(*) Ricardo Rocha (26) é CEO e cofundador da acaso; e (**) Gary Bolles (68) é chair de futuro do trabalho na Singularity University
Com a chegada de 2025, a tendência é que, no âmbito profissional, façamos nossas apostas sobre o que vamos resolver agora e o que pode “até” ficar para depois. Aos líderes de companhias, trago um tema sobre futuro do trabalho que precisa entrar na lista do que vai ser resolvido no presente: temos hoje cinco gerações trabalhando simultaneamente e que, sinto lhes dizer, não se entendem.
São os grupos denominados geração silenciosa (1927–1945), baby boomers (1946–1964), geração X (1965–1980), geração Y ou millennials (1981–1996) e os recém-chegados da geração Z (1997–2010). Nunca antes houve uma intersecção de cinco camadas de gerações distintas que precisassem fazer negócios e entregar resultados juntas.
Pense que temos na mesma sala de reunião um profissional da geração TikTok e um da era do futebol de botão. Eles, para além de ser pessoas diferentes, têm visões completamente distintas sobre sucesso, diversão e propósito. Ainda assim, precisam colaborar para tomar uma decisão sobre a implementação de um projeto de tecnologia.
Se o mercado de trabalho estivesse em alto-mar, eu diria que este é o momento de afundar ou navegar. Esses conflitos, impasses e dificuldades de comunicação e de linhas de pensamento entre gerações já geram impactos nos resultados financeiros de diversas organizações. De acordo com um estudo conduzido pela ASTD Workforce Development em parceria com a VitalSmarts, um terço das companhias destina ao menos cinco horas semanais para resolver conflitos geracionais no ambiente de trabalho, o que representa uma redução de produtividade de cerca de 12%. Outra pesquisa, liderada pelo InfoJobs, mostra que 62% das pessoas já enfrentaram situações de conflito entre gerações.
E a tal da falta de conexão, seja ela com quem se trabalha ou com o propósito do trabalho, só agrava esse cenário. Um levantamento recente da Gallup aponta que 70% dos funcionários no Brasil estão desengajados e infelizes com sua ocupação. Não é preciso sequer entrar na discussão sobre o número de horas trabalhadas para concluir que um funcionário engajado contribui mais e melhor do que um desengajado. Agora, imaginem cinco gerações diferentes, desengajadas, precisando colaborar para “sair do outro lado”. É uma receita para a erosão da performance e da cultura de qualquer empresa.
A inteligência artificial joga um papel duplo nesse cenário. Por um lado, tem o potencial de libertar os seres humanos de tarefas repetitivas e aumentar o nível de contribuição intelectual para os negócios. Por outro, suas aplicações podem exacerbar os desafios existentes, colocando em xeque a real contribuição das pessoas, ampliando a disparidade entre as gerações e dando luz à falta de alinhamento nas organizações. Mas e se, em vez de aumentar as diferenças geracionais, a IA pudesse ser usada para aumentar dramaticamente a diversidade cognitiva, a colaboração entre gerações e o engajamento dos trabalhadores?
Ao longo da história, os avanços tecnológicos têm, em sua maioria, ampliado as capacidades humanas. Hoje, o uso da IA permite mapear profundamente os membros de uma organização, criando uma espécie de “raio X” do potencial humano de cada indivíduo. Assim, por meio de suas experiências, conhecimentos, habilidades e maneiras de ser e de trabalhar, podemos alocá-los e conectá-los de forma inteligente e produtiva, dando luz ao potencial de cada um – independentemente de sua geração, área ou função.
Trata-se de usar a tecnologia para aproveitar as diferenças e criar equipes produtivas e colaborativas, promovendo sinergias e inovação. Ironicamente, essas ferramentas de ponta contribuem para que possamos enxergar melhor aquilo que nos torna únicos e, portanto, verdadeiramente humanos.
Mas ninguém disse que seria fácil. No fim do dia, o desafio que precisa entrar na lista dos problemas a serem resolvidos já é o de ultrapassar a barreira da conexão e colaboração da inteligência humana. Só assim poderemos colaborar também com a inteligência artificial. E a hora de resolvê-lo é agora, porque as gerações alfa (2010–2024) e beta vêm aí.