Internacional

Entenda o conflito no Afeganistão e a ofensiva do Talibã para tomar o poder

Saiba como surgiu o grupo fundamentalista, que tomou o governo do país neste domingo (15), e e por que os Estados Unidos tinham tropas na região

Por THIAGO AMÂNCIO
Publicado em 15 de agosto de 2021 | 12:37
 
 
 
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Após mais de quatro décadas de guerra quase constante, os afegãos vivem novo momento crítico na história do país, a ofensiva do grupo fundamentalista Talibã que, à força, tomou o governo do Afeganistão neste domingo (15).

Duas décadas depois de sair do comando do país, a milícia extremista chegou à capital, Cabul, deixando um rastro de violência que se tornou também uma crise humanitária. Entenda, a seguir, a guerra em curso no Afeganistão.

O que está acontecendo no Afeganistão?

O grupo fundamentalista islâmico Talibã começou campanha militar para tomar o comando do Afeganistão. Desde que os Estados Unidos começaram a retirar tropas militares após 20 anos de guerra no país, os rebeldes lançaram uma ofensiva pelo interior e  conquistaram a maior parte do território. O grupo conquistou as maiores cidades e e chegou à capital, Cabul. 

O que é o Talibã e como o grupo surgiu?

A palavra Talibã significa "estudantes" em pashto, um dos idiomas oficiais do Afeganistão, língua da etnia majoritária pashtun. O grupo surgiu de milícias estudantis apoiadas pelo Paquistão, que faz fronteira com o Afeganistão, e pelos Estados Unidos, em um contexto de Guerra Fria, para expulsar a União Soviética, que ocupava o país desde o fim dos anos 1970.

Com o colapso do bloco comunista e a saída das tropas soviéticas, o grupo se organizou e disputou, contra outras facções, uma guerra civil, da qual saiu vitorioso em 1996, o que lhe deu o comando do Afeganistão.

Como foi o período em que o grupo governou o país?

Em 1996 o Talibã estabeleceu o Emirado Islâmico do Afeganistão, com o religioso e veterano de guerra Mohammed Omar como seu comandante supremo. O grupo foi bem recebido por algumas camadas da sociedade afegã pela promessa de devolver alguma estabilidade ao país devastado por quase duas décadas de guerra.

Os extremistas, no entanto, nunca chegaram a controlar o território por completo, encontrando resistência sobretudo a nordeste do país. Apesar de ter o controle do Estado, o Talibã não tinha respaldo internacional.

Com um discurso anticorrupção e em um esforço de moralização de uma sociedade supostamente corrompida, o Talibã impôs uma interpretação severa da "sharia", a lei islâmica. Relatório da ONG Human Rights Watch aponta que o grupo cometeu violações sistemáticas de direitos humanos, com castigos corporais, execuções e supressão de liberdades de expressão e religião.

O governo do Talibã, por exemplo, não permitia que meninas estudassem. Mulheres não podiam sair de casa desacompanhadas e sem burca, e homens tinham que manter a barba grande.

O grupo também proibia manifestações culturais ocidentais de modo abrangente, incluindo música e cinema, o que levava a punições até a quem tivesse aparelhos de televisão. Sob ordens de destruir todas as estátuas do país, o Talibã explodiu em 2001 dois monumentos gigantes que representavam Buda, que datavam do século VI e tinham 38 metros e 55 metros de altura, ação amplamente condenada pela comunidade internacional.

Como o grupo saiu do poder e por que os Estados Unidos tinham tropas no país?

Os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos foram atribuídos à rede terrorista Al Qaeda, sob o comando de Osama Bin Laden, que observadores internacionais diziam ter proteção do Talibã no Afeganistão - relatório do Conselho de Segurança da ONU aponta que em 2021 os dois grupos ainda mantêm laços.

Com a recusa do governo afegão em entregar o grupo terrorista, os Estados Unidos lideraram uma coalizão militar que invadiu o país em outubro de 2001. Os principais líderes do Talibã, incluindo o chefe supremo do grupo, Mohammed Omar, fugiram, e o governo caiu pouco depois, em dezembro.

Como foi a ocupação militar e o que aconteceu no país nos últimos 20 anos?

Com a expulsão do Talibã, os Estados Unidos estabeleceram um governo provisório, e desde 2004 o país começou a ter eleições democráticas.

Mas o grupo fundamentalista nunca deixou de reivindicar o poder e continuou realizando atentados tanto no país como em Estados vizinhos. Um dos ataques de maior repercussão ocorreu em 2012, no Paquistão, onde o grupo também é influente, contra Malala Yousafzai, então estudante de 14 anos que denunciava à imprensa internacional a violência do Taleban na região. A menina sobreviveu e ganhou o Nobel da Paz, e o atentado gerou nova onda de reação internacional contra o grupo extremista.

Como o Talibã sobreviveu longe do poder?

Segundo o centro de pesquisas norte-americano Council on Foreign Relations, o grupo se financia com o fornecimento de ópio a produtores de heroína, tráfico de drogas, extorsão e sequestro, e tem uma renda anual que varia entre US$ 300 milhões e US$ 1,6 bilhão.

Por que os Estados Unidos decidiram retirar tropas do país?

Com os atentados constantes, a missão norte-americana não foi encerrada e se tornou a guerra mais longa já enfrentada pelos Estados Unidos, superando inclusive a Guerra do Vietnã.

Segundo estimativa do observatório Custos da Guerra da Universidade de Brown (EUA), desde a invasão em 2001 até abril deste ano, os confrontos no Afeganistão e no Paquistão mataram cerca de 240 mil pessoas, a maioria de soldados locais e forças inimigas, mas também mais de 71 mil civis e pouco mais de 6.000 americanos. Além disso, a missão dos Estados Unidos já custou cerca de US$ 2,3 trilhões no mesmo período.

Com esses resultados e sem perspectiva de vitória, diferentes governos americanos prometeram retirar os soldados do país, o que finalmente foi levado adiante pelo novo presidente dos EUA, Joe Biden, que anunciou que a missão seria concluída até 31 de agosto.
A retirada, porém, deu nova força para os extremistas islâmicos, que agora estão mais perto do que nunca de retornar ao comando do país.

Qual a reação ao anúncio dos Estados Unidos?

O governo do Afeganistão culpou o governo norte-americano pela escalada da violência no país, mas a reação internacional foi mais comedida, já que junto dos americanos também estão saindo as tropas da Otan (aliança militar do Atlântico norte). Na semana passada, o presidente Joe Biden respondeu às críticas, afirmando que "os afegãos têm que lutar por eles próprios, lutar por sua nação", e que não se arrepende da decisão.

Segundo o Acnur, agência de refugiados da ONU, cerca de 400 mil afegãos foram forçados a deixar suas casas desde o começo do ano.

Com a recente escalada da violência e a iminente queda do governo, países do mundo convocaram seus cidadão a deixar o país e resolveram fechar temporariamente suas embaixadas e consulados - o Brasil já não tinha mais representação diplomática no Afeganistão.

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