Contas Públicas

Tesouro projeta disparada da dívida pública por causa de combate ao coronavírus

Índice de 90% do PIB seria inédito na história do país, aponta economista

Qua, 22/04/20 - 14h00

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Projeções feitas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) mostram que o enfrentamento ao novo coronavírus impactará as contas públicas com a queda na arrecadação devido à diminuição da atividade econômica por causa do distanciamento social e a disparada da dívida pública por causa do aumento de gastos do governo federal.

Os cálculos constam do anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2021, espécie de guia para a elaboração do orçamento.

De acordo com o documento, em um cenário que considera extremo, a STN projeta que a  dívida pública pode crescer 6,4 pontos percentuais e chegar a 90,9% do PIB. A previsão é que isto aconteça se o PIB cair 3% este ano e o déficit primário for de R$ 634 bilhões. 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta retração de 5,3% do PIB no Brasil em 2020, patamar semelhante aos 5% projetados pelo Banco Mundial.

No início de abril, o governo federal revisou a previsão do déficit para R$ 419,2 bilhões. No entanto, o valor pode ser maior de acordo com o tamanho do impacto fiscal de projetos que tramitam no Congresso, como a recomposição da perda de arrecadação dos estados. 

“O que a gente sabe é que o Brasil nunca teve uma dívida desse tamanho. Nós estamos caminhando em um terreno desconhecido”, afirma o diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), Josué Pellegrini.

Para ele, a principal questão é se o mercado financeiro vai conseguir absorver uma grande quantidade de títulos públicos, usados pelo governo para se financiar, sem cobrar juros elevados.

A PEC do Orçamento de Guerra, que precisa ser aprovada novamente pela Câmara, dá ao Banco Central a possibilidade de comprar títulos públicos no mercado. Esta ferramenta seria importante, segundo Pellegrini, pois daria fôlego financeiro para que os agentes econômicos comprassem mais títulos públicos, reduzindo a pressão pelo aumento de juros.

“Se o mercado entender que existe clareza de cenário, que haverá um impacto grande sobre a dívida neste momento devido ao combate ao novo coronavírus neste, mas que depois serão tomadas providências para que a dívida se estabilize e comece a cair mais para frente, a capacidade de absorção (de títulos públicos) é uma”, explica o economista. “O problema vai ser se as coisas caminharem mais para o final do ano e para o ano que vem e o mercado perceber que não há uma preocupação grande em garantir a sustentabilidade da dívida”, completa Pellegrini.

Para o professor do Departamento de Economia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Michel Souza, a dívida pública alcançar 90% do PIB seria preocupante em uma situação normal, mas diante da calamidade pública, a prioridade é outra.

“O momento exige que nós salvemos vidas primeiro para depois olharmos o lado econômico”, disse. Para ele, a melhor alternativa para financiar as ações de transferência de renda e de socorro à economia é o aumento da dívida pública.

“A gente tem uma decisão que é o seguinte: de um lado, podemos aumentar a dívida pública e sufocar as contas do governo. Pelo outro, a gente poderia emitir dinheiro, o que desregularia o câmbio e deixaria a inflação fora de controle. O que a história econômica mostra, na minha visão, é que é muito mais difícil lidar com inflação e câmbio desregulados do que tentar fazer reformas para controlar a parte fiscal”, afirma Souza.

Queda na arrecadação

Outra previsão feita pela Secretaria de Tesouro Nacional é a queda de R$ 45 bilhões este ano e de R$ 48 bilhões em 2021 na arrecadação dos impostos administrados pela Receita Federal, como o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados. A projeção leva em consideração uma queda de 4,5 pontos percentuais no PIB real, ou seja, a variação do PIB sem levar em conta os efeitos da inflação.

“Isso é completamente incerto porque não depende da economia e sim do comportamento do vírus e da resposta das autoridades. Ninguém sabe quanto tempo vai durar a necessidade de isolamento”, afirma Josué Pellegrini.

O professor Michel Souza também ressalta que é difícil prever o tamanho da queda de arrecadação porque o número depende diretamente de quando o distanciamento social vai acabar. Ele explica, porém, que deve haver uma queda no consumo.

“A princípio, nós temos um choque de oferta. As pessoas param de produzir e a economia para de fornecer esses bens”, explica Souza.

“No entanto, em um segundo momento, ocorre um choque de demanda também. Se os bens começam a ser produzidos em quantidade menor porque a renda das pessoas cai, já que vão ficar desempregadas, e consequentemente gastam menos, o consumo cai junto”, afirma o professor da UFVJM.

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