Fabricio Carpinejar

Poeta escreve às sextas no Magazine e no Portal O Tempo

Fabrício Carpinejar

Desconto bem conversado

Publicado em: Dom, 21/07/19 - 03h00

Mineiro que não pede desconto não é mineiro. É uma força carinhosa do hábito. Ele não aceita o preço dado, vai tentar baixar. O produto pode estar em liquidação, pode estar com 50% de desconto, pode estar no saldo, mas ele vai tentar baixar mais um pouco. Sempre acredita que pode diminuir o total de uma compra. 

Não se trata de avareza ou sinal de mão fechada. A cultura não muda com a classe social. Atinge, sem exceção, milionário, rico, pobre, ferrado.

Negociar o preço é valorizar o serviço. Significa que ele reconhece a importância do vendedor, defende o papel de quem se encontra atrás do balcão. Incomoda com mais trabalho para mostrar que o comércio é uma atividade honrada.

Ele só compra depois de muito conversar, depois de muito entender, depois de muito discutir. Ele demonstra que gosta de algo ou alguém barganhando. A austeridade também é sinônimo de consciência do próprio salário. Não gasta a sua mão de obra à toa.

Dentro da alma do tropeiro, emerge um mascate astuto e vivaz.

Mineiro não arremata nada sem conviver antes. A aquisição será resultado da simpatia do atendimento. Aceita café, água, biscoito da loja. Não nega coisa alguma para observar melhor o tratamento recebido.

Quando saio com minha esposa, mineira, para o shopping, já sei que nunca será uma passeio rápido. É um leilão em cada vitrine. Ela para, aponta, compara, pergunta e propõe abatimentos compulsivamente, por pura curiosidade, ainda quando não é de seu interesse imediato. Porque pode precisar um dia.

Tanto que Minas é a terra do diminutivo. Até na hora de falar, de um jeitim bunitim, o mineiro usa abreviações.

Há a prática de cortar palavras ou juntá-las inesperadamente. É também resultado da mania de fazer economia.

Mineiro fala rápido para falar mais. Fala desesperadamente alegre para ganhar tempo. Não quer perder a ocasião. Como se todos fossem vendedores de frutas na rua gritando a doçura de seus corações.

Andava pelo centro, quando uma senhora me perguntou:

– Cêsá seesonspassSavas? 

Eu respondi, assustado, que não. Mas, na verdade, não tinha entendido nada. Depois, recorri ao Google Tradutor para decifrar o estranho pedido, que não era tão esquisito assim.

– Você sabe se esse ônibus passa na Savassi?

Némêzz! 

Mais fácil aprender mandarim. Nestas bandas, a dicção é um instrumento de longo aprendizado: ninguém nasce tocando. Depende de longas experiências de consumo.

“Você” é “cê”. “Bom” é “bão”. “Café” é “cafezin”. “Vamos embora” é “bora”. “Deus te abençoe” é “Dêsbensôi”. “Duvido que você faça” é “Duvideodó”. “Friagem” é “friagi”. ‘Agorinha mesmo” é “Górinhamêsm”. 

Outra manifestação do desconto assumido pelo mineiro é o gosto pelas feirinhas. Tudo que é festa popular tem feirinha. Tem feirinha em todos os domingos, por todos os bairros. A maior é a da Afonso Pena, conhecida como Feira Hippie, que interdita a avenida com 2.500 expositores. São objetos de decoração, artes plásticas, bijuterias, artesanato infantil, móveis, tapeçaria, jogos, vestuário e comidas típicas. É como frequentar um banquete de pechinchas. Dá para sair dali com um diploma de curso rápido de fiado. É uma universidade a céu aberto de relações locais. Você aprende na prática o que é a arte mineirês da persuasão: leve dois, pague um; leve três, pague dois; leve quatro, pague dois e meio. A aritmética da ternura convence qualquer um. 

O que parece pão-durice é tão somente um crocante e delicioso pão de queijo.

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