Não há saída visível para a crise que apanhou o Brasil, pois o que cada um entende por "pacificação" ou "acomodação" significa a rendição do outro. Isso vale também para o precaríssimo estado das relações entre Brasil e Estados Unidos.
Um fato inédito é o componente internacional na crise doméstica brasileira, pois uma corrente política interna está contando com a ajuda de uma potência estrangeira para atingir seus objetivos - e os da potência. Eles equivalem na prática a um "regime change" no Brasil.
Trump está comandando o show em torno da sua visão de que o Brasil não vive um regime democrático. Mas, sim, uma ditadura de toga que persegue adversários políticos e prejudica interesses econômicos das big techs - além de se alinhar ao grande adversário geopolítico dos EUA, a China.
Não há como o Estado brasileiro ceder a esse tipo de demanda, salvo render-se. A crise expôs um Brasil vulnerável, despreparado para situações de emergência e com um governo incapaz de enxergar a natureza e a gravidade do contexto, preocupado sobretudo com obtenção de vantagens político-eleitorais. E seus cacoetes ideológicos de sempre.
No plano doméstico não há lideranças genuinamente nacionais em condições de promover qualquer coisa parecida a uma "concertación", mesmo diante dos óbvios danos à economia e o perigo geopolítico para o qual o Brasil está sendo empurrado. Ao contrário, cada um dos lados envolvidos parece acreditar que terá vantagens aumentando a pressão.
As perdas são consideráveis para os envolvidos. O STF está vendo erodir ainda mais rápido sua legitimidade - o governo americano é apenas o mais recente a contestá-la (o que é muito grave em si). A oposição bolsonarista se banha na "schadenfreude" em relação a personagens do Supremo atingidos por sanções, mas está hoje mais distante de chegar ao objetivo político (anistia e impeachment de Moraes).
Do Congresso não sai impulso político abrangente no sentido de convergência de forças para enfrentar uma situação perigosa do ponto de vista da Nação. Expõe sua natureza de ajuntamento de diversos grupos ocupados com seus interesses paroquiais. Incapazes de lidar com as grandes questões.
Há mais dois canhões apontados para o Brasil, além das sanções a ministros e funcionários do governo. A investigação sob a Secção 301 vai complicar negociações comerciais que, a rigor, nem começaram. A aplicação de tarifas adicionais à Índia, por conta de compra de petróleo russo, é um alerta vermelho para o que eventualmente virá contra o Brasil (metade do nosso diesel é comprada lá).
Há crises que projetam estaturas e lideranças. A atual parece revelar apenas a falta delas.