NA SEXTA

Viagem de Lula aos EUA marca discussão bilateral sobre democracia

Presidente da República viaja ao país nesta quinta-feira (9) e terá agenda cheia

Por Manuel Marçal e Gabriela Oliva
Publicado em 08 de fevereiro de 2023 | 21:20
 
 
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley Foto: Ricardo Stuckert

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), chega a Washington, nos Estados Unidos, nesta quinta-feira (9), com o desafio de retomar as relações bilaterais, que ficaram estremecidas entre o presidente norte-americano, Joe Biden, e o ex-mandatário brasileiro Jair Bolsonaro (PL). 

A visita aos EUA será a primeira viagem de Lula ao país após voltar à Presidência da República. O petista já visitou a Argentina e o Uruguai.  

"O principal elemento a destacar dessa visita é seu caráter político, a simbologia de ocorrer logo no início do mandato do presidente Lula", afirmou o embaixador Michel Arslanian Neto, secretário para a América Latina e o Caribe do Ministério das Relações Exteriores.  

O diplomata considera fundamental a “interação” entre os dois líderes na Casa Branca, e lembrou que Lula e Biden já se falaram anteriormente por telefone: em 2022, em 30 de outubro (segundo turno das eleições) e em 9 de janeiro, dia seguintes às invasões aos prédios dos Três Poderes.  

Arslanian lembrou que após a vitória de Lula nas urnas, Biden ligou para fazer o convite da visita. "É uma oportunidade para um encontro entre os dois líderes, para ter um contato pessoal, importante para dar um impulso e uma direção à relação”.   

Para o coordenador do curso de Relações Internacionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), José Niemeyer, durante as gestões Trump e Bolsonaro, as duas nações quebraram a tradição de agendas de estado para fazer o que chamou de “bilateralismo a todo custo” marcado por “uma agenda de governo e agenda ideológica muito próximas”. 

“Essa viagem de Lula pode retomar isso: uma diplomacia de Estado. O presidente Biden, não necessariamente tem uma agenda ideológica próxima do governo Lula. Eles podem, em alguns pontos, se aproximarem e terem divergências”.  

Diante disso, o encontro entre os dois líderes representa uma afinidade na luta contra o avanço da extrema-direita nos dois países e no mundo. 

O embaixador Michel Arslanian Neto ressaltou que Brasil e Estados Unidos estão experimentando desafios semelhantes. A invasão ao Capitólio por ‘trumpistas’ radicais no dia 6 de janeiro de 2021 e a invasão aos prédios dos Três poderes em 2023, no Brasil. “Há uma preocupação comum com o tema da radicalização, da violência política, do uso das redes para difusão de desinformação e discurso de ódio”. 

Lula já adiantou nesta semana que quer debater com Biden, e demais líderes mundiais, uma forma de regular e responsabilizar as redes sociais para impedir a difusão de ódio e crimes pela internet.  

“Este é um debate que está no mundo, não está só no Brasil. Quero conversar com o Biden sobre isso, vou propor o assunto no G20, para a gente definir como fazer essa coisa democrática, extraordinária, que são as plataformas de internet e as redes sociais, virar uma coisa realmente boa”, disse o presidente. 

O petista também já declarou que irá propor a Biden uma unidade do progressismo democrático no mundo para combater o avanço do facismo e  que vai conversar com o líder americano sobre o crescimento da extrema-direita. 

Bate e volta

Embora fique três dias fora do Brasil, a viagem de Lula será breve, uma vez que ele chega ao país nesta quinta, mas só na sexta-feira (10) terá agendas mais intensas. No sábado (11), a comitiva presidencial volta ao Brasil ainda na parte da manhã. 

Nesta sexta-feira, Lula se encontra com o presidente Joe Biden na Casa Branca às 17h30 (horário de Brasília). Mais cedo, o petista se encontrará com o senador Bernie Sanders, parlamentares de esquerda do partido Democratas e sindicalistas.  

O petista estará acompanhado dos ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores), Fernando Haddad (Fazenda), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudanças Climáticas), Anielle Franco (Igualdade Racial), do Assessor Especial embaixador Celso Amorim, do secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento Econômico e Comércio, Marcio Elias Rosa, e do senador Jaques Wagner. 

Ministros com agendas indepedentes 

A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) já adiantou que vai se reunir com alta filantropia globais nos Estados Unidos para discutir o financiamento do Fundo Amazônia e buscar aporte para o ministério dos Povos Originários

Anielle Franco (Igualdade Racial) visitará na manhã de sexta o Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana e, no início da tarde, terá reunião com a Representante Especial de Estado para Justiça e Igualdade Racial do Departamento de Estado dos EUA, Desirée Cormier Smith.  

Fernando Haddad (Economia) vai companhar Lula e não deve ter outros compromissos. 

Simbologia

Cientista Política formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e mestranda em Economia Política Internacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Beatriz Andrade analisa a escolha dos EUA como um dos primeiros países a serem visitados por Lula.

"Esse ato representa uma mudança central na retomada do diálogo, especialmente, em temas de direitos humanos, ambientais, climáticos - visando a captação de recursos para iniciativas como o Fundo Amazônia. Ainda, em relação às questões de paz e segurança, Lula tem buscado se apresentar como mediador do conflito entre Rússia e Ucrânia, propondo, inclusive, a criação de um “grupo da paz” para pôr fim à guerra que perdura a mais de 300 dias", declarou.

No entanto, a cientista política destaca que Lula precisa ter cuidado considerando "as tensões e o momento atual das relações dos Estados Unidos com a Venezuela, a Rússia, Cuba, e, sobretudo, a China - principal parceiro comercial e investidor do Brasil".

Parceiros comerciais 

Assim como Beatriz Andrade, outros especialistas também ressaltam que os Estados Unidos são um dos principais parceiros comerciais do Brasil, assim como a China. Segundo dados do governo federal, na área de Comércio Exterior, o país apresenta uma trajetória de crescimento de importação e exportação nos últimos anos.  

A advogada especializada em direito internacional, Glória Caixeta, destaca: “No último governo (2018 - 2022), segundo dados oficiais do portal ComexStat, o Brasil importou e exportou dos EUA o valor de 147 bilhões de dólares, comparados com 128 bilhões de dólares do governo Dilma (2016- 2018). Com a visita do Presidente Lula aos EUA, espera-se que a economia bilateral se mantenha em crescimento como mostram os dados do último governo”, 

Na mesma linha, José Niemeyer lembrou que os EUA são grandes importadores do Brasil de produtos semi-industrializados e agrícolas, e que muitas empresas americanas investem no país.  

“É uma viagem internacional de peso. Por mais que hoje, no sistema internacional, exista uma impressão de que os EUA estão perdendo poder relativo (para a China), é muito importante que o Brasil continue como um aliado preferencial dos Estados Unidos”. 

Imigração em pauta 

O professor de Relações Internacionais do IBMEC estima que um dos temas a serem tratados na agenda entre os dois países é imigração de brasileiros. Para Niemeyer, essa é uma questão “sensível” uma vez que muitas pessoas deixam o Brasil em busca de melhores oportunidades no outro lado do continente.  

“É preciso também se perceber algumas questões mais particulares, como, por exemplo, Lula vai tratar de um assunto que parece mais específico e mais importante, que é a questão dos vistos de brasileiros que querem imigrar para os Estados Unidos. Essa é uma questão sempre sensível, porque há um fluxo muito grande de imigrantes que querem viver nos Estados Unidos, seja como estudante, seja criando negócios”.  

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