Esotérico

O cérebro diante das crenças

Orientações da neurociência para os tempos inusitados que a humanidade vive

Por Da Redação
Publicado em 21 de julho de 2020 | 03:00
 
 
Graziella Fraccaroli/Divulgação Foto: Graziella Fraccaroli/Divulgação

Desde o início da pandemia e do isolamento social, os indivíduos têm encarado um momento desafiador. E, na esteira desse inusitado evento, a intolerância, o pavio curto, a polarização de opiniões. Cada um acredita que está com a razão. “Nossas certezas não são obrigatoriamente fundamentadas na razão. Temos a ilusão de que a razão é suficiente para a formação das crenças, mas precisamos muito mais de uma coerência emocional e sentimental para formá-las do que de algo racional”, sustenta Fabiano Moulin de Moraes, neurologista pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo e especialista em neurologia cognitiva e do comportamento. 

O que acontece, ele diz, é que na maioria das vezes as pessoas usam da racionalidade para justificar uma coerência que elas sentem. “Cuidado com suas certezas, elas são muito mais prejudiciais do que as dúvidas e presumem ignorância. Na verdade, quanto menos você sabe, mais certeza tem do que sabe. Os experts costumam ter muito menos certezas do que aqueles que acham que sabem, mas não sabem”.

A neurociência também explica como uma situação completamente atípica como a que estamos vivendo com a pandemia impacta o cérebro. “O estresse é tudo aquilo que é novidade para o cérebro, que tenta antecipar o mundo quando algo vai diferente do que ele espera, tirando-o do ambiente, do momento e do estado em que se encontrava anteriormente. Quando esse estresse está dentro da quantidade e da qualidade que o cérebro e o corpo conseguem se readequar, ele não só não faz mal, como nos ajuda. É assim que as pessoas ganham músculos na academia e aprendem”, explica o neurologista.

O problema, diz ele, é quando a mudança é maior do que o indivíduo dá conta ou imagina que dá conta. “É aí que acontece o estresse do mal. Claro que, por toda a imprevisibilidade que o vírus e o isolamento trouxeram, é natural que a gente não esteja confortável com essa situação e, de alguma forma, estamos estranhando”.

Moulin está certo de que haverá um “novo normal”. “Só que não sabemos como será. As máscaras serão mais comuns, e o toque será menos frequente. Espero que o respeito e a necessidade de uma coerência científica sejam maiores dentro da própria sociedade em busca de saídas universais para essas questões. Teremos que construir juntos este ‘novo normal’, mas naturalmente as coisas vão mudar,como os relacionamentos, com mais integração virtual e menos pessoal”, prevê.

O neurologista sustenta que o cérebro não distingue realidade de imaginação. “Quando o cérebro imagina, ele recruta a circuitaria de emoção. Quando eu reimagino o passado ou o futuro ou reinterpreto uma situação presente, essa distinção não acontece, e, portanto, a descarga afetiva, emocional existe. Temos que focar nossa atenção para que não desperdicemos emoções, tempo e o próprio funcionamento cerebral com cenários que nunca acontecem, pois acabamos sofrendo por antecipação”, ensina.

Moulin espera que a Covid-19 deixe como legado lições aprendidas. “Como em toda crise e apesar de todo o sofrimento de quem perdeu familiares, amigos, emprego, passou por dificuldade, eu espero que possamos olhar para trás e, enquanto ciência, ser mais ouvidos e, enquanto sociedade, perceber o que de verdade importa para todos nós e mudar a hierarquia de nossas prioridades de vida. Muitas vezes colocamos, hierarquicamente, coisas muito menos importantes lá em cima”, diz.

A jornalista Ana Elizabeth Diniz escreve neste espaço às terças-feiras. E-mail: anabethdiniz@gmail.com

A espiritualidade vai além dos conceitos

O neurologista Fabiano Moulin de Moraes é um defensor da meditação, com a ressalva de que a prática não é para todos, mas para quem consegue fazer. “Eu brinco que ela é a engenharia da mente, pois tem o poder e a competência de reorganizar o cérebro, tornando-o mais sincronizado, equilibrado, o que naturalmente quer dizer mais saudável e até mais feliz. A meditação já tem por trás uma ciência robusta, principalmente o mindfulness, a atenção plena, e já não existe mais um debate sobre isso. É fato que a meditação, quando bem feita, de forma regular e orientada, promove mudanças benéficas para o cérebro, mas, repito, não é para todo mundo”.

Teria a espiritualidade importância dentro da neurologia cognitiva e de comportamento para o equilíbrio do ser humano? “O benefício da religião e da espiritualidade vai além do tipo, do nome e do símbolo. Ele depende de duas coisas: das práticas comportamentais e mentais relacionas às crenças e à espiritualidade. Por exemplo, o que importa para uma pessoa que é religiosa não é o quanto ela acredita, mas se ela vai à missa e tem todos os benefícios inerentes ao agradecer, sociais, da integração e do abraço que acontece”, diz Moulin.

Para ele, “o que importa no fim das contas são os exercícios e as práticas diárias ou semanais inerentes aos costumes da espiritualidade e da religião. Não é o transcendental que faz a diferença, mas o físico, da nossa realidade, que é o que nós conseguimos quantificar”. (AED)

Os benefícios físicos e mentais da gratidão

A gratidão é muito mais do que parece. “Pessoas gratas têm pressão arterial menor, menos riscos de infarto e de acidente vascular cerebral. A gratidão libera hormônios como a oxitocina, que aumenta no cérebro o número de neurotransmissores relacionados à felicidade, tomada de decisões melhores e mais foco. Quanto mais grata é a pessoa, mais contente ela é com sua situação atual, porque ela não faz comparações com o passado nem fica ansiosa com o futuro. O aqui e agora é o único tempo mental que existe”, pontua o neurologista Fabiano Moulin de Moraes. (AED)