O que o senhor achou da decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de suspender a liminar de soltura que favorecia o ex-presidente Lula?
Acho que, para que seja efetivado o direito do presidente Lula de demonstrar perante o Supremo, com o apoio de seus advogados, que ele não cometeu nenhum ato de enriquecimento ilícito, o presidente Dias Toffoli, para ser consistente e mais justo, deveria antecipar a oportunidade de o presidente Lula ser julgado pelo STF, em vez de ter designado para abril. Assim, não teríamos apenas a decisão de um ministro, mas de um colegiado, de maneira mais completa e definitiva, para que Lula tenha a oportunidade de ser inocentado e estar definitivamente livre.
Como o senhor avalia a condução da operação Lava Jato? Os críticos a ela dizem que houve perseguição ao ex-presidente Lula e espetacularização da operação.
Sobretudo em relação à decisão sobre o presidente Lula – e esse é um parecer de alguns dos mais distinguidos juristas brasileiros –, ele (Sergio Moro) não apresentou provas contundentes com respeito aos fatos denunciados e a acusação foi em base de pressuposições, e não com provas concretas. Portanto, nesse caso, houve parcialidade, mas não que todo o trabalho tenha sido incorreto. Foi um trabalho sério, mas, nesse caso, houve parcialidade.
Qual deve ser o projeto do PT e da esquerda brasileira para fazer oposição ao governo de Jair Bolsonaro (PSL)?
Os partidos progressistas e a esquerda devem estar muito atentos a cada ato do governo Jair Bolsonaro. Ele, logo após a sua eleição, jurou por Deus e perante o povo cumprir a Constituição. Na Constituição, especialmente no artigo terceiro, estão explicitados os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: constituir uma sociedade justa, livre e solidária, garantir o desenvolvimento nacional e, o que eu enfatizo, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. O artigo quarto diz que é preciso promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O artigo quinto define os direitos de todos os brasileiros e brasileiras, inclusive estrangeiros residentes no Brasil, e leva muito em conta os direitos fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada pelo Brasil há 70 anos. Portanto, sempre que houver qualquer ofensa a tais objetivos fundamentais e aos direitos humanos, deveremos denunciar, apontando a gravidade do fato e sugerindo alternativas.
O PT e a esquerda subestimaram o antipetismo e a figura de Jair Bolsonaro?
Avalio que houve um fenômeno muito forte de utilização das redes sociais que, em parte, foi interessante, surpreendente e eficaz; mas teve outra parte não detectada pela Justiça Eleitoral, que foi ilegal, especialmente, nos últimos dias da campanha – falo que aconteceu comigo no Estado de São Paulo, semelhante ao que aconteceu com Dilma Rousseff em Minas Gerais. Nos três meses que antecederam a eleição, eu estava liderando as pesquisas de opinião, inclusive até a véspera da eleição. As informações que surgem é que, nos últimos dias da campanha, houve um impulsionamento extraordinário de mensagens com informações distorcidas atacando a minha pessoa. Os indícios são de que isso foi realizado sem o devido registro das despesas efetuadas pelos candidatos opositores.
Em 2018, o PT amargou as derrotas de Dilma Rousseff e Fernando Pimentel, candidatos ao Senado e ao governo de Minas, respectivamente. Fernando Haddad perdeu a Presidência, e o senhor não conseguiu se eleger para o Senado. Qual é a autocrítica que o PT deve fazer neste momento?
É muito importante que estejamos conscientes das razões que fizeram com que o PT sofresse ataques tão fortes nos meios de comunicação, nas redes sociais, referentes a problemas que, de fato, ocorreram, em especial a quebra da ética e desvio de recursos públicos. Cabe lembrar que, desde o início da fundação do partido, sempre tivemos a questão ética como fundamental, e, na medida em que surgiram práticas que contrariam tais princípios, isso prejudicou a imagem do PT. É da maior importância, portanto, que cada um de nós, representantes do partido, onde estivermos, seja no Poder Executivo em qualquer função, seja no Legislativo, dê o exemplo com práticas que não firam a ética.
O PT errou ao insistir na candidatura do ex-presidente Lula, mesmo ele estando preso em Curitiba desde abril?
Não, porque tínhamos a esperança até o último momento de que ele pudesse ser candidato, ainda mais porque ele estava à frente nas pesquisas de opinião e teria ganhado de qualquer um dos adversários, inclusive de Jair Bolsonaro, tanto no primeiro quanto no segundo turno. Houve a dificuldade de Fernando Haddad ter tido um tempo relativamente mais curto do que os adversários, mas ainda assim ele teve uma brilhante votação de 45% do eleitorado.
Durante a campanha, o rapper Mano Brown fez um discurso no sentido de que o PT havia perdido o diálogo com a periferia e com a classe trabalhadora. Integrantes do partido têm a mesma opinião. O senhor concorda?
Estou de pleno acordo com o Mano Brown. Sou amigo dele, e ele tem razão, precisamos estar sempre junto aos movimentos sociais. Quando o presidente Jair Bolsonaro e alguns de seus ministros fizeram declarações relativas à criminalização dos movimentos sociais, como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo, convidei cerca de 20 coordenadores de movimentos como MST, MTST, movimento em defesa das mulheres negras, da população LGBT. Eles vieram à audiência pública para justamente dizer que suas ações de manifestações estavam de acordo com os princípios constitucionais de livre manifestação, de luta pela moradia, pela reforma agrária.
Os casos de corrupção envolvendo o PT e figuras históricas do partido acabaram por contribuir para que esse distanciamento ocorresse de forma mais drástica?
Precisamos estar cientes de que esses episódios dificultaram a trajetória do partido. O PT é uma grande organização, que tem muitos méritos, contribuiu enormemente para dar voz e vez a tantos segmentos que nunca puderam influenciar as decisões de governo e foi responsável por instrumentos de políticas econômicas e sociais que, de 2003 para 2014, contribuíram significativamente para diminuir a pobreza extrema, as desigualdades, e isso é reconhecido por grande parte do povo brasileiro. Quando erros dessa natureza acontecem numa grande organização, é preciso estar atento para não fugir do objetivo ético, que sempre nos guiou. Há dois anos, o PT tinha 1,8 milhão de filiados; agora, temos cerca de 2,2 milhões. Se nessa grande organização há pessoas que cometeram erros graves, precisamos tomar as medidas para prevenir esses erros e, onde estivermos, temos de agir com toda transparência possível.
O senhor completou, em 2018, quatro décadas de vida pública. Aos 77 anos, já pensa na aposentadoria?
Enquanto Deus me der saúde, vou continuar a luta. Em janeiro, farei uma viagem para caminhar sete dias em direção a Santiago de Compostela, na Espanha. De lá, vou para Londres e Cambridge, porque fui convidado pela Universidade de Cambridge para participar de um importante simpósio internacional sobre a história da renda básica. Depois, vou para Nairobi, no Quênia, onde visitarei a experiência pioneira de renda básica que está sendo organizada por uma ONG formada por empresas do Vale do Silício, na Califórnia (EUA), dentre as quais o Facebook. A luta continua.