Mais conectados do que nunca e, ao mesmo tempo, buscando mais contato direto com a natureza e se dedicando a trabalhos manuais longe das telas. Inseguros quanto ao futuro econômico e climático, mas sem deixar que o medo contamine os momentos de celebração. Interessados, sim, em se aperfeiçoar, porém não a qualquer custo e desde que tudo ocorra no seu tempo – e, de preferência, de modo desacelerado. Essas são algumas das principais características do consumidor a partir de 2022 segundo relatórios da WGSN, uma das principais empresas no ramo de projeções de tendências do planeta.
E, até agora, as previsões parecem se confirmar dia após dia. “Quando fala como será o perfil de consumidores na década de 2020, a WGSN bate muito na tecla da conectividade. E é algo que, de fato, percebemos. Afinal, a partir da pandemia da Covid-19, muito do que se estava sendo desenvolvido, como soluções de teletrabalho, foi acelerado. Outras tendências de comportamento seguiram o mesmo rumo, como o contágio emocional digital – fenômeno no qual as pessoas imitam os sentimentos de quem está próximo, o que, na era da virtualidade, ocorre rapidamente e em escala global”, analisa Suzana Cohen, consultora e doutora em tendências.
Conectados
A aposta, neste momento, é que a virtualização, para além de alcançar as relações sociais, afetivas e de trabalho, ganhe tração também nas interações comerciais. Não que, hoje, o consumo de produtos por meio da internet já não seja significativo. No Brasil, por exemplo, o e-commerce corresponde a quase 12% do total de vendas do setor de varejo. Há, portanto, espaço para crescimento do setor, que deve ganhar impulso com o advento de novas tecnologias facilitadoras dessas transações. Detalhe: com essa expansão, há expectativa de uma descentralização da web, hoje dominada pelas gigantes da internet, concentradas no Vale do Silício, nos Estados Unidos.
“Em um relatório mais recente, em que uma série de tendências são apontadas, mas sem que nenhum tipo de análise seja feito, o WGSN fala em comércio por avatar, o que é muito interessante. É algo que tem a ver com esse papo do Meta, como passou a ser chamado o Facebook. Pelo que entendi, seria alguma coisa que vincula a realidade virtual e a realidade aumentada, uma coisa meio ‘Second Life’, mas elevada a uma potência mais moderna, permitindo misturar mundo real e virtual”, explica Suzana.
Ela cita duas evoluções que devem começar a ganhar expressão rapidamente. “Essencialmente, o que estão dizendo é que teremos um grande reforço comercial com essa inserção de uma realidade virtual aumentada, o que vai permitir que a gente use um trocador virtual para saber se o caimento daquela roupa fica bom em nós, se aqueles óculos combinam com nosso rosto. Isso tudo sem precisar ir a uma loja fisicamente”, pontua. “Outra coisa muito interessante é que grandes marcas têm lançado filtros em que você consegue comprar um acessório que só existe no mundo digital, uma tendência que veio com essa onda de desfiles virtuais”, completa.
Desacelerados
Paradoxalmente, a tendência de crescimento do digital vem acompanhada de um desejo de afastamento das telas. “Depois da cerâmica, dos pães artesanais, outra tendência é a confecção de tapetes e outros tecidos tufados em casa, o que, mais uma vez, reflete o desejo de colocar a mão na massa, experimentando o fazer manual”, diz. Suzana também lembra que, entre as tendências apontadas, algumas denotam o desejo de experienciar sensações que digitalmente não se pode ter. “Fala-se em uma crescente busca pelo Koji, um fungo japonês que aguça nosso paladar, permitindo que a gente note o umami, considerado o quinto tipo de sabor”, pontua.
“Além disso, embora tenha ficado mais do que provado que o teletrabalho funciona em muitas categorias, tanto que muitas empresas tradicionais adotaram esse regime, é mais provável que se opte por um sistema híbrido, porque muitas pessoas não desejam estar online o tempo todo. Além disso, para alguns, como pessoas com filhos pequenos, ter um espaço de trabalho desvinculado do lar tende a ser algo funcional”, opina.
E as mudanças no sistema de trabalho não param por aí. O relatório com projeções para a década de 2020 cita uma pesquisa da Henley Business School, do Reino Unido, que apontou que as empresas que adotaram uma semana laboral de quatro dias perceberam que 78% da equipe estava mais satisfeita, 70% menos estressada e 62% passou a faltar menos devido a doenças. “Estamos percebendo que aquele discurso que glamouriza o excesso de jornada, muito comum para a geração X e Y (isto é, nascidos em meados dos anos 60 até o final dos anos 90), está caindo por terra. O que vemos hoje é um movimento de desaceleração, em que se busca conciliar vida social e vida profissional, sem que uma tenha que ser prejudicada em detrimento da outra”, sinaliza a especialista em tendências.
Nesse sentido, o desejo de viver no interior, e não nas grandes capitais, também dialoga com esse desejo de se viver sob outra temporalidade. “O que também está associado com a economia circular, em que há a priorização do consumo local em vez de se comprar em grandes lojas varejistas. Esse é um comportamento que também deve se manter, sendo fortalecido por uma maior preocupação ecológica”, analisa.
Ecológicos
Aliás, a ecoansiedade, como é chamada a preocupação crônica com as consequências geradas pelo aquecimento global, também continua em alta. “Esse fenômeno desperta em nós o desejo de sermos sustentáveis, o que deve impulsionar a venda de produtos que não agridem tanto o meio ambiente. Um exemplo, no universo da moda, é o uso das fibras de linho, que são mais ecologicamente corretas do que as de fibra de algodão”, informa. Outro reflexo é a tentativa de se sentir mais integrado à natureza.
“Em termos arquitetônicos, está na moda ter árvores dentro de estabelecimentos, como restaurantes, e até dentro de casas e apartamentos. Tem a ver com a tendência de ter plantinhas, que agora evoluíram para arbustos. No fim, se mantém a valorização de áreas verdes, seja em imóveis comerciais ou residenciais”, assinala, completando que até o mercado de produtos de beleza deve ser afetado por essa demanda: “Já se fala em itens feitos a partir da fermentação natural, espécies de kombucha para a skin care”.
Outro aspecto que relaciona o desejo de contato com a natureza com uma fuga da sensação de enclausuramento, depois de a pandemia ter forçado momentos de reclusão, é o desejo cada vez mais potente de se realizar práticas esportivas ao ar livre, que segue crescente. “Ainda se falando da preocupação com o meio ambiente, uma das inovações mais curiosas são os itens de higiene que prescindem do uso de água. Estamos falando de shampoos e sabonetes para se usar a seco – o que percebo como uma evolução do álcool em gel”, cita. Mas Suzana pondera que essas tecnologias dificilmente devem ganhar aderência em países como o Brasil, em que há o hábito cultural do banho diário. “Vejo mais como uma solução para locais em que há pouca reserva de água ou para situações em que ficamos muito tempo sem acesso a banheiros, como em escalas de voos de mais de 24 horas”, opina.
Otimistas
Curiosamente, em um contexto de insegurança, o WGSN chama atenção para um tipo de comportamento de “otimismo”. “Eles falam de um tipo de consumidor que prioriza a celebração e o contato com amigos. Me parece que esta é uma resposta a essa conectividade extrema, mas não é só. Ocorre que, em um cenário de incertezas, quando temos dificuldade de fazer planos de curto prazo por não saber como estará a situação ecológica, financeira ou de saúde – uma vez que novas ondas da pandemia vêm sendo registradas periodicamente –, as pessoas parecem ter passado a valorizar mais os abraços e encontros, não desejando perder essas oportunidades”, sinaliza.
E, nos momentos de confraternização, a tendência é que, cada vez mais, uma bebida chinesa compareça às resenhas. “Como tivemos a moda do gin, agora teremos a moda do baijiu, um licor branco tradicional da China que vem ganhando o gosto popular”, reforça Suzana em uma análise feita a partir dos relatórios da WGSN.