Opinião

Briga ou 'divórcio'

Com o fim das eleições, temos, então, dois Brasis

Por Vittorio Medioli
Publicado em 06 de novembro de 2022 | 13:10
 
 

O resultado das eleições presidenciais voltou a lançar sementes poderosas de distanciamento entre várias regiões e setores econômicos, ampliando o inconformismo dos que produzem muito e se consideram submissos à decisão de Estados mais distantes do centro da produção industrial. Há nítidas divergências de pensamentos, costumes e opiniões, agravadas pelas maciças transferências de renda entre Unidades da Federação. Separar, portanto, é avaliado por um ângulo como alternativa para se desfrutar de rendas regionais próprias que, no formato de hoje, dividem-se em nome da “equidade” nacional.  

Bolsonaro ganhou as eleições em quatro das regiões geográficas do “continente Brasil”, e Lula, em apenas uma. Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte, representando 86% do PIB e 74% da população nacional, escolheram majoritariamente Bolsonaro. O Nordeste escolheu Lula, com uma avalanche de votos que, no cômputo nacional, deu ao petista o título de vencedor. Fossem dois países diferentes, haveria dois presidentes, e cada um com as suas respectivas características. Agora, quatro regiões estão mais contrariadas do que felizes, e uma, apenas, em festa.  

Se analisarmos somente a Bahia, com uma diferença a favor de Lula de 3,7 milhões de votos, essa distância fica bem mais clara. Apenas esse Estado conseguiu inverter o resultado das eleições em todo o país. Bolsonaro vencia o pleito com 1,6 milhão de votos de vantagem, mas, quando entraram os votos baianos, Lula passou à frente e terminou a disputa com 2,1 milhões de votos a mais. Ressalte-se que apenas 7% dos eleitores brasileiros votam na Bahia e que, sem ela, Bolsonaro continuaria como presidente em 2023.  

Estados eminentemente “bolsonaristas” são economicamente mais pujantes, sendo aqueles que transferem para a União um volume de impostos até 15 vezes superior ao que recebem de volta, como é o caso de São Paulo, que recolheu, em 2021, mais de R$ 720 bilhões e recebeu de volta minguados R$ 47 bilhões. Nos Estados “lulistas” a situação se inverte. A Bahia recolheu R$ 23,4 bilhões e recebeu R$ 34,4 bilhões (R$ 11 bilhões de diferença entre o que entrou e o que saiu).  

A vitória de Lula se deu em todos os Estados que são altamente subsidiados, não repetindo o resultado em quase todos aqueles que subsidiam. Inapelavelmente, o confronto eleitoral separou essas duas vertentes: quem mais produz em contraposição aos que menos geram resultados para a economia. Situações de distanciamento econômico como essa já ocorreram em outros países continentais, como foi o caso da União Soviética, que acabou se fragmentando e quebrando o “federalismo”. 

Quem viveu esse fenômeno de perto assistiu à repetição da bíblica Torre de Babel, uma obra que desafiava as nuvens, mas que, em determinado momento de sua construção, gerou um desentendimento generalizado, que a inviabilizou por completo. 

Santa Catarina, bolsonarista ao extremo, é onde o movimento separatista já não é mais tão silencioso. Muitos naquele Estado não querem mais dividir suas rendas nem ser submetidos às decisões de outras regiões, com as quais, a cada dia, a distância socioeconômica e cultural se amplia e endurece. Evidentemente, quando quem paga a conta tem que se submeter às decisões diametralmente contrárias, as coisas começam a travar.  

Outro exemplo é o Centro-Oeste. Trata-se da fronteira onde o agronegócio explodiu. Por lá, caminhoneiros, que, mais do que qualquer categoria, transitam nas diversidades do Brasil e têm assim condições de avaliar costumes, modelos e modos de tocar a vida, continuam reagindo contra o PT, o eleito Lula e suas ideias.  

Com exceção do Nordeste, milhões de pessoas se aglomeram em frente aos quartéis do Exército procurando alternativas ao que não querem. Não se conformam, pois esperam viver em um Estado mais liberal do ponto de vista econômico e garantidor do que chamam de “ordem e do progresso”. O lulopetismo, no passado, fez a sua parte para que esse pessoal de verde e amarelo o rejeitasse.  

Com o fim das eleições, temos, então, dois Brasis. Um que produz mais e arrecada impostos, e outro, paradoxalmente mais carente, que vive das transferências. Dessa forma, a divisão territorial, por meio de um “divórcio consensual”, está com suas sementes se espalhando. É preciso avaliar se isso será “menos pior” do que a possibilidade de uma situação que possa caminhar para uma guerra civil. Dar a Lula o que é de Lula e a Bolsonaro o que é de Bolsonaro seguiria um antigo pensamento. O separatismo, presente em outros momentos da história brasileira, não seria, à primeira vista, a solução mais adequada, mas, nesse caso, a vontade popular, por meio de plebiscitos, seria talvez a única solução para resgatar a legitimidade ameaçada.