Fabricio Carpinejar

Poeta escreve às sextas no Magazine e no Portal O Tempo

Berços das fotos

Publicado em: Dom, 13/12/20 - 03h00
Mineiro tem uma paixão por porta-retratos. Talvez não exista em nenhum outro Estado tamanha adoração por esse objeto. Há uma média de meia dúzia por habitante, formando um contingente de 126 milhões de molduras envidraçadas.  
 
É vendido mais do que quadro, sai igual a porcelana pintada e réplicas de santos.  
 
Não encontrará sala que não tenha ares de museu, com inúmeras paredes minúsculas levantadas pela memória e firmadas pelos cavaletes.  
 
Só não entra nos banheiros e na cozinha. No resto da residência, basta ter uma superfície lisa que ele é instalado, em fila indiana, como um exército de anjos, batendo continência para a saudade.  
 
E não é exposta apenas uma pose do familiar, porém de todas as principais fases de sua vida.  
 
Verá o filho na versão bebê de colo, no ensino fundamental, no ensino médio, na universidade, casado, com netos.  

Do casal, descobrirá fatos marcantes das últimas décadas, desde quando se conheceram até as viagens mais distantes.  
 
Expressam romances vivos, histórias em quadrinhos, animações sentimentais com intensos início e meio de um lar, longe do fim das gavetas.  
 
É um resumo biográfico, uma verdadeira linha cronológica do Facebook distribuída na estante ou na mesinha. Nem precisa perguntar quem é quem, a repetição das figurinhas se mostra didática.  
 
Privilegia-se a feição séria e concentrada, seguindo os ditames formais da identidade e da carteira de trabalho. Evitam-se caras e bocas, caretas e olhos fechados. Não se brinca com a eternidade do instante.  
 
As cenas escolhidas sequer conhecem o papel-vegetal dos álbuns, já nascem para a posteridade.  
 
Muitas vezes ouvi a minha esposa bater o olho numa imagem e eleger: essa vou expor! Passou por todos os filtros e exigências de sua parte.  
 
Se falta espaço, cava um cantinho impossível, assim como fazemos com os livros na biblioteca ao inventarmos linhas duplas.  
 
Vale muito mais do que uma postagem nas redes sociais, pois recebe uma redoma de proteção e segurança, dedicada a materiais raros da experiência.  
 
Unicamente os íntimos desfrutarão do acesso às galerias restritas. É o equivalente a uma gruta religiosa, improvisada nos cômodos mineiros, para louvar os eleitos do coração.  
 
Estar num porta-retrato significa que você é amado. Não há maior prova de afeição. Não depende mais de nenhum inventário.  
 
São evocações acessíveis ao suspiro da gratidão, berços embalados pela esperança, propícios ao toque, acarinhados pelas mãos.  
 
Há gente que tira a poeira semanalmente, como se fossem joias em estojo de veludo. Há gente que, tomada pelas pontadas da nostalgia, até beija o vidro. Há gente que não se roga de pedir bênção ao pai e à mãe por detrás das janelinhas.  
 
O porta-retratos é uma vela para sempre acesa, uma promessa de ternura que nunca derrete a sua cera ou esgota o seu pavio de lembranças.  
 
É pequeno, mas revela a grandeza dos nossos sentimentos. É barato, mas envolto em nossas emoções mais caras. É portátil, mas nunca é retirado de seu lugar.

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