Recentemente, uma pesquisa realizada no Reino Unido pela empresa de análise de dados YouGov revelou que opiniões polarizadas não se restringem à política e também aparecem quando o assunto é sexo oral e a própria definição de sexo. Dos 5.807 britânicos entrevistados entre 21 de janeiro e 14 de fevereiro deste ano, 45% consideram a estimulação oral do pênis como “sexo”, enquanto 41% não o consideram. Com relação à estimulação oral do clitóris, 44% consideram como “sexo” e 40% não o consideram. Esses resultados levantam a questão de como as pessoas definem sexo e se essa definição evoluiu ao longo do tempo.
“Confesso que esses dados até me surpreendem porque, em minha experiência clínica, percebo que a maioria das pessoas, quando questionadas sobre o que vem à mente quando pensam em sexo, descreve relacionamentos envolvendo penetração”, comenta o psicólogo e sexólogo Erick Paixão, acrescentando suspeitar que, se a pesquisa fosse realizada no Brasil, as conclusões seriam diferentes e mais pessoas responderiam que não considera a estimulação oral como sexo.
Ele lembra que, em geral, em muitas culturas, a penetração peniano-vaginal é considerada a definição clássica de relação sexual, mas esse conceito pode variar conforme as crenças culturais, religiosas e pessoais de cada indivíduo. Por exemplo, algumas pessoas podem restringir essa compreensão ao encontro entre homem e mulher cisgêneros que visa à procriação, categorizando todas as outras possibilidades como perversões.
No entanto, há também aqueles que entendem que o sexo oral envolve intimidade e contato sexual – elementos que fariam da prática uma forma de sexo. Para essas pessoas, esse conceito não é reduzido pela maneira como o ato é realizado, estando mais associado a fatores como a ocorrência de interação íntima e prazer mútuo. Esse grupo também argumenta que, em uma sociedade em transformação, seria excludente restringir a compreensão do sexo à penetração, delimitando o ato a uma condição heteronormativa – e, portanto, ignorando práticas eróticas de outras orientações sexuais.
Vale ressaltar que essa lógica, que considera a penetração uma condição para que haja o sexo propriamente dito, não se restringe a relacionamentos heterossexuais. Mesmo entre pessoas LGBTQIA+, esse pensamento é reproduzido, uma vez que a sociedade como um todo foi educada e socializada com base em premissas previstas pela heteronormatividade. Erick Paixão até lembra, por exemplo, que muitos homens gays têm dificuldade em aceitar uma definição mais aberta do sexo. Para eles, práticas como o “gouinage”, em que trocas eróticas não envolvem necessariamente a penetração, são consideradas insuficientes.
Na avaliação do sexólogo, essa compreensão limitante do sexo tem atravessamentos falocêntricos, o que contribui para a invisibilidade das experiências bissexuais e lésbicas e o apagamento das identidades trans. Assim, homens bissexuais são vistos como gays ainda “no armário” e homens trans e pessoas transmasculinas têm sua masculinidade posta em xeque, enquanto o sexo entre mulheres é reduzido a um fetiche e a feminilidade das mulheres trans e pessoas transfemininas é também questionada.
Precedente para a experimentação
Esse conjunto de fatores ajuda a explicar por que tantas pessoas entendem o sexo oral apenas como uma preliminar ou até como um agrado sexual. Para essas pessoas, a prática deveria naturalmente evoluir para a penetração anal ou vaginal, e, se isso não acontecer, o ato seria visto como uma brincadeira erótica, não como sexo em si.
Mas, curiosa e ironicamente, enquanto reflete um sistema que exclui as diversidades sexuais, Erick Paixão defende que essa compreensão da estimulação oral como uma atividade distinta do sexo pode se revelar um escape para explorar a própria sexualidade sem tantas neuras. Nessa terça-feira (14), por exemplo, o produtor musical norte-americano DJ Diplo, líder do Major Lazer, falou abertamente sobre ter tido experiências sexuais homoeróticas em uma entrevista ao podcast High Low, apresentado pela modelo Emily Ratajkowski. No bate-papo, ele ponderou que não se considera homossexual.
“Eu não quero definir como gay. A melhor resposta que eu tenho é que não, não sou gay”, disse ao ser questionado sobre a própria sexualidade. “Eu não me sinto tão atraído por homens, que eu saiba. Mas já recebi sexo oral de um homem antes”, admitiu, argumentando que, para ele, essa prática “não é tão gay”. Essa afirmação reflete o entendimento de que esse tipo de estimulação não pode ser encarado como sexo em si – assim como, para algumas pessoas, um selinho não é considerado um beijo ou uma forma de troca com conotação sexual. O produtor ainda argumentou que, atualmente, as pessoas do gênero masculino podem viver sua própria sexualidade de forma mais fluida e, por isso, prefere não se rotular.
Diplo revelou já ter recebido sexo oral de outro homem, mas afirmou não ser gay.
“Eu não acho que seja ‘gay’ se você não fizer contato visual enquanto o sexo oral estiver rolando”.
pic.twitter.com/YwEdNELV8f
Mas, mesmo que ele se rotulasse e ainda que se considerasse heterossexual, essa possibilidade não excluiria automaticamente a possibilidade de ele sentir desejo e de ter interações sexuais com outros homens. Afinal, como explica o psicólogo clínico Stefano Verza, especializado em questões LGBTQIA+, em um artigo para a revista “Vice”, que circula em países da América do Norte, como Estados Unidos e Canadá, os rótulos são descritivos, não prescritivos. Ou seja, eles descrevem a forma que a pessoa escolhe para definir sua sexualidade para si mesma e comunicá-la ao mundo, mas não preveem o que acontecerá na prática em sua vida. Uma pessoa hétero, homo ou bissexual pode optar pelo celibato sem que isso faça dela menos hétero, homo ou bissexual. Contudo, Verza pondera que, constituindo um processo de autoconhecimento, esses desejos e práticas podem, sim, fazer com que a pessoa questione e reformule a própria orientação sexual a longo prazo.
Enfim, se as definições do que é ou deixa de ser sexo mudam conforme as crenças individuais, sendo fortemente impactadas pela cultura em que a pessoa está inserida, regra mesmo é que, independentemente desses conceitos, é crucial que os indivíduos se sintam confortáveis, seguros com suas escolhas e compreendam que o consentimento mútuo e a proteção contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) são essenciais para uma experiência sexual segura e satisfatória.