Pedro Amorim, 17, fala em estabilidade financeira e em servir à pátria. Um emprego seguro também motiva Eduarda Nicolau, 20, a seguir o sonho que nasceu pelo fascínio com a farda quando criança.

Thiago Pimenta, 19, nunca imaginou seguir uma profissão diferente da do pai, militar da reserva, e mantém o desejo após ouvir em casa que, na carreira, "não ficaria rico, mas também não seria pobre".

Eles estudam para tentar ingressar na EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército), entrada para a Aman (Academia das Agulhas Negras). Essa é a escola responsável pela formação dos oficiais do Exército que podem alcançar o generalato.

Foi lá que se formaram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em 1977, e todos os oficiais que ocupam cargos políticos no governo.

A estabilidade financeira e a vocação militar são os principais motivos dos jovens que decidem disputar um dos concursos mais concorridos do país. Em 2020, foram 40.545 inscritos na prova da EsPCEx, para 440 vagas. A relação candidato-vaga para homens era 77 e, para mulheres, 244.

A elite do Exército tem origem principalmente em famílias de classe média, segundo dados divulgados em tese de doutorado do coronel Denis de Miranda pela PUC-RJ em 2018. Embora em queda, o número de filhos de militares que ingressam na Aman segue alto: eram 44% em 2017, tendo chegado a 60% em 1993.

O conservadorismo é um traço marcante entre os jovens que buscam o oficialato, segundo professores de cursos preparatórios para o exame. Por esses cursos passaram 78% dos aprovados na EsPCEx em 2016, segundo dados do estudo de Miranda.

"Notamos que a grande maioria é de direita. Esses que já vêm com o sonho de ser militar têm a questão da disciplina, de saber que vão entrar numa hierarquia", afirma Gustavo Klauck, coordenador da Academia Pré-Militar.

Ele diz ter alunos de esquerda. "Tem de esquerda, mas não se manifesta muito porque tem um objetivo. Não vai bater de frente. Quer estabilidade, ser funcionário público e não demonstra muito isso."

Sobrinha de policiais militares, Eduarda se formou no ensino médio em colégio destinado a parentes de integrantes da corporação no Rio.

"Uma coisa que me move é não ficar aqui. Ir para o sertão, ir para o meio da mata, conhecer o país. Uma coisa que me tocou muito no ano passado foi a questão das queimadas. Eu vi o papel das Forças Armadas nisso [combate aos incêndios]", afirma ela.

Pedro se declara um jovem de direita que discorda "de 70% do presidente Bolsonaro". Diz querer vivenciar a disciplina e a vibração do Exército.

Para pesquisadores, os desejos que movem os jovens que buscam a elite do Exército podem até perdurar, mas os valores que carregam da família e dos amigos serão substituídos após a formação.

"O jovem, quando entra no Exército, ainda está com a roupagem civil. Ele vai ser submetido ao que se chama de uma instituição total. Vai aos poucos deixando os valores da vida familiar, através de rituais e de ensinos e convivência com os mais velhos. Vai aprendendo e internalizando os valores da instituição", diz o sociólogo Eduardo Raposo, da PUC-RJ.

Pesquisa de mestrado feita em 2012 pelo coronel Miranda sob orientação de Raposo, a partir de questionário enviado aos oficiais do Exército (571 responderam integralmente), mostra valores que predominam no comando.

Os principais são organização, disciplina e obediência. O questionário, porém, indica outros valores que vão além da doutrina mais conhecida da Força terrestre.

Miranda, por exemplo, questionou se os oficiais concordavam com a afirmação de que a política deveria ser mantida fora dos quartéis. Apenas 14,5% concordaram com a frase "não cabe mais nenhuma participação de militares na política do país". A afirmação com maior adesão foi "cabe ao Exército agir, mesmo que politicamente, quando a pátria estiver em perigo".

"Essa atuação [política] é parte da história. Desde a proclamação da República, o movimento tenentista [nas primeiras décadas do século 20] e o golpe de 1964", afirma a cientista social Ana Penido.
Para ela, é na Aman que os oficiais aprendem o que se chama de "poder de tutela" do Exército sobre a sociedade civil. "A primeira dinâmica é 'nós e eles'. Depois vem o 'nós melhores que eles'. A terceira dimensão é 'nós, melhores que eles, temos a responsabilidade de levar para eles como esse país tem que funcionar'. Pega os valores internos da caserna e extrapola para a política. É o que estamos vivendo neste momento."

Questionário conduzido por Raposo com oficiais em 2017 mostrou que 93,4% deles concordavam com a frase "o eleitor brasileiro não sabe votar".

Para especialistas, a transmissão desses valores que extrapolam o ensino militar não ocorre primordialmente dentro das salas da Aman, mas na convivência intensa e exclusiva que os cadetes têm com o ambiente dos quartéis. O regime da academia é de internato por quatro anos –precedido de outro na EsPCEx.

O cientista político Maurício Santoro lecionou relações internacionais na Aman, entre 2008 e 2018, para cadetes e oficiais instrutores. Afirma que a "bolha da Aman" é uma queixa mesmo entre os cadetes.

"Não é uma ideologia que está no currículo. O que promove essa transferência de visão de mundo, a memória da ditadura, é a convivência dos cadetes com os oficiais mais velhos. Os cadetes falavam muito da bolha da Aman. Se achavam muito isolados da sociedade civil", afirma ele.

Em nota, o Centro de Comunicação do Exército defendeu o regime de internato e afirmou que o modelo não isola os cadetes da Aman. "(...) [O regime] se faz necessário pela peculiaridade inerente à profissão militar (...)", diz a nota.

O centro não comentou diretamente de que forma o ensino da Aman "ajuda a perpetuar ou alterar a imagem da força entre oficiais de que é legítima alguma atuação política do Exército.

Para Santoro, o isolamento da academia militar é reforçado pelos limites etários e sociais sobre quem pode ser cadete. Só podem prestar concurso para EsPCEx jovens de 17 a 21 anos, sem filhos e solteiros.

Até 1990, mais de 80% dos cadetes tinham feito o ensino médio em instituições militares –as vagas destinadas ao público em geral eram reduzidas. Atualmente, estão abertas aos jovens que cumprem os requisitos de idade.

Especialistas defendem ampliar mais a convivência dos cadetes com o mundo civil, autorizando-os a cursar disciplinas ou se formar em universidades civis e transformando a Aman numa especialização militar de um ou dois anos.

Dados do questionário feito pelo coronel Miranda mostram que é na Aman que 44% dos oficiais afirmam ter incorporado os valores militares, enquanto apenas 3,5% dizem que isso ocorreu depois de formados. A família (33%) e o Colégio Militar (18%), fases anteriores à academia, são as outras duas opções mais citadas.

A Aman atual se tornou a "fábrica de oficiais" do Exército em 1951. Está situada em Resende (RJ), a 170 km do Rio.

Desde 2012, os jovens cursam um ano de preparação na EsPCEx, em Campinas (SP), e ganham a vaga na Aman caso atinjam uma nota mínima.

Os cadetes estudam ciências militares, exatas e humanas ao longo de cinco anos. Após o primeiro ano na Aman, eles definem as especializações que irão cursar, o que vai definir toda a progressão da futura carreira no Exército.

O curso confere diploma de graduação em ciências militares. Os professores são em maioria oficiais do Exército, embora a academia venha abrindo espaço para civis.

A mais recente mudança estrutural foi o ingresso de cadetes mulheres. As primeiras oficiais formadas na Aman concluem o curso este ano.

"Às vezes as pessoas têm a ideia de que as Forças Armadas estão paradas no tempo. Não é assim. Elas estão dialogando com as mudanças sociais. Talvez adotem essas mudanças de forma mais lenta. As coisas vão mais devagar, mas essas mudanças chegam lá", afirma Santoro.

O currículo do curso é definido pelo próprio Exército, sem interferência do Ministério da Educação, prerrogativa garantida às Forças Armadas pela Lei de Diretrizes e Bases. Santoro defende uma mudança na autonomia das Forças Armadas sobre o currículo completo na formação de seus oficiais. "Eu mudaria isso. Seria uma garantia de currículo mais modernizado."

Eduardo Raposo, porém, vê dificuldades nessa alteração.
"Meter a mão no currículo do Exército é uma coisa perigosa. Quem vai mudar o currículo do Exército? Um governo de direita ou um governo de esquerda?", afirma o cientista social da PUC-RJ.

Inscrição para concurso militar cresce com desemprego em alta

A evolução no número de inscritos nos principais concursos do Exército mostra forte correlação com a alta do desemprego no Brasil.

As inscrições para a EsPCEx (Escola de Preparação dos Cadetes do Exército) e para a ESA (Escola de Sargento das Armas) deram um salto em 2016, quando o percentual de pessoas desocupadas ultrapassou a barreira dos 10%, segundo dados do IBGE. A taxa terminou 2020 em 14,2%.

O ano de 2016 coincide com a permissão para que mulheres concorram nessas provas. Mas, mesmo excluindo as inscrições femininas, é possível verificar um forte aumento.

A EsPCEx teve 17.633 jovens inscritos em 2015 e 29.771 no ano seguinte, dos quais 22.064 homens. Foram mais de 40 mil entre 2017 e 2020.

Na ESA, em 2001, foram 113 mil homens disputando 1.480 vagas. O número caiu para 37.055 em 2006 e voltou a subir em 2019, para 118 mil interessados –85 mil para o concurso exclusivo masculino.
"Quando a gente entra em crise, a procura aumenta bastante. Os jovens procuram a estabilidade, bom salário, fora os benefícios", diz Leonardo Chucrute, coordenador do curso preparatório Aprovação Virtual. Estudar no Exército garante de imediato uma ajuda de custo.
Na EsPCEx e na ESA, a ajuda é de R$ 1.199. O curso de um ano na EsPCEx é a porta de entrada para a Aman, onde o jovem recebe soldo de R$ 1.334 até se tornar um oficial, com salário inicial na casa dos R$ 6.000.

A internet contribui para a procura, diz Gustavo Klauck, coordenador da Academia Pré-Militar, outro curso preparatório: "Tenho alunos até em aldeias indígenas". Seu foca no ensino a distância.

O alistamento militar obrigatório é também um meio de entrada. Alan Amaral, 28, que há dez anos não tinha planos de estudo ou trabalho, viu no Exército uma oportunidade.

"Acho que muita gente entra por isso. Começa a ganhar seu dinheiro com 17 e 18 anos, tem uma independência. Alguns têm um sonho, mas a maioria entra por isso", disse ele.

Hoje, um recruta recebe soldo de R$ 1.078. Amaral foi selecionado para a Brigada Paraquedista e trabalhou um ano e meio na ocupação do Complexo do Alemão, no Rio.

Ficou três anos no Exército. Deixou a Força por decisão própria, cursou administração e hoje estuda gestão financeira enquanto trabalha como corretor de imóveis.

"Absorve coisas ruins do militarismo, mas o amadurecimento também é tremendo. É muita disciplina. Não pode chegar cinco minutos atrasado, não pode estar com a cara de ontem, indisposto. Amadurece bastante", diz.

O recruta selecionado no alistamento obrigatório pode permanecer por até oito anos no Exército. Mas pode ser dispensado por indisponibilidade de vagas.

Matheus Mendes, 23, dispensado três anos após se alistar, estuda para a prova da ESA para retornar aos quartéis.

"Sempre gostei por causa da disciplina, assistindo vídeos no YouTube. Achava muito maneiro as formaturas", diz ele, morador de Japeri, região metropolitana do Rio.

Filho de doméstica e autônomo, vê no Exército uma oportunidade de carreira estável, mais que entre os civis.