Pedro Calais é professor da graduação em ciência de dados e
inteligência artificial do Centro Universitário Ibmec-BH

A Inteligência Artificial – ou IA – é um conjunto de tecnologias que permite que máquinas executem tarefas que, até pouco tempo atrás, exigiam inteligência humana: reconhecer padrões, interpretar linguagem, tomar decisões, aprender com dados. Nos últimos anos, especialmente com o avanço das IAs generativas, como o ChatGPT, essas capacidades deram um salto, alcançando um nível de sofisticação que tem surpreendido até os especialistas.

Com isso, é natural que surja uma preocupação: como esta revolução tecnológica vai afetar o mercado de trabalho? O medo de ser substituído por uma máquina não é novo, mas ganha novos contornos diante de sistemas que agora escrevem textos, fazem diagnósticos, respondem e-mails e até programam código. A ansiedade existe, mas talvez a pergunta mais útil não seja “a IA vai tomar o meu lugar?”, e sim: “como o meu trabalho vai mudar com a IA?”.

O impacto da IA não será igual para todo mundo. Em alguns setores, a transformação já é visível. Ferramentas baseadas em IA generativa têm acelerado a produção de texto, a análise de dados, o atendimento a clientes e até a revisão jurídica. Um estudo da Harvard Business School mostrou que, em certos tipos de tarefas cognitivas, o uso da IA pode aumentar a produtividade em até 40%.

Mas há um detalhe que muitas vezes é ignorado: o que a IA frequentemente faz não é reduzir o trabalho, mas sim aumentar a expectativa de entrega. Um exemplo disso está no marketing. Hoje, existem ferramentas de IA que sintetizam voz, geram vídeos, criam roteiros e até montam comerciais inteiros a partir de um briefing. Mas isso não reduziu o esforço dos profissionais da área: o padrão de entrega subiu. Antes, bastava um esboço ou uma ideia bem explicada. Agora, o cliente quer o vídeo pronto, com voz, música e identidade visual. O tempo de produção caiu, mas a régua subiu. Todos continuam trabalhando com a mesma intensidade, ou até mais.

Por outro lado, há setores em que o impacto da IA será mais gradual, como a saúde, a educação básica, a construção civil e o direito. Isso acontece porque essas áreas dependem fortemente da presença física, do contato humano e de habilidades interpessoais difíceis de automatizar. Um professor explicando conteúdo para crianças, um enfermeiro acompanhando sinais vitais à beira do leito ou um pedreiro ajustando detalhes numa obra são tarefas que exigem sensibilidade, improviso, coordenação motora e confiança – coisas que a IA ainda não entrega.

Quanto mais a tarefa depende de repetição, mais ela está sujeita à automação; quanto mais depende de julgamento, mais ela valoriza o humano. Estamos saindo de um mundo em que o “saber fazer” – o “know-how” – era suficiente para outro em que o “saber por que fazer” – o “know-why” – se torna essencial. A IA pode sugerir uma resposta, mas ela não entende o impacto do que está sugerindo. Esse tipo de discernimento continua sendo exclusivamente nosso.

É por isso que a IA não substitui talento – ela amplifica talento. Profissionais que já dominam suas áreas e aprendem a usar IA como ferramenta ganham velocidade, foco e vantagem competitiva. Delegam o trivial e se concentram no essencial. Vejo que o futuro do trabalho não será homem versus máquina, mas homem com máquina. Neste modelo de trabalho “ciborgue”, precisamos saber fazer perguntas boas, interpretar resultados, tomar decisões com responsabilidade, saber quando seguir uma sugestão da IA – e, principalmente, quando não seguir.

Quem conseguir integrar essas capacidades vai estar à frente. O maior risco, hoje, não é sermos trocados por máquinas, mas não aprendermos a colaborar com elas.