Em novo capítulo da crise institucional, o presidente Jair Bolsonaro acusou nesta segunda-feira, 16, o Congresso de usar o avanço do coronavírus para uma "luta pelo poder", chamou comandantes de Poderes de "esses caras" e insinuou haver uma articulação por seu impeachment ao dizer que "seria um golpe isolar chefe do Executivo por interesses não republicanos". O confronto público - um dia após Bolsonaro ignorar recomendação do próprio governo e participar de ato contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) - fez com que dirigentes do Legislativo e do Judiciário interpretassem suas atitudes como sinais de uma escalada autoritária.

A estratégia, no entanto, não é partir para o ataque, mas, sim, mostrar serviço para enfrentar a pandemia do coronavírus e apresentar projetos que possam tirar o País da recessão econômica. As reuniões que ocorreram ao longo do dia de ontem, foram, oficialmente, para tratar apenas do combate à doença, mas, nos bastidores, ultrapassaram essa fronteira.

Na avaliação da cúpula do Congresso e do Supremo, Bolsonaro estica a corda porque tenta transferir responsabilidades pelo prolongamento da crise, adota o discurso de que não o deixam governar e se isola cada vez mais no Palácio do Planalto.

Enquanto o presidente contraria a orientação para evitar aglomerações e parece distante de decisões relevantes do seu próprio governo, os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, recorrem a estratégias para amenizar o impacto dos problemas provocados não apenas pelo coronovírus, mas por uma série de declarações polêmicas de Bolsonaro. Até agora, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, atuou como uma espécie de "bombeiro" e tentou reconstruir pontes com o Planalto. Em conversas reservadas, porém, ele tem dito que essa atitude belicosa começa a passar dos limites.

Toffoli chamou ontem, por exemplo, uma reunião com Maia, Alcolumbre, Mandetta, o ministro do STF Luiz Fux - que será seu sucessor no comando da Corte a partir de setembro -, os presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, além do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do advogado-geral da União, André Mendonça.

Na prática, os chefes dos Poderes querem mostrar que não ficarão de braços cruzados diante do que classificam como atitudes até mesmo "irresponsáveis" por parte de Bolsonaro, como a de estimular manifestações em defesa de seu governo e contra o Congresso e o Judiciário, cumprimentar simpatizantes e tirar selfies com muitos deles em um momento de avanço do coronavírus. Bolsonaro está sendo monitorado pela equipe médica e, para evitar risco de contágio, passará por novo exame hoje - o primeiro teste detectou que ele não foi contaminado durante recente viagem aos Estados Unidos.

"Eu não vou viver preso no Palácio da Alvorada, por mais cinco dias, com problemas grandes para serem resolvidos no Brasil", disse o presidente, em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, da Rádio Bandeirantes. "Se afundar a economia, acaba o meu governo, acaba qualquer governo. É uma luta pelo poder. Estou há 15 meses calado, apanhando, agora vou falar. Está em jogo uma disputa política por parte desses caras (Maia e Alcolumbre)", completou.

Bolsonaro afirmou que Maia dirigiu a ele um "ataque frontal" ao chamá-lo de irresponsável. "Nunca o tratei dessa maneira. É um jogo. Desgastar, desgastar, desgastar. Tem gente que está em campanha até hoje para 2022 dando pancada em mim o tempo todo", insistiu o presidente, que sonha com a reeleição."

Piloto

Maia, por sua vez, afirmou que Bolsonaro precisa "assumir" a Presidência porque é o "piloto" do avião. "O que nós precisamos, em prol da sociedade brasileira, é esquecer nossas diferenças políticas, as nossas divergências, e olhar o problema do povo", declarou o deputado.

O presidente causou perplexidade ao decidir não participar, ontem, de uma videoconferência em que chefes de Estado da América do Sul discutiram medidas conjuntas para o enfrentamento da pandemia do coronavírus. Coube ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, representar o Brasil. Araújo também cumpre período de isolamento por ter participado da comitiva de Bolsonaro aos EUA. Para o presidente, no entanto, há uma "histeria" em torno do coronavírus.

Dias Toffoli evita falar de atos em favor do governo

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, reuniu ontem os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para discutir medidas de combate ao novo coronavírus. O encontro ocorre um dia após o presidente Jair Bolsonaro ignorar orientações médicas para participar de manifestação contra o Congresso e o Supremo.

Toffoli, ao fim do encontro, adotou um tom de pacificação e evitou comentar o episódio. "Essas manifestações não foram pauta da reunião de hoje (ontem)", disse o ministro.

O presidente do STF afirmou que o presidente da República foi representado pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. "O Executivo estava presente através do seu ministro da Saúde. O presidente Jair Bolsonaro está o tempo todo com o seu ministro da Saúde. Aliás, ele escolheu o ministro da Saúde, que é um excelente ministro, uma pessoa extremamente preparada. Houve impressão positiva por parte de todos."

Questionado se a participação de Bolsonaro em ato que pediu o fechamento do Congresso e do STF causou algum tipo de constrangimento, Toffoli repetiu que o assunto "não foi objeto da reunião". "Estou aqui para falar da reunião."

Segundo Toffoli, o Supremo deve manter sessões presidenciais, com restrições. Enquanto isso, a Corte também vai ampliar a atuação do plenário virtual. Ele disse que isso não prejudicará a participação dos advogados, da advocacia pública e privada e da Procuradoria-Geral da República.