Júlio Prado é jornalista e apresentador da Expedição Rural
A notícia de que o presidente Donald Trump pretende aplicar tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros desperta, inevitavelmente, uma reflexão profunda sobre o uso de mecanismos tarifários como ferramenta de pressão política e econômica em pleno século XXI. É compreensível que países busquem defender seus interesses estratégicos, mas a aplicação desse tipo de medida soa, no mínimo, controvérsia. Em um cenário global cada vez mais integrado, recorrer ao protecionismo bruto revela não firmeza, mas miopia diplomática, impulsividade e um retrocesso perigoso na lógica das relações internacionais.
Não vivemos mais em tempos onde a força bruta comercial prevalece sobre a interdependência global. A imposição de tarifas punitivas, descoladas de acordos multilaterais ou de lógica de mercado, enfraquece a própria credibilidade de quem as impõe. Ainda mais quando parte de uma nação que se apresenta como referência do livre comércio mundial. O discurso liberal, quando confrontado com ações assim, revela-se frágil, oportunista e, acima de tudo, contraditório.
Os Estados Unidos compram do Brasil produtos-chave para o seu funcionamento interno. Quase 65% do suco de laranja consumido no país vem do Brasil. Somos também responsáveis por cerca de 28% do café verde importado pelos americanos. Fornecemos mais de 12% do aço semiacabado utilizado na indústria norte-americana. A lista segue com etanol, celulose, madeira e proteínas animais. Cortar ou encarecer esse fluxo não é apenas penalizar o produtor brasileiro, é desequilibrar cadeias produtivas inteiras nos Estados Unidos, aumentar preços, gerar escassez e instabilidade para consumidores e empresas americanas.
Essa interdependência é um fato, não uma teoria. E não se resolve com bravatas. A lógica do mundo real exige equilíbrio, diálogo e visão de longo prazo. O Brasil seria impactado? Sim! Mas é igualmente verdade que nenhum outro país está, hoje, preparado para absorver de forma imediata e em volume semelhante os produtos brasileiros que os EUA compram. Isso exigiria tempo, diplomacia e abertura estratégica de novos mercados e isso, felizmente, está ao alcance de um país que exporta energia limpa, alimentos, biocombustíveis e recursos naturais com liderança global.
Formar blocos comerciais alternativos, fortalecer relações com Ásia, Europa e Oriente Médio e construir uma política externa pragmática e soberana são um dos caminhos. Não se trata de abandonar os EUA, mas de deixar claro que o Brasil não pode e não deve depender de um único parceiro. Precisamos agir com a inteligência de quem compreende seu valor no mundo e tem clareza de que ser o “celeiro do planeta” exige muito mais que produzir: exige negociar com dignidade e visão estratégica.
O mundo precisa do Brasil. Mas o Brasil também precisa do mundo, de forma justa, simétrica e madura. O desenvolvimento econômico não pode mais ser conduzido com base em retaliações e medidas unilaterais. Cooperação é mais que um ideal, é uma exigência do nosso tempo.
Não se trata de utopia. Trata-se de consciência geopolítica. De compreender que as grandes nações não se afirmam por isolamento, e sim, por liderança compartilhada. De entender que o segundo maior mercado comprador do mundo, os Estados Unidos, já deveriam ter superado esse estágio. E que o Brasil, país-chave para a segurança alimentar e ambiental do planeta, não pode cometer o erro de só refletir sobre soberania quando ela estiver sob ameaça.
Se quisermos um lugar de respeito nesse novo ambiente global de mercados, precisamos saber dizer, com clareza e elegância: o mundo mudou. E nós também.