Mauro Werkema é jornalista e escritor

O turismo, de modo especial em Minas Gerais, é uma resposta socioeconômica à cultura nas suas diversas inter-relações. A ativação dos fluxos turísticos em Minas, nesta relação dinâmica e de integração numa mesma cadeia econômica, depende da adequação, da valorização e de cuidados criteriosos do patrimônio e do fazer cultural mineiro, por sua excepcionalidade, diversidade e singularidade. E, sobretudo, adequada preservação da herança cultural mineira em sua tricentenária trajetória histórica, que nos deixou acervos da Colônia, do Império e da República. Esse é um desafio atual quando se debate inter-relações e complementariedades entre cultura e turismo, riquezas maiores de Minas Gerais.

Celso Furtado, que unia cultura e desenvolvimento, diz que “cultura é tudo que eleva e liberta o espírito humano”. Paulo Freire, pedagogo e educador, professa que a educação só se completa quando integrada aos contextos culturais. Miguel de Unamuno, filósofo espanhol, cita três conquistas para caracterizar como civilizada uma cidade ou Estado: uma universidade, uma orquestra sinfônica e uma imprensa independente, condições que definem bem o papel da cultura nas sociedades. No mundo tecnológico de hoje, a cultura, como base e expressão do conhecimento, estimula a criatividade, a inovação, a evolução, a reformulação de modos de vida, a própria ciência, a interpretação do passado e a previsão do futuro, saberes e fazeres populares que sustentam o processo civilizatório. Os gregos, sábios pensadores, reconheciam que “a cultura é um fato social que dá consistência à sociedade em virtude de uma substância espiritual comum” (Ernest Barker, “Teoria Política Grega”).

“As Minas são muitas”, diz Guimarães Rosa sobre a amplitude da diversidade cultural mineira, que nos legou 853 municípios e perto de 5.000 distritos e povoados, com variadas heranças históricas, sociológicas e culturais e do “saber viver”, do folclore e da cultura popular dos “modos de vida”. Estado mediterrâneo e central no mapa brasileiro, com seis fronteiras e zonas de transposição cultural, com variedade antropológica e étnica, geográfica e geológica, fatores que sustentam sua rica e singular formação humana e sociológica. É na plena compreensão deste “mosaico mineiro” que situam-se o patrimônio cultural de Minas e seus diferenciais como território e povo, que se insere na história e na formação da nacionalidade brasileira.

Pioneira na ocupação do território interior do Brasil Colônia, no Ciclo do Ouro e pedras preciosas, Minas produzirá, no século XVIII, sociedade irrequieta e libertária, com lutas tricentenárias, traço de afirmação sempre presente. A atividade mineratória gera os primeiros núcleos urbanos da capitania, a “Minas geratriz” de Rosa, ampliando as fronteiras geográficas e a ocupação territorial com as atividades agropastoris, outra matriz essencial da formação mineira. E consolidam-se em Minas os traços de uma “civilização distinta”, um tipo de sociabilidade e de interação sociocultural, com personalidade distinta, a “mineiridade” – que, para alguns, é também “mineirice”. Assim, estão na cultura os fundamentos de sua constelação antropológica e, essencialmente, incluindo a “cultura popular e folclórica”, matriz de sua identidade que resiste à massificação dos tempos atuais.

Surpreende a formação iluminista mineira no século XVIII, que levou à Inconfidência Mineira de 1789, mesmo ano em que, em Paris, caía a Bastilha e iniciava-se a Revolução Francesa. Pregaram-se a liberdade e a república pioneiramente no território mineiro, fundando o sentimento nativista. O século XVIII nos lega as cidades históricas e um surto artístico-cultural excepcional, hoje inscrito na lista do Patrimônio Cultural da Humanidade da Unesco.

Nas artes plásticas e visuais, na arquitetura, escultura, literatura, teatro, música, culinária, Minas gerou patrimônio exemplar, que se distingue na história e na cultura brasileiras. E que, por sua excepcionalidade, merecem atenção e tratamento diferenciados, até para que sejam atrativos essenciais dos fluxos turísticos.

 A proteção, a recuperação, o apoio à cultura mineira, nas suas dimensões históricas, identitárias e humanistas, que se reclamam, em ação integrada com o turismo, completarão e darão dimensões essenciais à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo.