Investigação da Polícia Federal (PF) aponta que integrantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e os generais Luiz Eduardo Ramos (ministro da Secretaria Geral da Presidência da República) e Augusto Heleno (ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) participaram, desde 2019, de ofensivas para buscar informações contra as urnas eletrônicas.
A investigação teve início após o presidente Jair Bolsonaro (PL) realizar, em 29 de julho de 2021, uma live em que compartilhou informações falsas e fez uma série de ataques ao sistema eleitoral brasileiro. A conspiração é alimentada por bolsonaristas nas redes sociais. Relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a apuração faz parte do inquérito das milícias digitais.
As informações sobre o inquérito da PF que apontam a participação direta de Ramos e Heleno, com o uso das instituições públicas para buscar informações contra as urnas eletrônicas, foram reveladas em reportagem da Folha de São Paulo publicada nesta terça-feira (10).
Bolsonaro fez reunião com técnico em eletrônica para tratar de suposta fraude nas eleição de Dilma
Uma das informações divulgadas por Bolsonaro durante a transmissão ao vivo que deu início à investigação foi a de que houve suspeita de fraude na eleição de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) foi eleita. O presidente usou como prova uma planilha simplória elaborada pelo técnico em eletrônica Marcelo Abrileri.
Em depoimento à PF, após a acusação de Bolsonaro, Abrieli relatou como foi procurado ainda no primeiro ano de governo, em 2019, pelo general Luiz Eduardo Ramos, para convidá-lo a participar de uma reunião com Bolsonaro no Planalto.
"No final de 2019, o general Ramos entrou em contato, por telefone, com o declarante para agendar uma reunião no Palácio do Planalto com o presidente Bolsonaro. Que a reunião teria como tema indícios de fraude nas urnas eletrônicas e que o declarante falaria sobre as informações descobertas em 2014 sobre as eleições", disse Abrieli no depoimento, revelado pela Folha.
De acordo com a versão dada por Abrieli, além de Ramos e Bolsonaro, participaram da reunião de aproximadamente uma hora de duração cerca de oito pessoas.
O técnico em eletrônica disse à PF que relatou suas descobertas sobre a possível fraude no pleito de 2014 e que as outras pessoas também apresentaram informações sobre possíveis falhas nas urnas.
Questionado pela PF sobre quais informações seriam essas, Abrieli disse não se recordar do conteúdo das apresentações, mas afirmou "saber informar que tudo girava sobre o mesmo tema, ou seja, possível fraude das urnas eletrônicas".
Ainda em seu depoimento, o técnico em eletrônica afirmou que, entre junho e julho de 2021, foi novamente procurado pelo general Ramos. Segundo ele, o contato foi feito quando Bolsonaro estava junto com o general e a ligação foi colocada no viva voz.
"Durante essa conversa foi avisado que estavam reunindo várias informações sobre possível fraude nas urnas eletrônicas. O general Ramos pediu para o declarante falar um pouco sobre as informações que descobriu", disse Abrieli à PF.
Logo após a conversa, segundo Abrieli, outro militar, o coronel Eduardo Gomes da Silva, responsável por apresentar as suspeitas de fraudes na live, entrou em contato com o argumento de que estava trabalhando com Ramos "na coletânea das informações" sobre as urnas.
Além de Ramos, Augusto Heleno, e, por consequência, a Abin, também atuou para obter desinformação contra as urnas.
Perito da PF identificou que Abin busca informações sobre urnas eletrônicas desde 2019
No mesmo inquérito, o perito criminal da PF Ivo Peixinho, especialista em crimes cibernéticos e responsável por testes nas urnas eletrônicas, disse que, entre 2019 e 2020, o governo federal, por meio da Abin, buscou informações sobre a segurança no sistema eleitoral brasileiro.
O perito conta que "em 2019 ou 2020" a Abin, sob o comando de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro e chefiado por Heleno, enviou uma consulta "sobre informações sobre ocorrências ou atividades envolvendo urnas eletrônicas nas eleições".
Segundo ele, nessa ocasião, produziu um relatório com todas as atividades da PF sobre o tema e os relatórios de análise no código fonte das urnas e testes públicos do TSE.
Embora não apontasse para nenhuma possibilidade de fraude, o material produzido nos testes por Peixinho e outros peritos da PF foi usado na live presidencial pelo ministro Anderson Torres (Justiça).
Delegada conclui que Abin quis desacreditar urnas, em mais uma ação das milícias digitais
Ao concluir a apuração, a delegada Denisse Ribeiro entendeu que a busca por informações para desacreditar o sistema eleitoral é mais um evento relacionado à organização criminosa investigada no inquérito das milícias digitais.
Segundo a delegada, a live presidencial foi realizada com o "nítido propósito de desinformar e de levar parcelas da população a erro quanto à lisura do sistema de votação" e "alimenta teorias que promovem fortalecimento dos laços que unem seguidores de determinada ideologia dita conservadora".
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