Jacqueline Caixeta é supervisora pedagógica e palestrante
Fico imaginando como será esse cidadão responsável por fazer este país caminhar daqui a 30 anos, por exemplo. Quais serão as respostas que ele nos dará? Quais serão as perguntas que ele fará?
Levando em consideração que ele será o fruto de uma infância jogada fora, desperdiçada, porque não se movimenta, não brinca, não cria e produz nada, tudo é um simples toque na tela, esse cidadão talvez não vá saber como andar descalço ou como se proteger de um ataque de abelhas. Coisas básicas e bobas, não é? Mas é o que me vem à mente agora. De tão básico e bobo a algo absurdo de se resolver pelo simples fato de nunca ter experimentado nada parecido.
É triste imaginar alguém que nunca pisou descalço no chão, que não machucou o pé com pedrinhas, ou escorregou no barro, ou teve que subir numa árvore para comer uma fruta. Imaginar que um cidadão, no auge dos seus 30 anos, não terá vivido coisas tão comuns, é lamentável, mas, se continuar do jeito que está, vai ser tão real quanto aquelas frases que escutamos muito dos pais de bebês atualmente: “Olha que gracinha, ele já leva o dedinho e sabe mudar a tela”.
De fato, não sei como será esse cidadão. Tão cheio de competências acadêmicas, talvez. Tão carregado de saberes tecnológicos e megaintrosado com nossa amiga IA, no entanto tão vazio de experiências que o desafiem a pensar, criar, errar.
Vivemos em uma corrida contra o tempo, e a pergunta da vez é: “Que profissão vai resistir e existir após o avanço da inteligência artificial?” Acho que está na hora de mudar um pouquinho a pergunta.
Que tal começarmos a nos perguntar como será o cidadão após o avanço da inteligência artificial?
A IA está prontinha para responder a todas as perguntas, mas nós não estamos fazendo a pergunta certa. Precisamos mudar a rota, redefinir nossos medos e começar a procurar um jeito de saber como será o cidadão do futuro. As profissões, bem, estas já sabemos que mudarão, e pronto, mas e nós? E nossos filhos e netos? Quem serão essas pessoas daqui a uns anos? Quem serão esses seres capazes de lidar com tantas novidades em tão pouco tempo?
Será que nós estamos pensando nisso? Será que nossas cabeças pensantes já pararam pra pensar no ser humano do futuro? Não aquele que queremos que vença a máquina, ou que se livre dela, ou a supere, mas aquele ser humano que será capaz de viver dignamente seu direito de ser gente. De errar e acertar, de sentir o outro como um semelhante.
O adolescente de hoje está com o pé, a cabeça no futuro, no entanto não sabe nem decidir se quer usar jeans ou moletom para sair de casa. É uma falta de autonomia e responsabilidade assustadora. Ainda estão debaixo das asas de seus pais e não assumem suas responsabilidades. Tudo muito fácil, tudo na hora que querem, nem precisam fazer muito esforço, e lá está tudo o que querem. Até o que não querem; não lutam, a qualquer confronto, colocam os pais em cena, e estes brigam por eles, sem nem saberem se estão certos ou não.
As escolas tentam fazer sua parte e a das famílias. Muitas delas não sabem nem por onde começar a educar um filho. Buscam avançar em metodologias, tecnologias, práticas inovadoras para que seus alunos não durmam em sala, enfim, fazem o que podem, mas falham muito porque educar crianças e adolescentes de pais ausentes e permissivos não é tarefa fácil. Muitas vezes, o tempo pedagógico é usado para conversas sobre comportamentos e posturas, tudo que poderia ter vindo resolvido de casa.
Quem será esse cidadão do futuro? Se não pararmos de nos perguntar sobre quais profissões desaparecerão com a IA e não começarmos a nos perguntar quem serão os cidadãos, daqui a 30 anos descobriremos, a duras penas, que falhamos, falhamos feio na educação desse cidadão.
Se não começarmos a nos mexer na direção certa, educando as crianças e adolescentes para que saibam bem mais da vida do que as telas lhes dizem, para que criem, pensem, dialoguem, sejam dialéticos com os pais, escolas, amigos, que aprendam a questionar, pensar, refletir, agir, nos assustaremos com esse cidadão do futuro que estamos ajudando a construir.