Ponto cultural e gastronômico em Belo Horizonte, a rua Sapucaí, no bairro Floresta, reabriu ao público em 2025 depois de um ano de obras. A revitalização da rua custou aos cofres públicos cerca de R$ 5 milhões e redesenhou os 600 m da via entre as avenidas Assis Chateaubriand e Contorno, no âmbito do programa municipal Centro de Todo Mundo, que visa requalificar o Hipercentro de Belo Horizonte.
Mais do que uma simples obra de infraestrutura, o projeto da rua Sapucaí marca uma virada no modo como a cidade pensa seus espaços públicos. A estratégia adotada pela Prefeitura de Belo Horizonte se inspira nos “superblocos” de Barcelona, na Espanha, um modelo de transformação urbana que propõe o fechamento parcial de ruas ao tráfego de veículos para criação de espaços de convivência, destinados a pedestres e ciclistas, para maior lazer e mobilidade ativa.
O conceito dos superblocos, que transformam quarteirões em “ilhas de calmaria”, resgata ideias que considero fundamentais no urbanismo. Referências como a ativista urbana Jane Jacobs e o urbanista Jan Gehl são essenciais para entender que uma cidade vibrante nasce do encontro das pessoas. Essa abordagem, que hoje chamamos de “placemaking”, não é uma moda passageira. Ela enfatiza o papel dos espaços urbanos como verdadeiros catalisadores da vida em comunidade, e é exatamente isso que encontramos na nova Sapucaí.
A requalificação da Sapucaí não é um caso isolado em Belo Horizonte. O fechamento das diagonais da Praça Sete, em 2003, já apontava essa direção. Também o projeto da Praça da Savassi, em 2012, caminhava sobre o mesmo conceito. O que muda agora é a maturidade técnica e política para executar isso com qualidade e, o mais importante, com mais participação popular. A revitalização da Sapucaí reforça o caráter já existente da rua, com foco em cultura, gastronomia e arte urbana, valorizando, por meio da consulta pública, uma construção conjunta com a população.
A obra incluiu a pavimentação de plano único com concreto armado, ladrilho hidráulico, pedra portuguesa e trechos gramados, drenagem nova, ciclovia bidirecional, mobiliário urbano, bancos e lixeiras, arborização e paisagismo. O mirante, valorizando a vista da área central, foi reforçado com lunetas de observação gratuitas, instaladas próximo aos números 193 e 303, como parte do projeto turístico da Belotur.
Cidades vivas são aquelas que oferecem lugares de encontro. A Sapucaí já tinha esse potencial, e a revitalização veio para potencializar algo que já existia, atuando como um catalisador urbano.
Diferentemente de outras intervenções feitas “de cima para baixo”, o projeto da Sapucaí passou por um processo de consulta pública que envolveu cerca de 7.000 moradores, além de comerciantes e pesquisadores. Houve reuniões presenciais e um formulário online que coletou sugestões da população.
Esse diálogo é essencial por se tratar de uma área simbólica da cidade. Quando a população percebe que sua opinião está sendo levada em consideração, ela se sente parte do processo. Assim, há maior uso e apropriação do espaço, com menor chance de abandono ou vandalismo, e criação de um verdadeiro senso de pertencimento.
O desafio não é apenas físico-financeiro, mas politicamente estrutural e permanente. A obra física é só o começo. É preciso integrar transporte coletivo, garantir policiamento, promover eventos e assegurar manutenção constante para que o espaço continue vivo. Esse modelo precisa ser replicado em outras áreas da cidade, para além da região Centro-Sul, desde que acompanhado por políticas estruturadas e continuidade administrativa.
A transformação da Sapucaí representa mais do que uma obra. Ela é um movimento de reconexão com a essência urbana de Belo Horizonte. Não se trata de uma ruptura ou de uma grande inovação, mas sim de uma redescoberta da cidade que Belo Horizonte já foi um dia: mais caminhável, verde e humana.