A lei Magnitsky foi invocada nesta quarta-feira (30) pelo Conselho de Direitos Humanos dos Estados Unidos em relação ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Morais. A legislação foi inspirada pelo caso do advogado tributário russo, Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção envolvendo autoridades russas, foi preso e morreu sob custódia do governo russo.
Criada nos Estados Unidos durante o governo de Barack Obama, em 2012, três anos após a morte do advogado russo, a lei autoriza o país a impor sanções a estrangeiros envolvidos em corrupção ou violação grave dos direitos humanos. As punições, aplicadas através da Secretaria do Tesouro e da Secretaria de Estado, incluem o bloqueio de bens e contas nos EUA, além da proibição de entrada no país.
Quem foi Sergei Magnitsky
Nascido em Odessa, na Ucrânia, Sergei Magnistky era um consultor fiscal. Especializado na área de tributação, ele foi contratado pelo Hermitage Capital Management, fundo de investimentos criado pelo americano William Browder e o brasileiro Edmond Safra, que morreu em 1999.
Em 2007, a polícia russa confiscou documentos do fundo durante disputas judiciais no país, o que levou a que o advogado descobrisse que criminosos haviam transferido fraudulentamente a propriedade de três subsidiárias do fundo. Segundo informações do jornal inglês "The Independent", esses novos "proprietários" alegaram débitos fiscais e obtiveram um reembolso indevido de US$ 230 milhões dos cofres públicos russos.
No ano seguinte, Magnitsky testemunhou formalmente perante promotores russos sobre o esquema descoberto e concedeu entrevista à revista "Businessweek". Dias depois, foi preso pelas mesmas autoridades que havia implicado no esquema de corrupção. Na cadeia, ele foi espancado por guardas prisionais e teria enfrentado sérios problemas de saúde, mas teve tratamento médico negado.
Magnistky morreu sob custódia do governo russo, em 2009, uma semana antes do fim do prazo de um ano que permitia que ele fosse mantido na prisão sem julgamento. O advogado tinha 37 anos.
Morte de Magnistky
À época, o Conselho de Direitos Humanos da Rússia investigou o caso e produziu um relatório oficial que foi posteriormente citado na Lei Magnitsky dos EUA. O texto afirma que a prisão do advogado foi realizada de forma ilegal e destaca o fato de a investigação ser conduzida pelas mesmas pessoas que Magnitsky acusou de roubar empresas do Hermitage Fund.
"O Conselho concluiu que a prisão e a detenção de Sergei Magnitsky foram ilegais; que ele foi privado de acesso à justiça pelos tribunais e procuradores da Federação Russa; (...) que foi privado de cuidados médicos necessários enquanto estava sob custódia; que foi espancado por 8 guardas com cassetetes de borracha no último dia de sua vida; e que a equipe médica chamada para atendê-lo enquanto ele morria foi deliberadamente mantida do lado de fora de sua cela por uma hora e dezoito minutos, até que ele estivesse morto."
A investigação apontou que autoridades falsificaram informações relacionadas ao caso. Após 18 meses da morte de Magnitsky, ninguém havia sido responsabilizado por sua prisão ilegal ou pelas denúncias sobre o esquema de corrupção.
Conclusões legais
As autoridades russas arquivaram em 2012 o primeiro processo contra a médica-chefe da prisão onde Magnitsky faleceu. Um tribunal de Moscou considerou, em 2013, que o advogado era culpado postumamente por sonegação fiscal.
Na mesma decisão judicial, William Browder, fundador do Hermitage Capital Management banido da Rússia desde 2005, foi considerado culpado à revelia. Ele foi acusado de sonegar US$ 17 milhões em impostos e recebeu sentença de nove anos de prisão.
Dezesseis pessoas foram alvo de sanções pela lei americana em 2013, apontadas como relacionadas à morte de Magnitsky.
O que é a Lei Magnitsky e como funciona
Criada nos Estados Unidos em 2012, a Lei Magnitsky autoriza o país, por meio da Secretaria do Tesouro e da Secretaria de Estado, a impor sanções a estrangeiros envolvidos em corrupção ou violação grave dos direitos humanos. As punições incluem o bloqueio de bens e contas nos EUA e a proibição de entrada no país.
Para que a lei seja aplicada, o Departamento de Estado e a Office of Foreign Assets Control (OFAC) analisam evidências dos atos citados na legislação. Segundo Daniel Toledo, advogado especializado em Direito Internacional, a decisão não depende de condenação judicial prévia.
"As sanções podem ser impostas com base em relatórios de ONGs, organizações internacionais, órgãos de imprensa, testemunhos e documentos públicos. O padrão de prova exigido é inferior ao de um processo judicial — trata-se de uma análise executiva e discricionária. Contudo, a decisão exige uma fundamentação plausível e documentação que sustente a alegação", explica Toledo.
Os impactos das sanções podem se estender além dos Estados Unidos. "No exterior, bancos e empresas que operam em dólar ou têm vínculos com o sistema financeiro americano tendem a seguir as sanções por receio de penalidades secundárias da OFAC. Assim, um brasileiro sancionado pode ter contas congeladas em outros países — inclusive no Brasil — caso instituições financeiras locais optem por cooperar com os EUA", afirma o especialista.
Cidadãos brasileiros atingidos pela lei podem recorrer por meio de pedido administrativo de revisão ao Departamento do Tesouro dos EUA, contratar advogados americanos para apresentar argumentos formais contra as penalidades ou buscar apoio diplomático do governo brasileiro para pressionar pela revisão das sanções.
Com informações de Juliana Siqueira.