O fenômeno das fake news, ou seja, informações fabricadas que imitam conteúdo jornalístico em forma, mas não em processo organizacional ou intenção, tem sido alvo de críticas. Mas quem realmente tem o monopólio de emitir opiniões e divulgar fatos?  

O medo palpável dos jornalistas tradicionais se materializa na forma de uma cruzada moralista contra as fake news, e os próprios veículos tradicionais não estão imunes a propagá-las. São as “false news”, informações falsas divulgadas por jornalistas tradicionais, por incompetência ou irresponsabilidade. 

Enchentes no Sul

Parece que a má vontade com o conteúdo criado pelos indivíduos é generalizada. Veja o caso da jornalista Daniela Lima, da Globonews, e as supostas fake news sobre as enchentes no Rio Grande do Sul. O embate se refere às críticas a inação do Estado durante as enchentes. Daniela afirma: “Eles usam vídeos falsos, descontextualizados, para dizer que quem está salvando o Rio Grande do Sul no braço são os voluntários, os civis. Essa ideia é para dizer que o Estado é lento e preguiçoso”. Quando um jornalista se transforma em defensor do governo, onde fica a imparcialidade da mídia tradicional? 

Ela foi citada mais de 40 mil vezes no Instagram, Twitter/X e Facebook. E, aparentemente, o ataque em relação às fake news no que diz respeito ao Sul não conta com apoio dos internautas: só 32% das menções são positivas, muitas puxadas por políticos de esquerda, como Gleisi Hoffmann e Jandira Feghali. 

Silenciar opiniões

O episódio ilustra a complexidade da situação: de um lado, o governo e os jornalistas de veículos tradicionais acreditam estar combatendo fake news que ameaçam a democracia. Do outro, cidadãos veem uma tentativa de cercear a liberdade de expressão. Em outra ocasião, postou que a plataforma Twitter estava a impedindo de postar um conteúdo sobre o Projeto de Lei 2630, conhecido como PL das fake news, que visa regular a circulação de notícias falsas na Internet. A informação era falsa, no dia houve uma pane no Twitter, e milhares de usuários não conseguiram postar nada. A jornalista deveria ser punida? 

A tentativa de silenciar opiniões sob a égide de combater fake news pode levar a consequências perigosas, com um ambiente cada vez mais polarizado, cerceando direitos fundamentais. O ofício Nº 119/2024/GAB/SE/SECOM/PR, que pede a investigação de contas sobre as instituições estatais, é um exemplo preocupante. 

Monopólio das narrativas

Como equilibrar a luta legítima contra a desinformação sem pisar no direito fundamental à opinião? Será que estamos caminhando para uma censura digital, onde a tentativa de controlar a narrativa esconde a verdade? E cidadãos comuns serão processados por opinar sobre seus governantes, em qualquer esfera? Teremos listas de indivíduos críticos ao governo, uma forma de macarthismo digital? 

A tentativa de monopolizar a narrativa e silenciar vozes discordantes não é o caminho. Talvez seja hora de reconhecer que, na era digital, a narrativa é multifacetada e o direito à opinião deve ser defendido, mesmo que isso signifique conviver com pontos de vista que não gostamos.  

Afinal, numa democracia, o debate e a diversidade de opiniões são não apenas necessários, mas vitais. 

(*) Lilian Carvalho é coordenadora do Centro de Estudos em Marketing Digital da FGV/EAESP PhD em marketing, consultora de marketing digital e fundadora da Método Lumière