*Nelio Souto é jornalista do jornal O Tempo
Outro dia, conversando com um jovem de 14 anos, me deparei com uma visão que me deixou inquieto. Para ele, a ideia de ser "empregado", de trabalhar com carteira assinada, nem sequer passava pela cabeça. Em sua visão, a única maneira de "vencer na vida" era ter o próprio negócio. Ele só tem 14 anos. Ainda está descobrindo o mundo, mas já carrega consigo uma certeza: sucesso e empreendedorismo são sinônimos.
E essa conversa me acendeu um alerta.
Nos últimos anos, o discurso da hipervalorização do empreendedorismo tomou conta das redes sociais e das narrativas de sucesso. O "dono do próprio negócio" virou um símbolo de liberdade, prosperidade e realização pessoal. Enquanto isso, o trabalhador com carteira assinada – aquele que cumpre jornada, recebe salário e busca estabilidade – passou a ser visto quase como alguém que "não sonha alto o suficiente".
Não me entenda mal. Empreender é uma jornada valiosa, desafiadora e necessária para a economia. Mas quando foi que transformamos o emprego formal em um símbolo de fracasso ou de mediocridade?
O problema desse discurso, quando repetido sem nuances, é que ele está moldando a forma como as novas gerações enxergam carreira, trabalho e realização. Se, para um adolescente de 14 anos, a única possibilidade de sucesso é abrir um negócio próprio, o que acontece com as profissões que sustentam as engrenagens do mundo? Quem cuidará da saúde, da educação, da engenharia, da segurança – áreas essenciais que, em sua maioria, funcionam dentro de estruturas formais de emprego?
Além disso, a romantização do empreendedorismo ignora uma realidade importante: nem todo mundo quer – ou precisa – ser dono do próprio negócio para ter uma carreira digna, próspera e satisfatória. Para cada história de sucesso de quem "largou tudo e venceu", existem incontáveis trajetórias invisíveis de trabalhadores dedicados que, com estabilidade, segurança e consistência, constroem legados significativos e vidas plenas.
E há outro ponto que não podemos ignorar: não há espaço no mercado para que todos sejam empreendedores. Se todos buscarem abrir negócios próprios, quem ocupará as funções fundamentais para o funcionamento da sociedade? E, ainda mais importante: por que insistimos em criar uma visão única de sucesso quando a realidade do mundo do trabalho é – e sempre será – plural?
Talvez esteja na hora de desmistificar essa narrativa. Empreender é uma escolha – não uma obrigação. E ser um bom profissional, dentro ou fora do regime CLT, deveria ser motivo de orgulho, não de julgamento.
Se não ajustarmos essa conversa, corremos o risco de criar uma geração que, em busca de um ideal romantizado, desvaloriza profissões essenciais e se frustra ao perceber que a realidade do trabalho é mais complexa do que as histórias de superação que vemos nas redes sociais.
Então, eu te pergunto:
Como podemos equilibrar essa narrativa? Estamos preparando as novas gerações para enxergar valor em todas as formas de trabalho?
Vamos conversar sobre?