Aval judicial

Ministério Público comemora decisão sobre dados fiscais, mas adota cautela

Com a autorização, as investigações sobre Flávio Bolsonaro, que foram suspensas na sexta-feira (29), podem ser retomadas

Por Folhapress
Publicado em 01 de dezembro de 2019 | 22:08
 
 

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de autorizar que órgãos de controle compartilhem com o Ministério Público dados bancários e fiscais sem necessidade de aval judicial prévio foi comemorada por procuradores e promotores, mas eles adotam cautela à espera do fim do julgamento, marcado para a próxima quarta-feira (4).

É quando será fixada a tese que sintetizará o que foi julgado e passará a nortear a atuação da Receita e do antigo Coaf - rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira) - e também dos órgãos de investigação criminal.

Até lá, permanecem suspensas investigações que foram paralisadas desde julho por causa de uma decisão liminar (provisória) do presidente do STF, Dias Toffoli.

A apreensão maior é com o que a tese do STF dirá em relação à UIF, apesar de procuradores e promotores entenderem que o resultado da votação de quinta-feira (28) já significa que todo o sistema de repasse de dados foi validado tal como funcionava.

"O conhecimento que tenho é que estamos todos aguardando o final do julgamento antes de retomar as apurações, porque são muitas pequenas questões que têm que ser examinadas caso a caso. A nossa expectativa é que as investigações que foram suspensas voltem a tramitar", diz o presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), Victor Hugo Azevedo.

Na mesma linha, pessoas envolvidas numa investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) que foi suspensa afirmaram na sexta (29) que os votos proferidos já autorizam o reinício da investigação. Contudo, pretendiam aguardar a fixação da tese, na quarta que vem.

A investigação começou com um relatório da UIF que apontou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão nas contas do ex-assessor Fabrício Queiroz, levando à suspeita da prática de "rachadinha" – apropriação de salários de servidores – no antigo gabinete de Flávio na Assembleia do Rio.

Quando suspendeu todas as investigações e ações penais do país que usaram dados de órgãos de controle sem ordem judicial prévia, Toffoli atendeu a um pedido da defesa de Flávio. A liminar foi revogada pelo plenário do Supremo na última quinta.

No dia seguinte, o ministro Gilmar Mendes, que tinha dado a decisão que efetivamente paralisava o caso concreto de Flávio, tomando como base a liminar de Toffoli, revogou sua determinação para liberar a apuração.

No julgamento da semana passada, os ministros votaram de formas distintas em relação à Receita e à UIF.

A situação ficou mais clara quanto à Receita. Por 9 votos, de um total de 11, o Fisco poderá continuar compartilhando com o Ministério Público e a polícia suas representações fiscais para fins penais (RFFPs), incluindo íntegras de declaração de Imposto de Renda e extratos bancários.

Votaram assim os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Toffoli votou inicialmente por restringir o compartilhamento total, proibindo a entrega de declarações de Imposto de Renda e extratos bancários, mas mudou de posição para integrar a maioria.

Já os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello foram os mais restritivos nesse ponto, proibindo qualquer compartilhamento sem aval da Justiça em respeito ao direito constitucional à privacidade.

Com o recuo para ficar no grupo vencedor, Toffoli, relator do processo, se manteve como o responsável por redigir o acórdão do julgamento, ou seja, elaborar o texto sobre o que foi decidido no plenário. Quanto à UIF, a expectativa é que a situação fique clara com a definição da tese final. Só então será possível analisar o impacto definitivo do julgamento nos casos que usaram dados da unidade de inteligência.

Apenas Toffoli e Gilmar fizeram ressalvas ao procedimento de envio dos relatórios de inteligência financeira (RIFs) pela UIF. Eles enfatizaram que os RIFs não podem ser feitos "por encomenda" do Ministério Público e da polícia a não ser quando já houver investigação formal ou tiver havido um alerta anterior da UIF sobre o alvo. Também afirmaram que há casos concretos em que o Ministério Público pediu à UIF informações por meios não oficiais, como email – o que ambos destacaram ser vedado.

Os demais ministros, diferentemente, não se debruçaram sobre as ressalvas expressas por Toffoli e Gilmar ou nem sequer abordaram em seus votos o tema da UIF (Marco Aurélio e Lewadowski).

As ressalvas feitas à atuação do órgão de inteligência têm semelhanças com os argumentos da defesa de Flávio Bolsonaro, que sustentou ao STF que o Ministério Público do Rio pediu informações sobre ele diretamente à UIF, inclusive com comunicações por email. O MP-RJ nega irregularidades. O fato de que Toffoli redigirá o acórdão é um dos motivos para que, segundo pessoas ligadas à investigação sobre Flávio, seja adotada cautela na retomada do caso.

Para Azevedo, da Conamp, dependendo da redação da decisão final, "é possível que volte a ter algum tipo de empecilho para a livre tramitação dos relatórios da UIF – por isso é prudente esperar". Ele não comentou nenhuma investigação específica.

"Na medida em que se colocam empecilhos, isso vai repercutir negativamente na atuação que o Ministério Público tem pretendido fazer nos graves crimes de lavagem de dinheiro. Agora, não dá para dizer que isso vai decorrer efetivamente da decisão tomada no plenário porque me pareceu que não foi essa a inclinação da maioria", disse.

O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), Fábio George Cruz da Nóbrega, concorda. "É preciso de fato aguardar a tese para que se possa fazer a análise, embora tenha ficado muito claro que o sistema ficou validado."

"Não muda nada o fato de a informação ser disseminada de forma espontânea para a Polícia Federal e o Ministério Público ou se isso veio de uma via inversa, de uma comunicação desses órgãos de persecução para que a UIF pudesse analisar e fazer o encaminhamento do RIF. A checagem que a UIF faz e os parâmetros para que encaminhe o relatório são os mesmos", disse.

Para Nóbrega, a votação no STF "atendeu completamente às expectativas do Ministério Público Federal".

Na avaliação de Azevedo, o resultado no plenário no Supremo "reverteu uma tendência" de derrotas recentes. "O tribunal vem periodicamente emitindo algumas decisões que criavam mais embaraços para a atuação do Ministério Público, e essa, de uma certa forma, reconhece que a tramitação que vinha sendo dada pelos órgãos de investigação estava adequada".

Entenda o julgamento do Supremo

O que decidiu o STF?

Por nove votos, os ministros decidiram que a Receita pode continuar compartilhando com o Ministério Público e a polícia suas representações fiscais para fins penais (RFFPs), incluindo íntegras de declaração de Imposto de Renda e extratos bancários.

Também foi derrubada a liminar de Toffoli que suspendia mais de 900 investigações em todo o país que envolvem compartilhamento de dados bancários detalhados por órgãos de controle (como Receita e UIF) sem autorização da Justiça.

E quanto ao compartilhamento de dados pela UIF? Houve decisão?

O julgamento foi interrom-pido antes que se chegasse a uma conclusão final sobre a possibilidade de estender o entendimento à UIF (antigo Coaf).

Nova sessão está marcada para a próxima quarta-feira (4), quando será debatida uma tese para nortear a atuação dos órgãos de controle (Receita, UIF e Banco Central) quanto ao compartilhamento de dados sigilosos.

Por que o resultado, ainda que parcial, pode ser considerado uma derrota para Toffoli?

Para além da revogação da liminar (algo que o próprio Toffoli voltou atrás e defendeu em seu voto), o ministro não conseguiu convencer seus pares a estabelecer regras que restringissem o compartilhamento de dados por Receita e UIF.

Apenas Gilmar Mendes abraçou a tese da UIF, mas quatro ministros defenderam que o tema nem deveria ser abordado. Isso porque o caso concreto que estava sendo analisado tratava apenas da Receita, sem menções ao antigo Coaf.

Como a UIF foi parar na discussão?

Toffoli resolveu incluir a UIF ao aceitar pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e suspender, em julho, investigações a nível nacional, incluindo a que envolve o senador.

O pedido se deu no âmbito de um recurso que já tramitava na corte, mas que tratava apenas da atuação da Receita Federal.

O caso de Flávio Bolsonado, contudo, envolve relatórios do antigo Coaf.