Lúcio Otoni é diretor da Rede Cineart e presidente da Federação Nacional das Empresas Exibidoras de Cinema (Feneec)
A gente não percebe na hora. Mas a memória tem a sua própria sala de edição. Ela recorta, ilumina e eterniza cenas que não cabem na rotina. E, quando a gente se dá conta, são justamente aquelas pequenas coisas que ficam no filme da nossa vida: o riso do pai no meio do cinema, o barulho da pipoca estourando na bonbonnière, o silêncio que antecede o início do trailer, o braço ao redor do ombro na poltrona.
A vida, afinal, é um filme. E não há clichê nenhum nisso. Como todo bom filme, ela tem personagens centrais. Em muitos dos nossos melhores takes, lá está ele: o pai. Às vezes protagonista, às vezes coadjuvante que vira herói em momentos decisivos. Em tempos de telas individuais, múltiplos dispositivos e uma pressa generalizada, o cinema permanece sendo uma das últimas trincheiras do tempo partilhado. Ele representa aquela redoma um tanto quanto mágica, em que dois corações batem no mesmo ritmo, sentem a mesma cena, saem da sala com o mesmo nó na garganta ou o mesmo sorriso.
O cinema ainda é, para muitos pais e filhos, o primeiro lugar onde se aprende a sonhar junto. É onde meninos descobrem o que é ser forte e sensível ao mesmo tempo e onde meninas enxergam que um mundo inteiro cabe dentro de uma história bem-contada. É onde o pai sai do papel de adulto ocupado para virar companheiro de jornada. A jornada do herói pode estar na tela, mas a real aventura está no gesto de estar presente.
E é aquela história: quem viveu se reconhece. Quem não viveu sente vontade de viver. E talvez esta seja a potência mais bonita de um momento no cinema entre pai e filho. Ele é simples, possível, por vezes até curto, mas, quando bem vivido, torna-se eterno.
Porque, se pararmos para pensar, não é só sobre o filme. É sobre o ritual. A escolha da sessão, o caminho até o shopping, o lanche antes do filme, os comentários depois. É sobre sair de casa e perceber que estamos criando algo que vai sobreviver ao tempo, criando uma lembrança. No cinema, o afeto ganha trilha sonora, enquadramento e cheiro de pipoca. É a nostalgia no presente contínuo.
Em um mundo que nos empurra para conexões rápidas e descartáveis, reservar um tempo para ir ao cinema com quem se ama é quase um ato de resistência. É dizer: “Estou aqui, inteiro, agora”. É criar aquilo que será lembrado quando tudo mais tiver passado. E mesmo que, com o tempo, a gente esqueça o título do filme, a sala exata ou o que aconteceu no segundo ato, dificilmente esqueceremos a sensação de estar ali, lado a lado de quem importa.
Eu acredito nisso. Sempre acreditei. Porque vejo isso de perto desde a infância. O cinema é mais do que conteúdo. É contexto, é vínculo, é presença. Neste mês dos pais, o meu convite é simples, mas poderoso: se você é pai e tem o privilégio de ter seu filho ou filha por perto, vá ao cinema com ele. Se é filho e tem o privilégio de ter seu pai por perto, vá ao cinema com ele. Porque o filme da sua vida é você quem escreve, e a melhor parte dele, quase sempre, acontece fora de casa. E longe do celular.