas das promessas da neurotecnologia, área que vem crescendo especialmente nos EUA, que teve uma onda de cerca de 1.600 pedidos de patentes de tecnologias ligadas à “leitura da mente” somente em 2014.

O curioso é que a base de todas essas novidades, segundo o físico Roberto Covolan, são exames já bem usuais na medicina, como o eletroencefalograma (EEG). Mas o salto nessa tecnologia se deu com a ressonância magnética.

Os avanços estão aparecendo em relação ao tamanho dos equipamentos, cada vez mais portáteis, e na forma de medir a atividade cerebral, seja por meio de laser infravermelho, campo magnético dos neurônios ou taxa de oxigênio. “São resultados ainda tímidos, mas que mostram o caminho das pedras para outros pesquisadores tentarem explorar”, diz.

De fato, essa ciência está só no começo. “Os cérebros se conectarão à internet em 2030. Nós transcenderemos nossas limitações”, afirmou o futurólogo Ray Kurzweil, diretor de engenharia do Google, durante uma conferência de Finanças Exponenciais, em Nova York, em 2015.

Congresso. O 4th BRAINN Congress será realizado pelo Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia, de 27 a 29 de março, na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, em Campinas. Outras informações: brainncongress.wixsite.com/2017.


Questão ética ainda é desafio

Nessa era da “internet do cérebro”, novos desafios surgem para que a tecnologia não viole a privacidade da mente das pessoas, uma vez que ao “mexer” com o cérebro estamos lidando com aquilo que as pessoas têm de mais humano e individual.

De acordo com o neurocientista Roberto Lent, da UFRJ, a neuroética, ou seja, “a interface entre a ética, a neurociência e as neurotecnologias”, já nasceu com muito trabalho pela frente.

Segundo o advogado especialista em direito da saúde Mário de Souza Aguirre, ainda não há qualquer regulamentação ou diretriz específica voltada para esse fim, mas todas as normas que balizam a medicina como um todo devem ser aplicadas da mesma forma para a neurociência.


Fonemas são usados para mover cursor

Diferentemente dos estudos que fizeram uso dos sinais de controle motor no cérebro – seja por meio do pensamento ou da vontade de se mover em uma determinada direção, e assim, medir os sinais mentais e gerar uma resposta –, uma pesquisa desenvolvida pelo professor de neurologia da Escola de Medicina da Universidade de Washington, Eric Leuthardt, utilizou discretas unidades da fala, os fonemas.

“Uma das principais características da resolução do sinal é ver as frequências mais altas da atividade cerebral. Essas frequências têm uma capacidade substancial de nos dar melhores percepções sobre as intenções cognitivas”, disse em entrevista à BBC.

Nas pesquisas, participaram quatro pacientes que já estavam sendo submetidos à eletrocorticografia – método usado para estabelecer a causa de convulsões epilépticas incuráveis. Eles foram convidados a pensar em quatro fonemas diferentes – “oo”, “ah”, “ee” e “eh” –, e seus sinais cerebrais foram gravados. Esses sinais de alta frequência foram usados para mover com segurança um cursor em uma tela de computador.

Ter um método cujas respostas são confiáveis é fundamental para uma interface cérebro-computador, e especialmente para alguém que está gravemente debilitado, diz Leuthardt. Dessa forma, sinais mesmo que discretos, como os de fonemas, poderiam ser amplamente aplicados, inclusive em aplicativos de celular.