Em 2025, o Reino Unido comemora 200 anos de relações diplomáticas com o Brasil, celebradas desde que os britânicos reconheceram a independência dos brasileiros em 1825. Em Minas Gerais nesta semana para uma série de agendas em referência à data, a embaixadora britânica, Stephanie Al-Qaq, aproveita o momento para abrir novas possibilidades de negócios e trocas culturais. “Estamos usando este ano para olhar para o futuro. Já temos parcerias históricas em defesa e saúde, mas estamos olhando para novas áreas também, como inovação e tecnologia”, diz, em entrevista ao programa Café com Política, no canal do YouTube de O TEMPO.
Além da celebração do aniversário, este ano também é importante para os dois países por outras razões. Em novembro, o Reino Unido será um dos participantes da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), sediada em Belém (PA). Em meio às polêmicas sobre a hospedagem na região — criticada internacionalmente devido aos preços —, Al-Qaq prefere focar nas discussões sobre o clima.
"Estou falando com todos, imprensa, hotéis, embaixadas e meu próprio governo que o foco tem que ser a substância da COP, porque realmente nosso trabalho é fazer o melhor para nossas crianças. Não quero voltar para casa para três crianças dizendo que não gostei do hotel. Quero voltar com alguma coisa nas mãos. Entregas, entregas, entregas”, sublinha a britânica.
Hoje, o Reino Unido não está entre os dez maiores parceiros comerciais do Brasil — no primeiro semestre deste ano, ocupou a 17ª posição no ranking de exportações brasileiras e o 12º no das importações, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Pressionadas pelo tarifaço dos EUA, as exportações brasileiras procuram novos destinos, e Al-Qaq reflete que os britânicos têm feito o mesmo movimento, o que pode favorecer as relações bilaterais. “Todos os países agora têm que ter uma rede muito diversificada. No Reino Unido, nosso maior bloco de comércio é a Europa, depois os EUA. Mas estamos buscando novos mercados, como o mundo árabe e a Ásia, porque isso é importantíssimo agora”.
Neste ano, o Reino Unido endureceu suas regras para imigração legal após uma alta de quatro vezes o número de imigrantes em quatro anos, de acordo com o governo britânico. Ainda assim, brasileiros qualificados são bem-vindos, convida a diretora do consulado britânico em Belo Horizonte, Laura Queiroz, entrevistada no programa Café com Política ao lado da embaixadora.
Ela menciona o programa de bolsas de estudo Chevening, que está com inscrições abertas para quem já tem graduação. “Queremos aumentar o número de participantes mineiros. Nos últimos dez anos, tivemos 41 participantes de Minas. É uma oportunidade ímpar, com tudo pago”, ressalta ela. Mais informações sobre a bolsa estão disponíveis, em inglês, no site chevening.org.
Confira abaixo os principais pontos da entrevista com a embaixadora Stephanie Al-Qaq e com a diretora do consulado britânico, Laura Queiroz, e assista também ao vídeo da conversa no programa Café com Política.
A relação diplomática entre Brasil e Reino Unido está completando 200 anos. Há um histórico de parceria geopolítica britânica com o Brasil desde o Império. O que é necessário para aproximar os países ainda mais?
Embaixadora: Nós temos 200 anos de história, mas estamos usando este ano para olhar para o futuro. Já temos parcerias históricas em defesa e saúde, mas estamos olhando para novas áreas também, como inovação e tecnologia. Na verdade, já somos o segundo maior parceiro do Brasil na área de tecnologia e inovação e estamos vendo ainda mais possibilidades com a transição energética.
O comércio bilateral entre os países ainda é modesto em relação ao potencial que tem. Quais iniciativas podem ser realizadas, pensando principalmente no comércio de Minas Gerais?
E: Ainda é modesto, mas em um maior nível do que antes. A reunião entre o presidente Lula e nosso primeiro-ministro no ano passado, durante o G20, foi exatamente sobre como podemos aprofundar ainda mais nosso comércio entre Brasil e Reino Unido. Primeiramente, estamos tentando enfrentar barreiras de comércio para reduzir os obstáculos.
Segundo, temos áreas de prioridade. Estamos tentando aprofundar ainda mais as conversas entre as empresas, os ministérios e as áreas-chave. Também estamos juntando a expertise do setor privado com a do governo e com a de universidades para identificar outras oportunidades e aprofundar nossas parcerias. Nós temos muitas oportunidades agora, mesmo que a situação geopolítica seja um pouco difícil. Os valores e o entendimento dos dois países é muito profundo.
Muitos brasileiros estão indo para o Reino Unido e têm uma afinidade muito forte com ele. Isso está ajudando. Estamos vendo mais interesse de empresas brasileiras investindo no Reino Unido também, porque Londres é um centro financeiro e nosso governo está fazendo muitas mudanças para ficar ainda mais fácil investir no Reino Unido.
Minas é um estado muito grande e importante para nós. Já temos várias empresas britânicas na área de mineração, por exemplo. Mas eu estava falando com o governador ontem sobre novas áreas, como infraestrutura, saúde, energia renovável e agricultura sustentável. Estamos explorando novas áreas, em que o governador e o governo daqui têm muito interesse em compartilhar experiências e trabalhar mais com o Reino Unido.
Diretora do consulado: [As exportações mineiras para o Reino Unido têm] muito foco em comidas e bebidas, mas também minério de ferro e aço. O que queremos também é apoiar o contrário, aumentar as exportações do Reino Unido para o Brasil.
Atualmente, temos um foco muito grande em fertilizantes e na parte de peças automotivas. Mas, como a Stephanie falou, queremos ampliar isso um pouco. Nosso trabalho em Minas é muito focado em mineração, mas temos identificado outras áreas de expertise em que o Reino Unido consegue apoiar o estado em seu crescimento. Um ponto muito importante na nossa nova estratégia comercial e da indústria do Reino Unido é que temos identificado novas áreas prioritárias. Minas Gerais, se destaca em muitas delas, como na parte de automotivos, agricultura e energia limpa.
Um ponto muito interessante em que Minas Gerais se destaca e vai ser um ponto específico é a parte de minerais críticos, um ponto que tem sido muito falado atualmente na geopolítica. Na nova estratégia, o Brasil se posicionará como um país muito importante nessa frente. Minas Gerais, obviamente, se posicionará também como um parceiro muito estratégico nessas discussões.
Em 2022, o Brasil e o Reino Unido assinaram um acordo para eliminar a dupla tributação entre os dois países. Mas ele não foi sancionado ainda. Por quê?
E: Esse acordo tem muitos benefícios para ambos países. Ele é muito importante para evitar a dupla tributação, mas também para trazer mais investimentos para o Brasil. Uma pesquisa diz que, só com esse acordo, o investimento do Reino Unido aumentará 18% no Brasil.
Esse acordo foi assinado em 2022, ratificado no Parlamento do Reino Unido em 2023, mas até agora o governo brasileiro não decidiu mandar ao Congresso. Então, estamos falando com o governo sobre o porquê desse atraso. Essa é uma prioridade para o nosso governo, mas também para empresas brasileiras e britânicas.
Todos estão me perguntando o que está acontecendo com esse acordo, porque é o maior obstáculo de comércio entre os dois país por enquanto. Nenhuma empresa quer pagar tributação em um lugar e no outro. Não faz muito sentido. Imagino que esse será um assunto na próxima reunião entre o primeiro-ministro e o presidente Lula.
Por falar em acordos, neste ano o Reino Unido com Minas Gerais um novo memorando de entendimento sobre sustentabilidade. Vocês comentaram sobre esse foco muito grande em inovação, sustentabilidade e agricultura responsável. Como esse memorando de entendimento funciona na prática? Depois da assinatura, temos perspectiva de investimento em alguma área?
Minas Gerais foi o primeiro estado com que nós estamos trabalhando para o Race to Zero. Já trabalhamos com o Estado por muito tempo nessa área. Então, esse memorando de entendimento é para dar continuidade a esse trabalho. Com certeza, trará recursos para vários projetos.
Nós falamos com o governo e outros stakeholders desse memorando para identificar as áreas prioritárias. Estamos usando nossos programas e outros tipos de financiamento para trazer expertise e capacitação e desenvolvimento de políticas. O foco é dizer ao governo as prioridades, como descarbonização na mineração. Como podemos ajudar? Muitas vezes, você assina um papel e nada acontece, mas aqui em Minas Gerais o governo foi muito atrás disso e funciona super bem.
D: O Reino Unido é o principal parceiro climático de Minas Gerais. Desde 2020, temos conversado bastante com o governo estadual para dar seguimento a essa agenda. O primeiro memorando foi assinado em 2020 para poder sancionar essa filiação ao Race to Zero.
A partir de então, vários projetos foram patrocinados por nós em conjunto com o governo do estado, mas também com empresas privadas. Já foram mais de R$ 7 milhões investidos pelo governo britânico em projetos de clima. Não somente de clima especificamente, mas também relacionados a agricultura sustentável. Temos o exemplo do MRV Climático, que é um projeto desenvolvido pelo governo de Minas, voltado para monitoramento de iniciativas que se filiam ao Plano de Ação Climática do estado (Plac).
Também temos o Selo Verde, uma entrega super bacana que fizemos com a Universidade Federal de Minas Gerais e com o Centro Internacional de Territórios, que mapeou produções sustentáveis, não somente familiares, mas de vários tamanhos. Isso é muito importante para o mercado europeu e abre mais mercado para os produtos mineiros em outros lugares. O selo verde foi tão importante que ele não ficou só em Minas e também tem aplicações em Goiás e no Pará, então também está sendo replicado em outros estados.
Temos visto algumas polêmicas em relação à realização do COP no Brasil e alguns países criticando. Como o Reino Unido tem acompanhado essa questão?
E: Outro dia, eu sediei um almoço em minha casa com o presidente da COP, embaixador André Corrêa do Lago, também com a CEO da COP, Ana Toni, e várias embaixadas chave do G20. Durante esse almoço, eu disse que podemos ter esse foco sobre as logísticas, mas isso não mudará nada. Temos que falar sobre a substância, porque estamos chegando ao ponto em que não podemos continuar a ter esse tipo de conferência sem uma mudança. Temos que ter uma resposta para o financiamento. Temos que ter uma resposta sobre o que acontecerá com óleo e gás, temos que ter uma resposta sobre o que acontecerá com as florestas.
Eu acho que tudo dará certo no final. É Brasil. Se tem um país em que tudo vai dar certo no final na logística, será o Brasil. Ok, talvez você não terá um hotel cinco estrelas. Mas, se você quer um hotel cinco estrelas, vá para a praia, para outro lugar. Estamos trabalhando. Talvez não seja perfeito, mas o importante é qual será a manchete no dia seguinte. "O Brasil fez X, Y, conseguimos X, Y".
Se a manchete do dia seguinte for que o café da manhã do hotel não foi bom, não foi um sucesso. Estou falando com todos, imprensa, hotéis, embaixadas e meu próprio governo que o foco tem que ser a substância da COP, porque realmente nosso trabalho é fazer o melhor para nossas crianças. Não quero voltar para casa para três crianças dizendo que não gostei do hotel. Quero voltar com alguma coisa nas mãos. Entregas, entregas, entregas.
O tarifaço virou uma das principais manchetes nos últimos meses no Brasil. Com a restrição da entrada dos nossos produtos nos Estados Unidos, o Reino Unido é um destino para aumentarmos nossas exportações?
E: Eu acho que sim. Nós queremos tomar todas as oportunidades que temos para aumentar o comércio entre os dois países. Estamos vendo, por exemplo, que a JBS tem uma grande rede no Reino Unido e na Irlanda Norte, com muitos empregos. Já estamos vendo que o Brasil está buscando novos mercados.
Mas isso é normal, não estou dizendo nada sobre Brasil e EUA. Todos os países agora têm que ter uma rede muito diversificada. No Reino Unido, nosso maior bloco de comércio é a Europa, depois os EUA. Mas estamos buscando novos mercados, como o mundo árabe e a Ásia, porque isso é importantíssimo agora.
Eu estou vendo que o Brasil está buscando novos mercados, mas acho que isso é uma boa coisa para fazer, não importa a situação de agora. A agricultura está aumentando para nós. E eu acho que Brasil tem muito interesse no nosso ecossistema inovador.
O Reino Unido endureceu recentemente as regras de imigração. Qual é o perfil do imigrante brasileiro que o país deseja?
E: Tem muitos brasileiros no Reino Unido, muito bem-vindos, muitos turistas. O que estamos tentando fazer junto com os brasileiros é fechar todas as rotas usadas para o crime organizado. É perigoso para a pessoa que está usando essa rota, porque ela não sabe o que acontecerá quando chegar lá. Tem muitas rotas legais, que a maioria dos brasileiros está usando sem problemas. Tem muitos brasileiros indo para Reino Unido para estudar, visitar e trabalhar. Tem brasileiros que vão pensando que ficarão um ano e trinta anos depois ainda estão lá.
Nada contra os brasileiros, é contra o crime organizado. Há também, por exemplo, o trabalho entre Reino Unido e França para quebrar com os grupos organizados que estão fazendo essas rotas de barco tão perigosas da França para o Reino Unido.
Hoje, muitos estudantes brasileiros que pensavam em ir para o Estados Unidos estão em uma situação mais complicada. O Reino Unido é uma boa alternativa? Quais são os trâmites? O país pensa em ampliar essas oportunidades?
E: Temos quatro das dez melhores universidades do mundo, e muitas mais que ficam entre as primeiras 20, 50. Nossas universidades agora são muito fortes por causa da conexão entre elas, startups e o setor privado. Esse é o ponto que está atraindo muitos estudantes da China, da Índia e de outros países, porque é uma experiência muito difícil de encontrar. Com certeza, estamos vendo um interesse maior dos brasileiros.
O nosso programa de bolsa está aberto agora. Não pegue ajuda de uma empresa, não pague para nada. Alguém que contrata uma agência é desqualificado imediatamente. Só queremos ver a pessoa. Estamos procurando pessoas com uma ideia de serviço público, de liderança, alguém que tenha ideias, uma visão, que queira fazer uma mudança.
Temos áreas específicas, mas se você quer fazer alguma coisa fora disso, pode fazer a aplicação. É um mestrado todo pago, com acomodação e avião.
D: Queremos aumentar o número de participantes mineiros. Nos últimos dez anos, tivemos 41 participantes de Minas. É uma oportunidade ímpar, com tudo pago, com a universidade paga, várias universidades são aprovadas pelo programa Chevening. Precisamos colocar os mineiros para frente para aplicar mais e participar mais. Tenho certeza de que há muitas pessoas extremamente qualificadas para participar desse programa.
E: Tem que ter um nível específico de inglês, mas muita gente desiste achando que não consegue falar bem. Mas eu posso prometer a vocês que a maioria fala super bem. Então, se você pensar em desistir porque acha que não fala inglês como o rei ou a rainha, não desista.