Uma delação feita à Polícia Civil denuncia um esquema de fraude nos serviços funerários de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, que contava com a anuência do prefeito da cidade, Alex de Freitas (sem partido). O assunto, inclusive, passou a integrar um pedido de impeachment do prefeito feito à Câmara da cidade e veio a público após o vereador oposicionista Daniel do Irineu (PP) divulgar as informações em um site. De acordo com o relato do delator, Alex chegava a receber até R$ 60 mil por mês de propina para manter exclusividade a uma empresa na preparação e entrega de corpos no município. Segundo ele, o contrato era firmado em regime de urgência, sem licitação. Apesar de haver uma tabela de preços, a empresa cobrava valores muito mais altos de familiares e seguradoras.

Em seu depoimento, o delator R. C. N. M. (o nome do denunciante foi preservado por conta do risco de represálias) conta que, após ser contratado para fazer uma auditoria na antiga funerária que atuava em Contagem, ele acabou auxiliando um dos sócios ocultos dessa empresa a adquirir outra funerária para tomar a exclusividade dos serviços na cidade. Ele afirma que conseguiram intermediar junto à prefeitura para que houvesse a dispensa de licitação, e a nova empresa, a Emitra, foi a escolhida, em março de 2017, para assumir de forma emergencial os serviços funerários de Contagem.

R. C. N. M., que confirmou à reportagem o teor da delação, conta que a empresa começou a superfaturar os preços cobrados dos familiares e das seguradoras em valores muito acima do que previa a tabela estipulada pelo município. Segundo ele, a tabela não era divulgada nem afixada em nenhum local. Essa falta de informação, somada ao momento de dor dos familiares, fazia com que as pessoas pagassem os valores sem questionamentos.

Com essa prática, o serviço, que deveria ser uma política social da cidade, com preços subsidiados, teria se transformado em uma grande fonte de lucro. Um processo no Ministério Público de Contagem apontou que os valores cobrados chegavam a ser 700% mais altos que o estipulado. Enquanto a preparação do corpo deveria custar R$ 85,02, as notas fiscais emitidas pela empresa mostravam o valor de R$ 699. Já uma urna que deveria custar R$ 280 era vendida por R$ 815.

R. C. N. M. conta no depoimento que as seguradoras também eram obrigadas a pagar os preços cobrados para não haver demora na entrega dos corpos. o que poderia gerar reclamação dos familiares.

Segundo o delator, todo o esquema só era possível porque havia uma proteção de agentes públicos e do próprio prefeito Alex de Freitas, que conheciam as irregularidades. Na delação, ele afirma que o sócio da empresa participava de happy hours em restaurantes com representantes da prefeitura e, em algumas ocasiões, até mesmo o prefeito estava presente. Ele revelou que a única preocupação dos gestores era evitar uma reclamação em massa dos moradores, para que o esquema não fosse descoberto e virasse um escândalo.

Como contrapartida, esses gestores e o prefeito Alex de Freitas recebiam, segundo ele, propinas mensais, pagas em espécie, de acordo com a denúncia. No depoimento, R. C. N. M. conta que o mínimo já entregue a Alex foi R$ 30 mil, e o máximo, R$ 60 mil. “Que o dinheiro para Alexis (Alex) era sempre entregue a mão”, diz o documento da delação. R.C.N.M. afirma que as cédulas ficavam dentro de envelope e que Alex de Freitas fazia questão de contá-las. A delação foi realizada na Polícia Civil, mas ainda precisa ser validada pela Justiça. 

Pressão

Segundo a denúncia, além de cobrar preços muito maiores que o estipulado pela tabela, a funerária pressionava os servidores da saúde do município para evitar qualquer tipo de contratação de serviços de outras funerárias. Segundo o delator R. C. N. M., os sócios da empresa conseguiram até demitir alguns funcionários.

No documento da delação firmada junto à Polícia Civil, o delator afirma que a empresa cobrava das unidades de saúde dados como o número de pessoas que morreram na cidade e, por diversas vezes, tinha o pedido negado, o que gerou insatisfação dos donos da funerária. R. C. N. M. diz que o sócio da empresa chegava a reclamar com os gestores municipais e que um funcionário do Samu que atua na cidade foi demitido por causa dessa queixa. 

Segundo o delator, saber a quantidade de mortes em Contagem era importante para saber o potencial do negócio e evitar que outras funerárias burlassem a exclusividade de atuação da empresa em Contagem. Ele afirma também que o sócio da empresa fez o levantamento da quantidade de pessoas com planos funerários em Contagem.

Prefeito repudia denúncia

O prefeito de Contagem, Alex de Freitas (sem partido), repudiou a denúncia feita na delação premiada e afirmou que ela não tem nenhum fundamento. 

“A acusação é mentirosa e sem nenhuma prova. Causa estranheza uma proposta de colaboração premiada, sem a devida anuência do Ministério Público e vazada antes mesmo da eventual validação pelo Judiciário. O prefeito Alex de Freitas vai tomar todas as medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis para defender a sua honra e provar sua inocência”, afirmou a assessoria do prefeito, por meio de nota. 

A delação envolvendo as fraudes na prestação de serviços funerários de Contagem que teriam gerado o pagamento de propina para Alex de Freitas está contida no pedido de impeachment do prefeito, apresentado na Câmara Municipal da cidade.