A Comissão Europeia iniciou nesta quarta-feira (3) o processo de ratificação do acordo comercial com os países do Mercosul, que enfrenta a relutância da França e terá que ser aprovado pelos 27 países do bloco e pelo Parlamento Europeu.

O Executivo europeu validou o acordo comercial com o bloco sul-americano e prometeu garantias "sólidas" para proteger o setor agrícola, muito crítico ao tratado.

A adoção pelos comissários europeus é o primeiro passo antes do envio do tratado de livre comércio aos Estados-membros e aos eurodeputados nos próximos meses.

Segundo uma fonte da Comissão Europeia, Bruxelas quer agir com rapidez e espera alcançar um acordo com os 27 países até o final de 2025, enquanto o presidente Lula ocupa a presidência rotativa do Mercosul.

O acordo deve permitir, entre outras coisas, que a União Europeia exporte mais automóveis, máquinas e bebidas alcoólicas para Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. Em troca, facilitaria a entrada de carne, açúcar, arroz, mel e soja latino-americanos na UE, sob o risco de enfraquecer alguns setores agrícolas europeus.

O ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Mario Lubetkin, recebeu com "alegria" a notícia, afirmando que este acordo é o "mais importante de todos no Mercosul pensando nos próximos 5, 10, 15 ou 20 anos".

Para a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, "trata-se de um acordo benéfico para todas as partes, com vantagens significativas para os consumidores e as empresas" dos dois continentes.

Contudo, desde que as negociações foram concluídas no mês de dezembro do ano passado, os sindicatos de agricultores europeus não poupam críticas ao acordo.

Dois sindicatos agrícolas da França, FNSEA e JA, asseguraram nesta quarta-feira que o pacto continua sendo "tóxico" e pediram ao presidente Emmanuel Macron que "expresse publicamente sua clara oposição a este acordo".

A França reiterou nos últimos anos sua oposição ao projeto de tratado, que considera uma ameaça para sua produção de bovinos, aves, açúcar e biocombustíveis, ao mesmo tempo em que exige medidas adicionais de proteção.

O processo de ratificação coincide com a crise política na França, onde o governo pode cair na próxima segunda-feira se o primeiro-ministro François Bayrou não superar uma moção de confiança.

"Traição"

Para tranquilizar o governo francês, Bruxelas pretende completar o acordo com um "texto jurídico" para reforçar as medidas de salvaguarda para "os produtos europeus sensíveis". O Executivo europeu se comprometeria a intervir caso o acordo tivesse repercussões negativas em determinados setores, como o de carne bovina, açúcar e biocombustíveis.

Von der Leyen afirmou ter "ouvido atentamente" os agricultores e os Estados-membros. "Estabelecemos garantias ainda mais sólidas e juridicamente vinculantes, para tranquilizá-los", escreveu na rede social X.

A Itália recebeu "com satisfação" a inclusão dessas garantias e disse que avaliará sua eficácia e "a possibilidade de apoiar ou não a aprovação definitiva do acordo".

A França afirmou que a Comissão "ouviu as reservas" de Paris, mas advertiu que analisará se as reivindicações foram bem incluídas e são juridicamente viáveis.

Na oposição francesa, o partido de extrema direita Reagrupamento Nacional (RN) já denuncia uma "traição" de Macron caso haja uma mudança de postura, e o partido de extrema esquerda LFI criticou uma "capitulação".

No Parlamento Europeu, esses partidos anunciaram separadamente sua intenção de apresentar uma moção de censura contra Ursula von der Leyen, com chances de sucesso praticamente nulas.

O acordo com o Mercosul, no entanto, tem muitos defensores na Europa, como a Alemanha, que busca novos mercados para as suas empresas, em particular desde o retorno de Donald Trump à Casa Branca e a imposição de tarifas sobre os produtos europeus que entram nos Estados Unidos.

"O acordo é uma excelente oportunidade para a competitividade europeia", celebrou o presidente do Conselho Europeu, António Costa.

Segundo Bruxelas, o acordo com o Mercosul permitirá aos exportadores europeus poupar mais de 4 bilhões de euros (4,6 bilhões de dólares, 25 bilhões de reais) em tarifas por ano na América Latina.

O acordo tem duas partes, uma política e outra comercial, e a França não pode bloquear apenas a parte comercial.

Se quiser interromper o processo de ratificação, o país precisará reunir uma "minoria de bloqueio", ou seja, pelo menos quatro Estados que representem ao menos 35% da população da União Europeia.