Com reconhecimento global e considerada um “divisor de águas” na publicidade governamental, a Lei de Acesso à Informação tem propostas de mudanças no Congresso Nacional dez anos depois de entrar em vigor. Há pelo menos 23 projetos com sugestões de alterações, sendo dois deles com o objetivo de reformar de forma ampla a LAI. 

A primeira década da LAI será celebrada nesta segunda-feira (16). Apesar de ter sido assinada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e publicada em 18 de novembro de 2011, a lei só passou a ser aplicada seis meses depois. Antes disso, passou oito anos em debate até ser aprovada por deputados e senadores. 

Uma das principais sugestões cria o Instituto Nacional de Acesso à Informação para funcionar como um órgão de controle externo que fiscalizará o cumprimento da LAI. Proposto pelo deputado Roberto de Lucena (Republicanos-SP), o organismo deverá ter como função monitorar e solicitar esclarecimentos de autoridades sobre pedidos de informações negados e rever a classificação de informações sigilosas. 

Se for criado, o instituto será administrado por um presidente, mas a intenção é que a sociedade civil tenha participação direta na elaboração de respostas, hoje centralizada em integrantes das esferas públicas. Seis cidadãos, chamados de comissionados, terão mandatos de sete anos e salário equivalente ao de ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).  

Para funcionar, o órgão terá como fonte de receita, anualmente, 0,15% do valor total das dotações orçamentárias previstas no Orçamento da União. 

Outro objetivo é mudar a forma de acesso à informação para facilitar a compreensão por parte de quem solicita. “Até hoje, muitas vezes a informação está disposta de forma técnica, o que impede que o cidadão comum, mesmo tendo o acesso à informação, entenda e possa ter a condição de traduzir a informação que está disposta tecnicamente”, explicou Lucena. 

Partidos políticos e clubes de futebol podem ser obrigados ao sistema de prestação de contas

A proposta de Lucena também aumenta o alcance da lei que garante o acesso à informação aos partidos políticos. As legendas são abastecidas com recursos públicos dos FUNDOS, mas a prestação de contas não é detalhada à população. 

“Os partidos políticos recebem recursos públicos hoje de grande monta, com o fundão partidário e o fundão eleitoral. O fundo eleitoral, existe a prestação de contas à justiça eleitoral, mas o fundo partidário é muito genérico. Essa prestação de contas dos partidos precisa ser mais transparente e organizada”, defendeu. 

Autor do projeto original da LAI em 2003, o atual líder do PT na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (MG), planeja apresentar um complemento para modernizar a lei nesta semana, em meio aos eventos da primeira década do marco. Além de também pedir a inclusão dos partidos políticos, Lopes quer estender a obrigação aos clubes de futebol. 

A inclusão é bem-vista por estudiosos da pauta. Para a professora da Universidade de Brasília (UnB) e especialista na LAI, Elen Geraldes, eventuais transferências públicas para as associações esportivas podem mascarar esquemas criminosos de corrupção. 

“Às vezes a gente olha para o clube de futebol e fala que ele não é público. De fato. Mas imagine se você observar, agora com a guerra na Rússia, que vários times de futebol europeus tinham muito dinheiro de grandes oligarcas, de grandes empresários, dinheiro suspeito, com risco de lavagem de dinheiro. Então o clube de futebol também tem que ser passível de acesso à informação pública, assim como os partidos políticos”, defendeu Geraldes. 

As entidades políticas e esportivas irão entrar em proposta específica do líder do PT sobre a inclusão da transparência ativa, quando a informação é disponibilizada de forma direta no portal governamental, de qualquer contrato firmado entre entes públicos com empresas privadas, inclusive consultorias e ordens de serviço, e do terceiro setor.  

“Quero incluir tudo o que envolve o interesse nacional, recursos públicos e que tenha envolvimento com algum tratamento público, seja direto ou indireto”, afirmou. 

Outra tentativa do petista já apresentada na Câmara em 2016 foi a criação da Lei de Acesso à Informação na Segurança Pública. Lopes irá apresentar um requerimento de urgência para votar a proposta, que está pronta para ser analisada no plenário. Ele defende exigir a publicidade de dados como o currículo e a ideologia dos agentes de segurança, assim como detalhes sobre o número de disparos de arma de fogo, armas de choque, balas de borracha e bombas de efeito moral utilizadas na rotina profissional. 

A ideia do parlamentar é mudar a cultura dos agentes de segurança pública nacional e incluir o cidadão nos dados do setor. “Não era necessário existir uma LAI só para a segurança, mas é lamentável que o grande dado da segurança pública do Brasil é não ter dados”, ponderou Lopes. 

Outro incômodo visto pelo autor da LAI é o “abuso” em sigilos de processos judiciais. Apesar da crítica e de considerar uma pauta que precisa ser enfrentada, uma proposta de mudança a esse ponto ainda é avaliada pelo deputado e não tem previsão de ser oficializada na Câmara. 

“O Poder Judiciário decreta a bel-prazer o que está sob sigilo de justiça. O melhor desinfetante é a luz do dia, é a transparência. É evidente que não quero propor não ter sigilo, mas não dá para ter em todos os processos que são de interesse público. Eu acho que só cabe sigilo no processo investigativo, em como se dará a investigação. No resto do conteúdo, eu acho que não”, apontou. 

Frequente nos debates atuais, a imposição do sigilo em temas gerais será debatida. Atualmente, as informações podem ser classificadas como reservadas, secretas e ultrassecretas, com restrições que variam de cinco a 25 anos. Outro artigo da lei permite o sigilo de 100 anos a informações pessoais, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem.  

Lopes afirma querer afastar qualquer espécie de sigilo por risco político e suprimir o artigo que permite a restrição centenária excepcional por meio de proposta que também será protocolada nesta semana. “Queremos suprimir qualquer possibilidade semelhante. Não tem sentido nenhum um sigilo de 100 anos. Isso é loucura, é quase um sigilo eterno. Nada poderá passar de 25 anos”, opinou sobre outro projeto de lei que também será proposta nesta semana. 

O trecho que permite a restrição da informação por 100 anos pode ser confundido com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGDP) para justificar o sigilo centenário, de acordo com Geraldes. A alegação é a mesma que tem sido utilizada pelo Palácio do Planalto ao decretar a confidência. 

Ainda que haja o embaralho na interpretação das leis, a especialista não vê embasamento na justificativa. “Hoje, um grande impacto que a LAI tem que vencer é o fato de que pedidos têm sido recusados, negados, com base na LGPD, alegando-se que tais informações expõem pessoas e por isso, o governo não faz o acesso à informação. A LAI é um direito constitucional e a sua transparência não fere a integridade e os direitos pessoais”, apontou Geraldes. 

A professora da UnB explicou que basta incluir um artigo sobre integridade na LAI para solucionar confusão jurídica com a LGPD ou talvez propor, via lei, um limite entre as duas, “ou então estaremos sob o risco de nós diminuímos muito o acesso à informação”. 

Outros aperfeiçoamentos são colocados por Geraldes, mas ainda não existem em projetos legislativos. Entre eles, incentivar o treinamento contrínuo de servidores que tratam das informações divulgadas e o uso da LAI nas escolas por meio de oficinas e seminários “para que as pessoas possam ser informadas na ideia de que elas podem verificar o que o poder público faz e melhorá-lo”.  

Além disso, regular o acesso à informação em estados e municípios e nos órgãos que têm funções legislativas e judiciárias que, na avaliação dela, “são menos cobrados do que o Poder Executivo”. “É importante que a LAI seja uma política do Estado brasileiro, independentemente de qualquer governo”, reforçou. 

Outro problema apontado pela professora é a falta de divulgação à população. “A LAI brasileira é uma das melhores do mundo, avaliada em âmbito brilhante, mas uma parcela significativa da população brasileira não sabe como acessá-la e não sabe para que acessá-la”, ressaltou. 

LAI trouxe transparência como regra, avalia autor 

Mesmo com ponderações, o autor da LAI avalia que a lei se tornou o melhor instrumento de cidadania, adicionando o acesso à informação como um bem e um direito humano do cidadão, além de reverter a cultura de que manter a obscuridade de dados públicos como regra. “Hoje, a regra é a transparência e o sigilo é uma exceção”, destacou Reginaldo Lopes. 

“A LAI ‘pegou’. Não há nenhum processo de investigação, não há uma CPI, não há nada, nenhuma apuração, que se inicia falando ‘a partir da LAI’, então é um instrumento permanente e importante para a democracia brasileira. Ela colocou o Brasil no rol das democracias contemporâneas”, concluiu Lopes. 

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